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Um dia gostaria de saber para que foram feitos os jardins e parques de Lisboa. Não, a sério, não é para que servem, é óbvio que um jardim, enfim, tem árvores e relva e coiso, um jardim, as pessoas, o ar puro, a poluição, a comunicação com a Natureza... Não é?
Pois, não sei, eu vejo os parques e jardins às moscas (moscas mesmo, estão sempre cheios de merda de cão) basta uma aragenzinha e ai meu deus que se me constipa o miúdo, vem cá brunofilipe!, toca tudo a calafetar portas e janelas, jardins e poças e lama, tocáfugir.
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Voltando ao sério.
Os jardins foram feitos para neles passearem as gentes da cidade? Então porque não passeiam? Traduzo: se a intenção da Câmara é criar um espaço para as pessoas fruirem, porque é que não as obriga a lá estar?
Porque é que não os ilumina à noite? Porque é que não lhes dá segurança? Porque é que neles não instala bancos-poltrona confortáveis para uma pessoa se esparramar como se estivesse no sofá da sala?
Porque é que não acerta certeiros pontapés-no-cú dos donos dos cães que os levam em procissão a adubar as zonas verdes, as mesmas zonas verdes onde infantes em princípio de aprendizagem ensaiam passos e quedas?
[Intervalo para publicidade: a ex-paris-lisboa conseguiu a proeza de melhorar o que já era bom: agora é quase sempre jazz]
[90.4, pá]
Continuando. Os jardins de Lisboa estão, normalmente, vagos de gente, tirando os aglomerados de adeptos dos campeonatos de sueca patrocinados pela Segurança Social e os aglomerados de adolescentes que tentam pôr em práctica a matéria teórica das aulas de informação sexual. Isto na Primavera. No resto do tempo, folhas secas (das árvores; as provenientes do PCP estão a ganhar dinheiro na Iberdrola ou outra qualquer PME), poças de água, negrume.
Portanto: para que foram feitos os jardins e parques da minha cidade?
Veja-se o caso da Mata de Benfica.
Andei anos a ouvir este nome. No meu imaginário, era uma espécie de Monsanto dos pequeninos, uma Sintrinha à beira-casa, um segredo bem guardado, idílico espaço de descanso e prazeiteirice. Há umas semanas visitei-a, finalmente. Ia um bocadinho apreensivo porque não levava nem farnel, nem botas especiais, enfim nada daquelas coisas que um passeante experiente leva para esta coisa dos passeios a matas. Ainda bem!
É que a "mata" de Benfica é assim um bocado como se tem revelado o "MATA!" daquele senhor que parece que manda no Benfica: é mais o nome que os resultados... Na verdade, a "Mata" não passa de um cabeço orlado de árvores e ameaçado de patos-bravos de todos os lados que, de tão vazia, dá a impressão que, por detrás de cada árvore que passamos nos irá surgir um Heathcliff tresloucado uivando pelo seu amor perdido. Tem, no entanto, pormenores engraçados,
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como este senhor que ninguém se interessou em me esclarecer quem foi (de facto, os jardins lisboetas são principalmente cemitérios de memórias oitocentistas)
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ou este "chalet" em tijolo burro que parece desesperar por não ser pagode (e, talvez por isso, foi condenado a ser albergue de sanitários)
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e que transporta nos alçados curiosas sínteses entre a estética das Caldas e a visão arte-nova do namoro.
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Tem eucaliptos fabulosos, uma resposta da natureza portuguesa aos desesperos torcionatos dos maneiristas da primeira fase.
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E estes pontos de fuga paradigmáticos: arquitecturas que envergonham o mais distraído, mercados que de tão alienados assumem formalmente a sua condição ovni, bancadas manhosas para manhosas expectativas de vida.
E, portanto, digam-me lá: para que raio se fizeram os jardins da capital?
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