segunda-feira, 7 de novembro de 2005

Motins em França



Dois textos a ler, no Canhoto e n'a barriga de um arquitecto.

12 comentários:

Tiago disse...

Tenho muita dificuldade em perceber este problema na globalidade.

Por um lado acho que a marginalidade imposta pela sociedade e pelas pessoas ajuda a criar nestes grupos uma sensação de raiva, de não-pertença, de ocupante indesejado. Por outro lado acho que existe também uma espiral de loucura no vandalismo gratuito, um efeito mimético, que tem muito mais de excitação e euforia do que reacção politizada ou reinvindicativa.

De uma forma ou de outra, é um problema que não é inesperado e que chegará a Portugal, também estou convencido. E o pior é que entretanto se separa a discussão entre os que são complacentes e compreensivos com a destruíção e os que acham que isto se resolvia "metendo a escumalha num barco e levando-a de volta para os países deles".

Não basta falar da necessidade e urgência daintegração, é preciso falar de medidas concretas que ajudem a comunidade a tornar-se uma realidade, com todas as suas multifacetas, mas havendo no todo um sentimento de união, de cooperação e simbiose.

O Alto do Lumiar é um local extraordinário para se observar num pequeno espaço estas fronteiras todas, a meu ver de forma bastante preocupante. E ler as várias disussões dos blogs e sites da Alta sobre os condomínios fechados, espaços públicos/privados, dá-nos uma ideia bastante clara, nalguns dos comentário mais agressivos pró-separação, que a diferença entre os que têm o usufruto do condomínio fechado e os que são o motivo de todas as preocupações e temores, os habitantes realojados, são sobretudo a nível económico do que de valores.

Repito o que se tem dito muito por aí, muitos de nós, com a vida relativamente bem estabelecida, se tivesse nascido num meio social carenciado, num bairro com lacunas infrastruturais, com marginalidade, estaríamos provavelmente neste momento com sentimentos muito diferentes em relação a todas estas questões.

Se continuamos a construir uma sociedade baseada na separação entre classes com base no poder económico, em regimes de escravatura disfarçada, com o grande poder económico a ditar o rumo da política e das decisões estruturais dos países, este fenómeno francês alastrar-se-á. É inevitável. E ou se rebate com violência e exército, solução catastrófica que nos conduzirá à guerra civil ruinosa, ou alterando profundamente as bases das nossas sociedades.

Grande parte do problema das assimetrias sociais está na corrida desenfreada que as grandes multinacionais têm ao lucro, estabelecendo fábricas em países depauperados, explorando criancinhas, e bombardeando depois a sociedade ocidental com marketing e publicidade, incutindo-nos necessidades supérfluas e dispendiosas. Parte da solução deve passar por aí, quando o grande capital se dispuser a atenuar a sua gula. Mas só quando estas crises começarem também a afectar os próprios donos do sistema.

A trilogia Matrix, dos irmãos Wachowski, evoca esta luta de classes contra um sistema totalitarista e encharcado em éter.

Unknown disse...

Traduzes em palavras, sempre muito melhor do que eu, aquilo que penso (tirando talvez a parte da trilogia Matrix :-).

Mas quando se fala de medidas concretas, de instanciar a integração, fica-se sempre um pouco prostrado pelo sistema... Acho sempre que o melhor é "agir localmente", à nossa escala individual. É isso que eu, pessoalmente, procuro fazer. Esperar medidas externas, é tempo mal empregado...

Pedro Veiga disse...

Eles comem tudo, eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada.
Basta ver os espantosos lucros da banca e das empresas financeiras para se entender os males deste mundo!
O princípio da solução destes problemas é haver uma melhor distribuição da riqueza.

Rodrigo Bastos disse...

Tiago,

O Dr. Mário Soares diz que "Como PR poderia evitar crise semelhante à de França".

O Ministro do Trabalho diz que em Portugal
“Há situações de risco”
.

E eu digo que se continuarmos assim não vamos a lado nenhum.

"
Money, Money

from the musical: Cabaret


Money makes the world go around,
the world go around, the world go around,
Money makes the world go around,
it makes the world go round.

A mark, a yen, a buck or a pound,
a buck or a pound, a buck or a pound,
Is all that makes the world go around,
that clinking clanking sound,
Can make the world go round.

If you happen to be rich, and you feel like a night's entertainment,
You can pay for a gay escapade.
If you happen to be rich, and alone and you need a companion,
You can ring ting-a-ling for the maid.
If you happen to be rich and you find you are left by your lover,
Tho you moan and you groan quite a lot,
You can take it on the chin,
call a cab and begin to recover on your fourteen carat yacht.

Money makes the world go around,
the world go around, the world go around,
Money makes the world go around,
of that we both are sure.
(Raspberry) On being poor.

When you haven't any coal in the stove and you freeze in the winter
And you curse to the wind at your fate.
When you haven't any shoes on your feet and your coat's thin as paper
And you look thirty pounds underweight,
When you go to get a word of advice from the fat little pastor,
he will tell you to love evermore.
But when hunger comes to rap, rat-a-tat, rat-a-tat, at the window
See how love flies out the door.

For money makes the world go around, the world go around,
the world go around.
Money makes the world go around,
the clinking, clanking sound
of Money, money, money, money,
Money, money, money, money,
Get a little, get a little,
Money, money, money, money,
Mark, a yen, a buck or a pound,
That clinking, clanking clunking sound
is all that makes the world go round,
It makes the world go round.
"

Ana disse...

Creio que os jovens que incendeiam os carros em franca sao o exemplo claro de um sistema de aculturacao que nao funciona. Em franca se frances. Ou entao, vive num gueto, frequenta uma escola religiosa se escolheres praticar a tua religiao e se nao tiveres sucesso, toma la um subsidio para viveres em casa e nao fazeres nada. Uma receita perfeita para a revolta. Quando vivemos num pais que sentimos que e nosso, quando ha politicos que nos ouvem e com os quais nos identicamos, quando sentimos que temos tantas oportunidades como os demais. Quantos franceses muculmanos conhecem que estao na politica?
Quem nao conhece o dito popular que o equivalente a portuguesa em paris e mulher a dias, e a portugues e porteiro?
Esta inscrito nos nossos genes que nao podemos ser aquilo que sonhamos ser? em franca parece que sim!!!!!!

Anónimo disse...

É sintomático o modo como tanta gente fala dos motins como se fossem provocados por imigrantes. Não são. Aqueles adolescentes são franceses. Nada justifica o que eles estão a fazer, o que não significa que não haja um problema grave com as 'cités', o que toda a gente em França sabe há muito tempo mas pelos vistos muito pouco tem sido para resolver.

O racismo está sempre fundado em relações de domínio e desigualdade social. E os problemas como estes em França acontecem quando à pobreza se sobrepõe uma componente étnica ou racial, ou seja quando o facto se ser 'beur' ou negro equivale a ter um carimbo na testa a dizer 'pobre', mesmo que 'os outros' não tenham consciência disso.

Penso que há razões para este tipo de coisas não acontecerem em Portugal. Primeiro, a diferença entre a qualidade de vida nos subúrbios e no centro das cidades não é tão evidente como em países mais ricos. Segundo, a tal identificação 'não branco'=pobre não existe em Portugal. Os nossos bairros sociais são provavelmente piores que os franceses, mas não são maioritariamente ocupados por pessoas de origem estrangeira, o que poderá fazer com que as pessoas não atribuam a sua pobreza ao facto de serem ou não 'estrangeiros'.

Ana disse...

Este e do Pedro, usando o username da ana, futuro morador da mesma fraccao da Ana nos Jardins de S. Bartolomeu. Tenho seguido com muito interesse esta explosao de participacao civica que tem sido os blogs da Alta. Tenho participado pouco, como anonimo, deixando apenas alguns comentarios ou copiando links que julgo de interesse geral. Nao resisto agora dar os meus "50 centavos" nesta discussao dos motins. Muito melhor intervencao que a minha o texto de Teresa de Sousa (que bem que ela esta escrevendo) no Publico de 7 de Novembro, que tentarei copiar apos a minha nota.
Apenas alguns aspectos:
1) Sobre a "corrida desenfreada das multinacionais aos lucros", diria que isto nao e necessariamente mau e que quem dera agora a Portugal que as multinacionais investicem no pais como investiram no passado recente (anos 80 inicios de 90). Estes lucros nao ficam debaixo do colchao dos "Senhores Administradores". Normalmente sao investidos na empresa; em investigacao e desenvolvimento, aumento da capacidade de producao (mais empregos) ou simplesmete constituem "reservas" para tempos de vacas magras (A Merck enfrenta agora nos EUA litigacao com um valor esperado entre 20 a 30 mil milhoes de dolares, apos o "escandalo" Vioxx. Se a Merck nao tivesse estas "reservas", estaria agora na bancarrota, pondo dezenas de milhares de trabahadores no desemprego).
2) Nao estou optimista quanto a resolucao deste problemas em Franca. O facto que 20% da populacao apoia Le Pen e a sua posicao "pretos ( e outros) para Africa", e talvez outro tanto apoia as posicoes da esquerda lirica ("mais subsidios e rendimento minimo para as vitimas") nao ajudas. Ambas as posicoes estao muito erradas, quanto a mim.
3) Sobre a Alta neste contexto. A questao das "placas partidas no C. da Torre" e outros episodios de vandalismo/violencia na Alta nao serao uma versao "soft" do que vemos agora em Franca? Nao existirao circunstancias semelhantes aqui e la ?(desemprego, pessoas desocupadas recebendo prestacoes socias que sao sempre parcas e desenvolvendo ressentimentos perante esta situacao
4) Uma nota final de optimismo quanto a Alta (talvez "wishfull thinking"). A discussao saudavel e participacao que estes blogs tem originado so pode levar a um final feliz. Desejos de continuacao do bom trabalho e saudacoes.
Pedro

Ana disse...

PÚBLICO - EDIÇÃO IMPRESSA - ESPAÇO PÚBLICO

Director: José Manuel Fernandes
Directores-adjuntos: Nuno Pacheco e Manuel Carvalho
POL nº 5706 | Terça, 8 de Novembro de 2005

Paris já está a arder?
Teresa de Sousa
A Europa enfrenta hoje um dilema que desafia as suas sociedades. Tem um problema de integração das comunidades de imigrantes não--europeias e continuará a ter uma tremenda necessidade de imigrantes, que vão continuar a chegar, seja
qual for a altura do arame farpado
que coloque nas suas fronteiras

1.Há já uns tempos largos, vi na televisão francesa uma daquelas reportagens, raras, que nunca mais nos saem da cabeça. Já não sei reproduzir os nomes e os locais - sei apenas que podiam bem ser Bobigny ou Seine-Saint-Denis ou Clichy-sous-Bois. Mas tenho diante dos meus olhos para sempre o rosto belo e determinado de uma jovem francesa de origem magrebina a contar a sua história. A história de uma mulher que vivia num desses banlieues de Paris que hoje estão em chamas e que foi sujeita aos "costumes" da sua comunidade muçulmana sem que as autoridades franceses tivessem mexido um dedo. Violada por um grupo de rapazes, foi ela que se viu desonrada no seu meio e nenhum castigo, naturalmente, se abateu sobre os violadores. Até ao dia em que a sua coragem a levou a fazer do caso uma questão pública.
Esta história, dramática e antiga, certamente já amplamente discutida na França, diz muito sobre o que está por trás das imagens que hoje, atónitos, contemplamos nos mesmos banlieues de Paris cujos nomes tão bem conhecemos do mapa do metro parisiense, onde ocupam as extremidades das linhas que nunca chegamos a percorrer até ao fim.
Os jovens que incendeiam carros e lojas, numa fúria aparentemente incontrolada e contagiante, vivem em bairros onde provavelmente a polícia não gosta de entrar e a lei republicana não chega. Comunidades fechadas sobre si próprias, onde tudo, mesmo o mais inconcebível numa cidade ocidental, rica e civilizada como é Paris, pode acontecer da mesma forma e com as mesmas regras de um bairro de Argel.

2. Há mais de uma década que a França vive erupções de violência nas margens mais ou menos degradadas das suas grandes cidades. Há muito tempo que o chamado "modelo de integração" francês constitui apenas uma bela fachada para uma realidade desintegradora e complexa, para a qual a sociedade francesa parece não ter resposta (leia-se o relatório publicado pelo Tribunal de Contas de Paris em Novembro do ano passado sobre o fracasso de trinta anos de políticas de integração dos imigrantes). Nisso, mesmo com todos os Katrinas deste mundo, a França - como a Europa em geral - é muito menos integradora do que a América. O "elevador social" funciona pior ou pura e simplesmente não funciona. Basta ler os nomes ou ver os rostos dos deputados da Assembleia Nacional francesa ou dos sucessivos governos de França ou, ainda, das suas grandes empresas. Mesmo que a origem de muitos desses nomes não seja francesa, ela é quase sempre europeia. Não é magrebina ou africana.
Esta realidade é retratada por números cujo significado tem a força de um murro. Com uma taxa de desemprego a rondar os 10 por cento (e uma taxa de emprego das mais baixas da UE), os números falam por si quando se trata dos jovens e da sua origem: 20 por cento de desemprego nos jovens entre os 19 e os 29 anos filhos de pais nascidos em França; 30 por cento na mesma faixa etária para pais nascidos fora de França; 40 por cento para filhos de marroquinos ou argelinos.
Mas esta é apenas a questão social, fruto dos HLM construídos nos anos 50 e 60 para albergar as grandes vagas de imigração do pós-guerra e hoje transformados em guetos que reproduzem as condições sociais em vez de as fazer evoluir.
O problema é que nada disto cabe na visão que a França tem de si própria - e que tanto gosta de atirar à cara dos outros - e, talvez por isso, tem sido sistematicamente ignorado.

3. Desde as bombas no metro de Londres, em Julho passado, que a Europa discute intensamente os seus diferentes modelos de integração das comunidades imigrantes e, sobretudo, dos jovens de segunda e terceira geração cuja nacionalidade é já, na maioria dos países, a da terra onde nasceram.
Foram jovens muçulmanos de origem paquistanesa com nacionalidade britânica e condições de vida socialmente aceitáveis que colocaram as bombas em Londres. O choque mergulhou os britânicos num intenso debate sobre o seu próprio modelo de integração, normalmente considerado como o oposto do francês - "multicultural" versus "republicano"-, assente na liberdade de cada comunidade de se organizar como melhor entender e no direito, até agora intocável, de cada um ser livre de defender o que quiser.
Na Inglaterra, as mulheres-polícia têm direito a usar véu. Em França, a lei que proíbe o véu nas escolas públicas simboliza melhor do que qualquer outra coisa o modelo oposto.
O problema é, todavia, o mesmo.
Nas ruas a arder dos arredores de Paris ou nos tranquilos bairros de Leeds o que vemos é a mistura explosiva do desenraizamento cultural - jovens que vivem numa terra de ninguém, entre os países de origem dos seus pais e um país que é deles mas que não sentem como deles -, de duras condições sociais, muitas vezes sem perspectiva, do cruzamento perigoso entre criminalidade organizada e fundamentalismo islâmico. A França não os integrou. Não lhes ofereceu um sentido de pertença. O problema é o mesmo em Birmingham, em Berlim ou em Amesterdão. Nos outros países europeus a única diferença está, talvez, em que a concentração de imigrantes extra-europeus ainda não é suficientemente grande.

4. A Europa enfrenta hoje um dilema que desafia as suas sociedades. Tem um problema de integração das comunidades de imigrantes não-europeias e continuará a ter uma tremenda necessidade de imigrantes, que vão continuar a chegar, seja qual for a altura do arame farpado que coloque nas suas fronteiras.
Mesmo que se possa aprender muita coisa com ele, o modelo americano não pode ser facilmente reproduzido na Europa porque as sociedades europeias não são, na sua origem, sociedades de imigrantes. São sociedades mais estratificadas social e culturalmente onde, por isso mesmo, a integração pela ascensão social não é tão fácil. É, além disso, muito mais fácil definir o que é ser americano - uma Constituição e um sonho - do que encontrar um conceito suficientemente forte do que é ser britânico ou ser francês.
Mas também porque o famoso "modelo social" europeu, mesmo que nas suas várias versões, assenta num conjunto de características que levam os que chegam e os que já cá estão a ter um tipo de expectativas diferentes. Menos assentes na sua capacidade individual de vencer na vida e de integrar-se no país que os acolhe e mais no acesso às garantias sociais a que se julgam, e muitas vezes bem, com direito. Não é apenas o modelo de integração que está em causa. É o próprio modelo de organização das sociedades europeias, sujeitas aos ventos fortes da globalização - que abate as fronteiras e desfaz qualquer homogeneidade - que é preciso reinventar. Sem preconceitos nem ideias feitas. Apenas com a ideia muito clara de que as sociedades europeias têm de assentar em duas coisas fundamentais: a igualdade de oportunidades (que os jovens de Bobigny, na sua maioria, não têm) e a aceitação colectiva de regras e de valores que são o molde das democracias ocidentais (a que a jovem magrebina não teve direito).
Antes que o nacionalismo, o populismo e a xenofobia acabem por ganhar a batalha. Jornalista

Ana disse...

Director: José Manuel Fernandes
Directores-adjuntos: Nuno Pacheco e Manuel Carvalho
POL nº 0 | Quinta, 10 de Novembro de 2005

O retorno da violência política disfarçada de "revolta social"
José Pacheco Pereira
Se se pensa que está consolidada nas democracias a condenação da violência como instrumento político, pensa-se mal. Desde que os movimentos radicais da extrema-esquerda e extrema-direita, que defendiam a violência "revolucionária", perderam influência e se desintegraram nos anos 80, com o fim do surto terrorista que das Brigadas Vermelhas italianas, às FP portuguesas, atravessou toda a Europa, que parecia haver um consenso político de intransigência quanto ao uso da violência nos sistemas democráticos. O caso da ETA e do IRA eram excepções que confirmavam a regra de que em democracia a violência estava de todo excluída.
Mas desenganemo-nos. Bastou surgir uma nova violência, com novos actores e novas causas, ocupando, mesmo que ilusoriamente, o local e a memória dessa violência radical do passado, para se verificar que importantes sectores políticos da nossa sociedade democrática mostram uma enorme complacência com a sua utilização como instrumento político. Nos sectores tradicionalmente da "esquerda", e numa "direita" complexada e temerosa, volta de novo a haver um caldo cultural para que a violência política surja como aceitável, como "justificada".
O mecanismo fundamental de aceitação da violência nos nossos dias é uma espécie de sociologia de pacotilha, mais herdeira do marxismo do que parece, que explica a "revolta dos jovens" (bem-aventurado eufemismo) pelas condições sociais da sua vida. É uma "explicação" que tem muito de voluntarismo político e pouco de ciência, embora, como também acontecia com o marxismo no passado, pretenda fornecer uma inevitabilidade causal. Antes, os proletários deveriam fazer a revolução violenta porque eram explorados e a sua "mais-valia" apropriada pelos capitalistas, agora os jovens revoltam-se porque não têm "esperança no futuro" e são marginalizados. Em ambos os casos há sempre uma explicação social útil, que ilude o adquirido político do pensamento democrático, dissolvendo-o nas mesmas perigosas ideias sobre a "justificação" da violência pela causalidade social.
De novo, aqui se está num terreno de dupla ilusão: nem a "revolta" é tão "social" como parece, e inclui dimensões criminais, de vandalismo juvenil, de "mentalidade", que não são redutíveis à economia, como são deliberadamente minimizadas as motivações de ordem cultural, religiosa e civilizacional, bastante mais importantes do que parecem. É evidente que há factores "sociais" que explicam o que se passa, mas não é por aqui que se vai longe. Há desemprego, guetização, marginalidade, exclusão e racismo, mas há também outras causas de que se evita falar, tão "sociais" como as anteriores, como seja o efeito em populações deprimidas da intensa subsidiação do providencialismo do Estado, gerando expectativas artificiais e um direito permanente de reivindicação, cada vez mais incomportável numa Europa em declínio, da recusa do trabalho por uma "vida de rua" sem controlo, nem "patrão", de discriminações sexuais de origem cultural e religiosa que têm a ver com a ideia patrimonial da mulher muçulmana pelos homens da sua família. O urbanismo dos HLM é culpabilizado, mas cada uma das cités que agora se inflama - e pouco sabemos, porque ninguém nos quer dizer, se é significativo o número de "jovens" envolvido - é um verdadeiro paraíso comparado com os bidonvilles onde os emigrantes portugueses viveram.
Que a explicação "social" circulante é um passe-partout simplista, torna-se evidente quanto ela se centra na condenação da acção policial, na recusa da criminalização dos actos de destruição e violência, na ênfase na culpabilização do Estado, do Governo e dos políticos, na sucessão até ao infinito das desculpas para o que acontece, como se fosse inevitável que acontecesse. Abra-se um jornal, ouça-se uma rádio ou uma televisão, assista-se a um debate e é desculpa sobre desculpa, tudo isto culminando com a conclusão que os "jovens" têm razão em "revoltar-se". Ora isto tem mais a ver com a política do que com a sociologia.
É por isso que nenhuma desta mecânica explicativa se usaria se os tumultos tivessem origem em grupos racistas da extrema-direita, ou de grupos neonazis. Aí, o que se ouviria de imediato era o apelo à repressão, a criminalização ideológica, a exigência de acções punitivas drásticas. Ora, tanto quanto eu saiba, a proliferação de grupos neonazis, na Alemanha de leste, por exemplo, também traduz a mesma "falta de esperança" de uma juventude que tem elevadas taxas de desemprego. Só que aí ninguém avança ou aceita explicações "sociais", e ai de quem minimizasse qualquer violência desses "jovens" que nunca teriam direito a este tratamento tão simpático, mesmo quando também são jovens...
Outra variante da desculpa "social" para a violência é o factor identitário, a crise da segunda geração entre dois mundos culturais muito diferentes. Só que também muito voto para Le Pen e muito da violência racista alemã traduz igualmente a crise de identidade dos nacionais, quase sempre mais velhos e encurralados, face a um mundo que lhes parece estrangeiro, agressivo e hostil.
O que está em jogo não é o pastiche sociológico carregado de culpa que nos querem vender, num daqueles sobressaltos de unanimismo explicativo, a que estamos a assistir cada vez mais desde a guerra do Iraque, feito de pouco pluralismo, simplismos brutais e ideologia dominante do politicamente correcto. O que está em jogo é o primado do Estado de direito - contam-se pelos dedos de uma mão as pessoas que tiveram a coragem de falar das leis - e, com ele, as nossas liberdades e direitos adquiridos. Sim, são as nossas liberdades e a nossa democracia que ardem nos arredores das cidades francesas, não é Sarkozy, que, se fosse demitido, seria o melhor atestado da fragilidade do Estado francês e a receita para muitos mais tumultos em que ninguém teria mão. A oposição socialista em França e a cizânia dentro da maioria andam aqui a brincar com o fogo.
A minha geração namorou o suficiente com a violência política para a conhecer bem. Tinha as melhores das razões para esse namoro, havia um Estado ditatorial que conduzia uma guerra iníqua. Mas, como muitas vezes acontece, há uma mistura entre as melhores das razões e as piores das ideias, e há que reconhecer que o impulso terrorista que levou aos crimes das Brigadas Vermelhas também existia por cá. Se o 25 de Abril não se tivesse dado em 1974, vários grupos da extrema-esquerda portuguesa teriam caminhado para o terrorismo político que se prolongaria mesmo em democracia. Felizmente, a alegria e a força da liberdade reconquistada varreu tudo e todos e essa mesma geração tornou-se um pilar da democracia portuguesa, a que trouxe outras experiências de vida e luta.
Por isso, podemos perceber bem o que se está a passar na Europa. Os "jovens" são de facto os filhos dos imigrantes, cuja demografia salva e condena a Europa ao mesmo tempo, salva-a da extinção demográfica e condena-a a ser uma Europa em cujo espelho a antiga Europa greco-latina e judaico-cristã, a única que há, não se reconhece. Este dilema não está apenas a fazer arder os carros, está também a incendiar a democracia política com ideias que lhe são alheias e hostis.
Este dilema só pode ser superado com intransigência na defesa da lei e do direito e na proclamação, sem dúvidas, de que não é legítima em qualquer circunstância, insisto, em qualquer circunstância, o uso da violência para obter objectivos políticos quando se vive em liberdade. Este é um adquirido de muitos anos de luta, que custou muito sacrifício e muito sangue, mas é das coisas em que a Europa deve ter orgulho e não culpa. O modo como se está a ser complacente com os tumultos franceses mostra que onde devíamos ter orgulho passamos a ter vergonha, e passamos a ter culpa. Estamos velhos e com medo, este é o estado da Europa. Historiador

Ana disse...

do Wall Street Journal
French Lessons
November 11, 2005; Page A10
Rioting by Muslim youth in some 300 French cities and towns seems to be subsiding after two weeks and tougher law enforcement, which is certainly welcome news. The riots have shaken France, however, and the unrest was of such magnitude that it has become a moment of illumination, for French and Americans equally.

In particular, some longstanding conceits about the superiority of the French social model have gone up in flames. This model emphasizes "solidarity" through high taxes, cosseted labor markets, subsidies to industry and farming, a "Ministry for Social Cohesion," powerful public-sector unions, an elaborate welfare state, and, inevitably, comparisons to the alleged viciousness of the Anglo-Saxon "market" model. So by all means, let's do some comparing.

* * *

The first thing that needs illuminating is that, while the overwhelming majority of rioters are Muslim, it is premature at best to describe the rioting as an "intifada" or some other term denoting religiously or culturally inspired violence. And it is flat-out wrong to claim that the rioting is a consequence of liberal immigration policies.

Consider the contrast with the U.S. Between 1978 and 2002, the percentage of foreign-born Americans nearly doubled, to 12% from 6.2%. At the same time, the five-year average unemployment rate declined to 5.1% from 7.3%. Among immigrants, median family incomes rose by roughly $10,000 for every 10 years they remained in the country.

These statistics hold across immigrant groups, including ones that U.S. nativist groups claim are "unassimilable." Take Muslims, some two million of whom live in America. According to a 2004 survey by Zogby International, two-thirds are immigrants, 59% have a college education and the overwhelming majority are middle-class, with one in three having annual incomes of more than $75,000. Their intermarriage rate is 21%, nearly identical to that of other religious groups.

It's true that France's Muslim population -- some five million out of a total of 60 million -- is much larger than America's. They also generally arrived in France much poorer. But the significant difference between U.S. and French Muslims is that the former inhabit a country of economic opportunity and social mobility, which generally has led to their successful assimilation into the mainstream of American life. This has been the case despite the best efforts of multiculturalists on the right and left to extol fixed racial, ethnic and religious identities at the expense of the traditionally adaptive, supple American one.

In France, the opposite applies. Mass Muslim migration to France began in the 1960s, a period of very low unemployment and industrial labor shortages. Today, French unemployment is close to 10%, or double the U.S. rate. Unlike in the U.S., French culture eschews multiculturalism and puts a heavy premium on the concept of "Frenchness." Yet that hasn't provided much cushion for increasingly impoverished and thus estranged Muslim communities, which tend to be segregated into isolated and generally unpoliced suburban cities called banlieues. There, youth unemployment runs to 40%, and crime, drug addiction and hooliganism are endemic.

This is not to say that Muslim cultural practices are irrelevant. For Muslim women especially, the misery of the banlieues is compounded by a culture of female submission, often violently enforced. Nor should anyone rule out the possibility that Islamic radicals will exploit the mayhem for their own ends. But whatever else might be said about the Muslim attributes of the French rioters, the fact is that the pathologies of the banlieues are similar to those of inner cities everywhere. What France suffers from, fundamentally, is neither a "Muslim problem" nor an "immigration problem." It is an underclass problem.

French Prime Minister Dominique de Villepin almost put his finger on the problem when he promised to introduce legislation to ease the economic plight of the banlieues. But aside from the useful suggestion of "enterprise zones," most of the legislation smacked of big-government solutions: community centers, training programs and so on.

The larger problem for the prime minister is that France's underclass is a consequence of the structure of the French economy, in which the state accounts for nearly half of gross domestic product and roughly a quarter of employment. French workers, both in the public and private sectors, enjoy GM-like benefits in pensions, early retirement, working hours and vacations, sick- and maternity leave, and job security -- all of which is militantly enforced by strike-happy labor unions. The predictable result is that there is little job turnover and little net new job creation. Leave aside the debilitating effects of unemployment insurance and welfare on the underclass: Who would employ them if they actually sought work?

For France, the good news is that these problems can be solved, principally be deregulating labor markets, reducing taxes, reforming the pension system and breaking the stranglehold of unions on economic life. The bad news is the entrenched cultural resistance to those solutions -- not on the part of angry Muslim youth, but from the employed half of French society that refuses to relinquish their subsidized existences for the sake of the "solidarity" they profess to hold dear. So far, most attempts at reform have failed, mainly due to a combination of union militancy and political timidity.

* * *

There are lessons in France for the U.S., too. Advocates of multiculturalism might take note of what happens when ethnic communities are excluded (or exclude themselves) from the broad currents of national life. Opponents of immigration might take note of the contrast between France's impoverished Muslims and America's flourishing immigrant communities.

Above all, those who want America to emulate the French social model by mandating health and other benefits, raising tax burdens and entrenching union power might take note of just how sour its promises have become, especially its promises to the poor. In the matter of "solidarity," economic growth counts more than rhetoric

Rodrigo Bastos disse...

Serviço civil voluntário em França

E saem os coelhos da cartola. É sempre necessário que as coisas cheguem ao extremo para que se tomem medidas?

Agora...Será esta foi a decisão mais correcta a tomar? Terá sido uma decisão "tomada a quente"? Ou terá sido esta decisão baseada n'algum estudo que estava entretanto a "ganhar pó" numa gaveta qualquer?

Repararam que "Os Filhos da República" de Jacques Chirac (Presidente Francês) são a "Escumalha" de Nicolas Sarkozy (Ministro do Interior Francês)?

Anónimo disse...

Um psicólogo talvez consiga explicar mehor (ou um psiquitra) o cerne da questão - identidade; rejeição; pertença; ordem; integração; segurança; conforto; ser querido e ser amado passa por não nos serem indiferentes indicando-nos os nossos direitos, deveres, possibilidades e rsponsabilidades, assim circunscrevendo um espaço/teritório de identidade pátria/mátria, logo, de segurança, e de futuro.