Congonhas, viu nascer o seu aeroporto num altura em que a cidade terminava longe. Como siameses, aeroporto e urbanizações circundantes cresceram em exponencial até os limites de um coincidirem com o término expansionistas das outras.
Congonhas é, hoje em dia, um terminal viário incrustado numa das cidades mais populosas do mundo.
Há 11 anos, um avião de uma companhia nacional caiu, 25 segundos após levantar vôo, num bairro próximo.
Ontem, um avião da mesma companhia, entrou aparentemente em aquaplaning quando aterrava e precipitou-se sobre a avenida contígua, chocando com um prédio.
Como Congonhas, o aeroporto de Lisboa foi implantado quando a cidade fenecia bem ao longe. Perto, só o Bairro da Encarnação, um notável exemplo de urbanismo "auto-suficiente", uma obra social de propaganda do regime, ainda hoje em dia um lugar com uma qualidade de vida acima da média de Lisboa - uma espécie de Alta de Lisboa dos pequeninos, versão anos 40. Como em Congonhas - mas com a discrição de um país sem capitalismo exacerbado - Lisboa cresceu e envolveu o seu aeroporto. Controladamente nalguns casos - mantendo distâncias de alguma segurança como nos Olivais ou na Alta de Lisboa - sem supervisão noutros - como no bairro do Pote d'Água ou em Camarate. Como em Congonhas, um pequeno avião caiu sobre um bairro residencial uns segundos após descolar (lembram-se de 1980?). Como em Congonhas, quase todas as diversas rotas de aterragem sobrevoam a cidade, os seus edifícios, os seus moradores. Dependendo da direcção do vento, é possível perceber a frequência de aterragens e decolagens, o ruído que produz é quase um sinal de normalidade, uma garantia de que a vida continua.
Portugal discute há mais de 30 anos a inevitabilidade de um novo aeroporto, fora de portas. Ultimamente, com a decisão governamental de tornar irreversível a sua construção, o país que pensa parece ter-se dividido em três partidos: os que advogam a sua implantação na Ota; os que advogam a sua implantação o mais perto possível da cidade; os que defendem a adaptação de uma base militar existente para aeroporto complementar, com a manutenção do aeroporto principal em Lisboa - como a esmagadora maioria dos candidatos à presidência da Câmara nas eleições do passado Domingo.
Esgrimiram-se argumentos económicos, técnicos, afectivos, de conforto. Há muito que não oiço falar do único que me parece imbatível: o da (in)segurança de todos os que utilizam a cidade.
Por mais que gostasse de continuar a ter o aeroporto mesmo aqui à mão quando viajo, de ouvir ao longe o bruá de quatro reactores em pleno esforço de descolagem, de ver o aparentemente lento aproximar da pista de mais um Airbus, de me surpreender (como me surpreendi no passado com o Concorde) com a passagem de uma ave rara sobre os céus de Entrecampos, de saber que, economicamente, a sua existência tão perto do centro da cidade, é uma mais-valia importantíssima, perante este argumento fico sem resposta.
Lisboa vai perder agora o seu aeroporto. A alternativa será perdê-lo na sequência de um grave acidente sob pressão da opinião pública .
E quanto aos moradores da Alta: qual é a vossa perspectiva perante a desactivação da Portela? Concordam com a proposta de Costa da transformação do seu espaço em jardim (parque)? Preferiam um prolongamento urbano da Alta, cerzindo-a com a Encarnação, Olivais e Expo? Como convivem actualmente com o ruído? E vocês, oh pretéritos moradores das Calvanas, da Musgueira, actuais moradores do Bairro da Cruz Vermelha - que memórias podem oferecer da proximidade do aeroporto, que memórias têm dos passeios até lá? Paravam nas Calvanas para ver os aviões erguer-se e aterrar? Aquele mundo tão perto e tão longe que se adivinhava para além da cerca e do muro de eucaliptos, aquele mundo que se dizia guardado à noite por cães ferozes que destroçavam os incautos que o resolviam invadir (não vos contavam histórias destas?) o que vos dizia, o que era para vocês?
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