Desde que me comecei a interessar pela Alta de Lisboa, até que decidi comprar lá casa, tenho falado desse novo bairro com amigos e conhecidos. A opinião é generalizada: “Não te metas nisso, é horrível, deprimente, um monte de prédios feios e cinzentos!”. Depois invocava o projecto urbanístico premiado internacionalmente, o PDM, os projectos de arquitecto, os espaços verdes projectados: “Espaços verdes? Vamos lá ver se os fazem, vai esperando. PDM? Vai a Telheiras ver o que é um PDM.”
Tenho lido também alguns comentários neste e noutros blogs sobre a Alta de Lisboa, muitos deles depreciativos, com um tom bastante sarcástico, sem grande profundidade de argumentação. A “boca” típica.
A Alta de Lisboa tem problemas sérios, tem situações delicadas que podem levar alguns anos a resolver, mas parece-me que as “bocas” de amigos, conhecidos e leitores de blogs assentam sobretudo num preconceito e opinião fáceis, sem grande fundamentação, empírica sequer, que as sustente.
Conheço pessoas que têm o irritante hábito de comparar e valorizar todas as opções de vida que tomaram com as dos outros. Desde o carro que compraram, a casa, a cor dos cortinados, o que vestem, o que comem, onde passam férias, as “gracinhas” dos filhos, a máquina fotográfica. Não passa, nitidamente, de uma forma infeliz de sublimar algumas frustrações incompreensíveis, mas parece-me ser uma mentalidade generalizada no nosso país. A opção do outro, se for diferente da minha, é pior.
Assim se percebe porque se diz que um clube é melhor que outro, e não que a equipa de um clube joga melhor que a do outro. Só assim se percebe que andemos todos também, há décadas, a falar de esquerda e direita, sem saber distinguir uma da outra, sem dizer o que é ser de esquerda ou direita, mas antes dizendo que fulano é de esquerda ou que o partido XYZ é de direita. Assim, um rótulo, sem necessidade de justificar. É mais fácil discutir assim, de facto.
Outro tique muito nosso é o pessimismo e receio de tudo o que é novo ou com mais iniciativa que uma amiba.
Assim se percebe também o tipo de comentários que temos lido sobre a Alta de Lisboa.
Não tenho interesse particular na Alta de Lisboa, a não ser porque irá ser o meu futuro bairro. E como gosto de morar em sítios bonitos e saudáveis, apeteceu-me tentar fazer alguma coisa por isso. Teria feito o mesmo se tivesse optado ir para o Cacém ou Telheiras.
Mas, chamem-me ingénuo se for caso disso, parece-me que se existe local em Lisboa onde ainda é possível fazer cumprir minimamente o projecto inicial é a Alta de Lisboa. A Alta de Lisboa é inóspita ainda em muitos dos seus locais. Mas aos poucos, e cada vez mais depressa, os melhoramentos urbanos têm sido feitos. Poderá tornar-se, se todo o projecto for cumprido e se os futuros moradores assim o quiserem, num exemplo de planificação bem sucedida. Coisa rara, raríssima, em Portugal.
Temos discutido, nos últimos tempos, alguns aspectos da Alta de Lisboa, mas deixámos um pouco de lado o âmago da questão: qual o potencial da Alta de Lisboa? Daqui a 20 anos será uma referência urbanística a tomar como exemplo, ou será um bairro triste e doente, alvo de estudo para a intervenção de um novo Programa Polis?
P.S. O caso do arrastão da praia de Carcavelos parece que foi afinal
uma história muito mal contada. Um exemplo de como o mau sistema de ensino afecta já a nossa comunicação social, ávida de manchetes, sem ter a inteligência, capacidade, talento e vocação necessárias para fazer jornalismo sério e competente. Um mau sistema de ensino e um jornalismo sensacionalista e superficial são simultaneamente causa e efeito de um círculo vicioso. Se não sentimos necessidade de validar e comprovar a informação que nos chega, porque havíamos de ter essa preocupação quando pensamos e falamos seja do que for?