Lembram-se de não ter conseguido ter consulta no Centro de Saúde?
Pois é. Como não consegui e estava demasiado debilitado para ir ao hospital, liguei a um médico amigo meu. Descrevi-lhe os sintomas. Isso é uma virose que anda pr'aí. Vais tomar um comprimido disto e dois daquilo até te passar, disse-me.
Passou, três dias depois. Foi forte, perdi uns 4 kilos. Faltei dois dias às aulas, 2ª e 3ª feira.
No regresso, uma quarta-feira, passei pelo Centro de Saúde perto da minha antiga casa, onde ainda tenho ficha e médico de família. A Dra. não está e só volta na 2ª feira que vem. Olha que chatice... E não posso falar com outro médico? É que estive doente e tive de faltar ao trabalho. Não, se a Dra. é a sua médica de família é com ela que tem de falar. Só na 2ª feira.
Não quis deixar passar tanto tempo e pedi ao meu médico amigo, que me foi acompanhando nestes dias, um atestado médico. Não serve para apresentar na escola, porque só o aceitam se for passado no Centro de Saúde, mas serve para a Dra. não ter de ter de confiar em mim mas num colega de profissão.
Anteontem, 3ª feira, depois das aulas da manhã, no dia em que acabava o prazo de apresentação do atestado, fui novamente ao Centro de Saúde para falar com a minha médica de família.
Tirei uma senha. Nº 6. No visor marcava o 4. Eram 12h45. Sentei-me à espera. O Jornal da Tarde começou. O nº4 não saía do visor, apesar de ver algumas pessoas a serem atendidas. Três funcionários a competir pelo prémio do mais lento do mês. Levantei-me e perguntei se o sistema das senhas estava a funcionar, que tinha o nº 6 mas que já estava há 20 minutos sem ver aquilo avançar.
Diga lá. Digo? Mas o meu nº é o seis, ainda falta o cinco antes. Diga lá o que quer. Expliquei: era só para a Dra. passar o atestado para um papel do Centro de Saúde porque não me aceitavam aquele de um médico particular no emprego. Ah, a Dra. já não vai atender ninguém hoje. Mas é só um papel. Não. Volte amanhã. Mas o prazo acaba hoje. E porque não veio na semana passada? Eu vim, mas a Dra. estava fora. Ah, pois, a Dra. foi a um congresso. Mas porque não veio ontem? Porque trabalhei o dia todo e não pude. E porque não veio hoje mais cedo, de manhã? Porque dei aulas de manhã, disse já um pouco irritado. Eu não sou aposentado, trabalho e só costumo faltar quando estou doente. É por isso que estou aqui agora, na hora de almoço. Olhe, se quiser espere aí e quando a porta abrir fale com a Dra..
Sentei-me à frente da porta e esperei. Não percebia aquela desorganização, aquela aleatoriedade. A Dra. não recebia mais ninguém mas afinal eu podia entrar pelo consultório dentro a pedir o papelinho. Confuso. O tempo foi passando. Assisti a um rodopio de entra e sai das funcionárias no consultório. A última vez perguntei com os olhos. Hoje não. Eu já lhe tinha dito. Só amanhã. Porque não veio ontem? Ou hoje mais cedo?
O diálogo que se seguiu não vou reproduzir. Eram 14h, uma hora e um quarto depois de ter tirado a senha nº6. O funcionário cedeu e disse-me então: Olhe, dê-me o atestado que eu peço à Dra. Fernanda que entra às 15h. Pode voltar a essa hora? Posso, mas dou aulas às 16h na outra ponta da cidade. Esteja descansado. O nº4 continuava visível no visor.
Fui almoçar e voltei às 15h. Um quarto de hora depois chegou a Dra. Fernanda. Dra., está ali aquele rapaz por causa de uma baixa, está aqui o papelinho. A Dra. Fernanda olhou-me de alto a baixo e disse Já o atendo, com cara de poucos amigos.
Esperei. Depois achei melhor ir para a porta do consultório dela. A sala de espera tinha umas dez pessoas, todas com marcação. Às 15h35 a porta abriu-se. Saíu de dentro um Delegado de Informação Médica. Foi o primeiro a ser atendido. Eu não seria o segundo: Tenho esta gente toda à sua frente, apontou. Isto é rápido, e eu vou dar aulas às 16h, não pode por favor preencher-me o papel agora?
A cara de poucos amigos desapareceu e deu-me passagem. Sentei-me. Olhou para mim, e disse: Mas neste caso porque traz um atestado de outro médico? Eu sei que não é aceite no meu emprego, mas por uma razão deontológica achei que vocês preferiam confiar na palavra de um colega do que na do paciente. Mas o senhor é professor, está devidamente integrado na sociedade, não temos quaisquer razões para desconfiar de si. Pois... Obrigado.
Três minutos depois estava na rua, com o necessário papelinho. Fui à secretaria da escola e entreguei-o. Professor, ainda tem mais uns papéis para assinar, para anunciar o seu regresso ao serviço. Trato disso amanhã, está bem? Tenho aulas para dar daqui a 15 minutos na outra ponta da cidade.
Claro que não cheguei a tempo. Tive de faltar e desta vez para descontar no vencimento. Tratei hoje dos papéis.
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