Dos muitos comentários que o último post suscitou, fiquei com a ideia de que uma das principais razões - se não a principal - que levaram as pessoas a querer vir habitar a Alta foi a da qualidade. Qualidade do espaço urbano (sim, aceito que, pelo menos no projectado, ela é inegável), qualidade do espaço habitacional.
E volto a repetir a pergunta que fiz então: têm a certeza da qualidade da "qualidade" do espaço habitacional?
Tenho tido, no decorrer da minha actividade profissional, a oportunidade de conhecer com algum detalhe a actividade imobiliária em alguns países - tanto no que se refere às definições de construção como aos diversos produtos imobiliários disponibilizados em relação à gama de preços. E cheguei a duas convicções: em Portugal, o que é considerado o supra-sumo da qualidade - o "luxo" - é poeira para os olhos de quem tem muito dinheiro para gastar e poucas exigências para viver; a relação preço/qualidade de construção (mensurável fisicamente) é altamente deficitária.
O que é considerado luxuoso nos outros países não existe em Portugal e, inversamente, o que é considerado "de luxo" em Portugal não valeria dois caracois em mercados mais exigentes.
Por outro lado, pagam-se como excepcionais, características que são consideradas quase corriqueiras noutros países.
Porque é que se valoriza tanto um sistema de condicionamento térmico quando até já há legislação que impõe capacidades mínimas de inércia térmica aos edifícios que - a ser efectivamente seguida - quase o tornariam dispensável? E porque é que vidros duplos, caixas de ar revestidas com isolamento térmico e acústico, pavimentos flutuantes são referidos como excepções a ser devidamente realçadas? O facto da estrutura ser em betão ou os prédios terem elevador ou canalização de gás é-o?
Acresce que, o facto de existirem estes componentes não assegura que o funcionamento dessas infra-estruturas seja o desejado. Em Portugal constroi-se cada vez mais desleixadamente.
E para que não venham já dizer que estou a exagerar pergunto-vos: nas vossas casas novas da Alta já tiveram ocasião de apreciar as qualidades vocais de um dos vossos vizinhos (de cima, de baixo, do lado)? as conversas no átrio do vosso piso? o levantar voo de um avião na Portela (tudo isto evidentemente de portas e janelas fechadas)? Já tiveram de ir a correr aumentar o fluxo de ar ou de água quente no sistema de aquecimento ambiente porque, ao amanhecer, sentiram especial relutância em circular de pijama pela casa? E num outro plano, nunca terão ido em desespero pedir encarecidamente ao vizinho de baixo para desligar a lareira porque o ar na vossa sala se aproximava rapidamente do irrespirável? Nunca descobriram com surpresa uma preocupante ausência de ligação do esquentador à conduta de evacuação de ar da cozinha? Ou sentiram uma zoada nos ouvidos devida ao barulho do exaustor automático da cozinha...? Nunca tiveram as portas completamente arruinadas devido às infiltrações de água vindas do andar de cima porque, devido à inexistência de um tubo de fuga, a água acumulada na varanda acabou por inundar todo o apartamento? OU - caricatura das caricaturas - acharam que era um exagero de salubridade usar-se água quente no autoclismo?
Não, não estou a inventar. Tudo isto são casos passados em casa de amigos e, à excepção de um, todos em edifícios do admirável sítio novo... É que se constroi mesmo com duas mãos esquerdas em Portugal.
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