Tentando justificar um pouco as motivações que levam um conjunto de moradores da Alta de Lisboa a organizarem encontros ou a promoverem a realização de passeios de bicicleta mensalmente no seu bairro, e que começou aqui, apresentam-se algumas considerações sobre este assunto.
A Bicicleta nas cidades
A procura da bicicleta está já quase "massificada" nas áreas do lazer, manutenção física ou desporto, quer em passeios de grupo em estrada ou de BTT quer individualmente. No entanto, considero que estas vertentes da bicicleta ficariam também a ganhar com a criação de condições que favorecessem o uso para as deslocações diárias.
Assim, podem identificar-se algumas razões que têm atrasado a utilização da bicicleta para a mobilidade em Portugal, em cidades de média ou grande dimensão:
- Um Código da Estrada que não é favorável (apesar de algumas alterações recentes introduzidas por proposta da FPCUB como a prioridade de circulação nas rotundas) e a falta de fiscalização do cumprimento das regras, nomeadamente de estacionamento;
Há tendência para exemplificar a pouca utilização da bicicleta nas deslocações pendulares em cidades como Lisboa, apesar de diariamente serem cada vez mais os utentes, como referi. Mas temos no nosso país bons exemplos da utilização da bicicleta dos quais Aveiro não é o único. É necessário desmitificar que pelo facto de Lisboa ser uma cidade com declives acentuados não é possível o uso da bicicleta ou ele não está mais generalizado, pois por um lado muitas zonas da cidade são planas (avenidas novas, por exemplo) e por outro muitas pessoas estariam dispostas a circular mesmo em terrenos de maior declive desde que existissem determinadas condições, já que uma utilização continuada da bicicleta gera uma performance a que qualquer pessoa sem limitações físicas ou problemas de saúde especiais pode aceder (as actuais bicicletas são cada vez mais leves e têm mudanças que podem ser desmultiplicadas facilitando a sua utilização). Seria possível utilizar a bicicleta em zonas mais planas e em integração com os transportes colectivos noutras de maior declive (a FPCUB já propôs à Carris, por exemplo, a colocação de suportes para bicicletas em algumas carreiras, como por exemplo nas que têm como destino Monsanto, e existem outras soluções como calhas do tipo das dos eléctricos, onde a pessoa pode colocar a roda da bicicleta e ser accionado um mecanismo que a transporte até ao topo – são apenas alguns exemplos de soluções adoptadas em outros países). Ainda o facto de muitas das vias dedicadas existentes não terem continuidade, como é exemplar o caso da ligação Telheiras – Campo Grande – Entrecampos, leva a que não sejam utilizadas por maior número de pessoas.
Seria necessário, portanto, para se promover o uso da bicicleta e gerarem-se mais valias – melhorias no ambiente e na saúde, diminuição dos gastos de energia e contributo local para a inversão da tendência das alterações climáticas, criação de emprego e de negócios favorecedores da economia, entre outras – criarem-se infra-estruturas e devolver-se o espaço público ao cidadão, permitindo-se uma deslocação segura, rápida e confortável.
Num país com um clima como o nosso, ultrapassadas algumas barreiras sócio-culturais que ainda persistem e que têm por base o entendimento errado que a utilização do automóvel privado é um sinal (ainda que falso) de um bom estatuto económico; vencido o fortíssimo lobby do automóvel e dos combustíveis, aceite pelo próprio Estado que vem beneficiando das receitas que daí advêm sem no entanto internalizar os custos a longo prazo (quer ambientais quer sobre saúde pública) do impacte das medidas que tem implementado a favor da sua utilização, não se investindo mais em meios de transporte colectivos (quer públicos quer privados) fornecendo aos utentes soluções com rapidez, segurança, frequência, conforto articuladas com outros modos sustentáveis como o andar a pé ou de bicicleta; todos beneficiariam com a implementação de medidas políticas que ao nível das administrações públicas (central ou locais) e dos privados, e de forma eficaz, influenciassem positivamente o uso da bicicleta e respeitassem o direito de cidadania daqueles que a pretendem escolher, independentemente das motivações. Também por um “Portugal ciclável”, mais justo e equilibrado.
A Bicicleta e a Saúde
Muitos estudos têm demonstrado que a saúde é o factor chave que leva as pessoas a escolherem utilizar a bicicleta, quer para o lazer quer como forma de mobilidade diária. A utilização da bicicleta tem um elevado potencial para melhorar a saúde pública.
Um estudo do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade de Oxford (Institute of Health Sciences at Oxford University) relatou a importância da actividade física e do desporto para a saúde pública. Uma actividade física regular ajuda a prevenir as doenças coronárias (coração), embolias, diabetes, tensão arterial elevada, cancro e obesidade e tem uma influência positiva na saúde mental e no bem estar, nas funções cognitivas, ossos e músculos.
Diversos projectos de investigação produziram evidências de conexão entre a mortalidade e a actividade física: mais de 36% de todas as mortes por doenças coronárias em Inglaterra estão relacionadas com um estilo de vida sedentário. O referido estudo mostrou que o número de mortes por doenças coronárias relacionadas com a falta de actividade física é dez vezes mais que o número de mortes em acidentes rodoviários. As pessoas que para além do lazer ainda utilizam a bicicleta para se deslocarem para o trabalho têm 28% menos risco de mortalidade e vivem pelo menos mais um ou dois anos em média que os outros (figura 1).
Figura 1 – Comparação entre o número de mortes de utilizadores de bicicleta e atribuídas à inactividade (Fonte ECF, 2003)
Figura 2 – Impacte na saúde de diferentes intervenções ao nível da política de transportes (Fonte: ECF, 2003)