sábado, 2 de julho de 2005

Pré-conceito

Desde que me comecei a interessar pela Alta de Lisboa, até que decidi comprar lá casa, tenho falado desse novo bairro com amigos e conhecidos. A opinião é generalizada: “Não te metas nisso, é horrível, deprimente, um monte de prédios feios e cinzentos!”. Depois invocava o projecto urbanístico premiado internacionalmente, o PDM, os projectos de arquitecto, os espaços verdes projectados: “Espaços verdes? Vamos lá ver se os fazem, vai esperando. PDM? Vai a Telheiras ver o que é um PDM.”

Tenho lido também alguns comentários neste e noutros blogs sobre a Alta de Lisboa, muitos deles depreciativos, com um tom bastante sarcástico, sem grande profundidade de argumentação. A “boca” típica.

A Alta de Lisboa tem problemas sérios, tem situações delicadas que podem levar alguns anos a resolver, mas parece-me que as “bocas” de amigos, conhecidos e leitores de blogs assentam sobretudo num preconceito e opinião fáceis, sem grande fundamentação, empírica sequer, que as sustente.

Conheço pessoas que têm o irritante hábito de comparar e valorizar todas as opções de vida que tomaram com as dos outros. Desde o carro que compraram, a casa, a cor dos cortinados, o que vestem, o que comem, onde passam férias, as “gracinhas” dos filhos, a máquina fotográfica. Não passa, nitidamente, de uma forma infeliz de sublimar algumas frustrações incompreensíveis, mas parece-me ser uma mentalidade generalizada no nosso país. A opção do outro, se for diferente da minha, é pior.

Assim se percebe porque se diz que um clube é melhor que outro, e não que a equipa de um clube joga melhor que a do outro. Só assim se percebe que andemos todos também, há décadas, a falar de esquerda e direita, sem saber distinguir uma da outra, sem dizer o que é ser de esquerda ou direita, mas antes dizendo que fulano é de esquerda ou que o partido XYZ é de direita. Assim, um rótulo, sem necessidade de justificar. É mais fácil discutir assim, de facto.

Outro tique muito nosso é o pessimismo e receio de tudo o que é novo ou com mais iniciativa que uma amiba.

Assim se percebe também o tipo de comentários que temos lido sobre a Alta de Lisboa.

Não tenho interesse particular na Alta de Lisboa, a não ser porque irá ser o meu futuro bairro. E como gosto de morar em sítios bonitos e saudáveis, apeteceu-me tentar fazer alguma coisa por isso. Teria feito o mesmo se tivesse optado ir para o Cacém ou Telheiras.

Mas, chamem-me ingénuo se for caso disso, parece-me que se existe local em Lisboa onde ainda é possível fazer cumprir minimamente o projecto inicial é a Alta de Lisboa. A Alta de Lisboa é inóspita ainda em muitos dos seus locais. Mas aos poucos, e cada vez mais depressa, os melhoramentos urbanos têm sido feitos. Poderá tornar-se, se todo o projecto for cumprido e se os futuros moradores assim o quiserem, num exemplo de planificação bem sucedida. Coisa rara, raríssima, em Portugal.

Temos discutido, nos últimos tempos, alguns aspectos da Alta de Lisboa, mas deixámos um pouco de lado o âmago da questão: qual o potencial da Alta de Lisboa? Daqui a 20 anos será uma referência urbanística a tomar como exemplo, ou será um bairro triste e doente, alvo de estudo para a intervenção de um novo Programa Polis?

P.S. O caso do arrastão da praia de Carcavelos parece que foi afinal uma história muito mal contada. Um exemplo de como o mau sistema de ensino afecta já a nossa comunicação social, ávida de manchetes, sem ter a inteligência, capacidade, talento e vocação necessárias para fazer jornalismo sério e competente. Um mau sistema de ensino e um jornalismo sensacionalista e superficial são simultaneamente causa e efeito de um círculo vicioso. Se não sentimos necessidade de validar e comprovar a informação que nos chega, porque havíamos de ter essa preocupação quando pensamos e falamos seja do que for?

10 comentários:

Anónimo disse...

Espero bem que seja um exemplo. Não me parece que tenha do destino do Cacém, nem pouco mais ou menos. À partida, pelas fotos que vi, tem o defeito de ter construção alta demais para o meu gosto. Mesmo assim, penso que finalmente há uma consciência muito maior dos problemas urbanísticos do que há uns anos, e isso é uma razão para sermos mais optimistas.

Anónimo disse...

Os "empreiteiros" nao fariam mais dinheiro com mais espacos verdes ?
Apartamentos com vista para o Central Park facilmente custam US $5 000 000...

Anónimo disse...

Sobre vistas e "construcao alta demais"...
http://www.halstead.com/detail.aspx?id=86759

Tiago disse...

Essa é a ideia que tenho, também. Infelizemnte a fábula da galinha dos ovos de ouro continua a não ser entendida por cá, e vemos assim perdidas, consecutivamente, óptimas oportunidades de valorizar investimentos, melhor a qualidade de vida, diminuir poluição, etc.

Pedro Veiga disse...

Se conseguirmos dar a volta a este decreto-lei vergonhoso (http://www.direito-arquitectura.com.pt/) pode ser que a qualidade das nossas cidades melhore!
A Alta de Lisboa tem condições para provar as vantagens dos projectos de arquitectura serem assinados por arquitectos. Veremos se assim é!

Anónimo disse...

Plano de Urbanizacao da Alta de Lisboa em
http://www.diramb.gov.pt/data/basedoc/TXT_LN_19160_1_0001.htm

Anónimo disse...

Estudo de impacte ambiental sobre eixo norte/sul da Av. Padre Cruz ao no de ligacao a CRIL (diferente do outro que era so viaduto sobre a Padre Cruz) em
http://www.iambiente.pt/IPAMB_DPP/docs/RNT886.pdf

Pedro Veiga disse...

Sr. Anónimo,

Obrigado pela informação.

Tiago disse...

Obrigadíssimo!!

Anónimo disse...

o António Gouveia deve ter casa , mas à custa dos outros