Amsterdão, 2000
Tentando justificar um pouco as motivações que levam um conjunto de moradores da Alta de Lisboa a organizarem encontros ou a promoverem a realização de passeios de bicicleta mensalmente no seu bairro, e que começou aqui, apresentam-se algumas considerações sobre este assunto.
A Bicicleta nas cidades
Tentando justificar um pouco as motivações que levam um conjunto de moradores da Alta de Lisboa a organizarem encontros ou a promoverem a realização de passeios de bicicleta mensalmente no seu bairro, e que começou aqui, apresentam-se algumas considerações sobre este assunto.
A Bicicleta nas cidades
Embora se esteja a verificar uma procura cada vez maior da bicicleta para fins utilitários, como meio de transporte ou forma de mobilidade para o dia-a-dia, por quem pretende rapidez, em trajectos relativamente curtos ou em conjunto com os transportes colectivos, e uma utilização sustentável tendo por base preocupações com o ambiente e a saúde, estou convencida do potencial de utilizadores que ainda não a utiliza por falta de algumas condições facilitadoras.
A procura da bicicleta está já quase "massificada" nas áreas do lazer, manutenção física ou desporto, quer em passeios de grupo em estrada ou de BTT quer individualmente. No entanto, considero que estas vertentes da bicicleta ficariam também a ganhar com a criação de condições que favorecessem o uso para as deslocações diárias.
Assim, podem identificar-se algumas razões que têm atrasado a utilização da bicicleta para a mobilidade em Portugal, em cidades de média ou grande dimensão:
A procura da bicicleta está já quase "massificada" nas áreas do lazer, manutenção física ou desporto, quer em passeios de grupo em estrada ou de BTT quer individualmente. No entanto, considero que estas vertentes da bicicleta ficariam também a ganhar com a criação de condições que favorecessem o uso para as deslocações diárias.
Assim, podem identificar-se algumas razões que têm atrasado a utilização da bicicleta para a mobilidade em Portugal, em cidades de média ou grande dimensão:
- Percepção do risco de acidentes e sensação de insegurança rodoviária, que na maioria das vezes existe de facto, devido principalmente à velocidade excessiva de circulação dos veículos motorizados, mesmo em bairros residenciais (onde a velocidade limite poderia ser de 30km/h);
- Um Código da Estrada que não é favorável (apesar de algumas alterações recentes introduzidas por proposta da FPCUB como a prioridade de circulação nas rotundas) e a falta de fiscalização do cumprimento das regras, nomeadamente de estacionamento;
- Um Código da Estrada que não é favorável (apesar de algumas alterações recentes introduzidas por proposta da FPCUB como a prioridade de circulação nas rotundas) e a falta de fiscalização do cumprimento das regras, nomeadamente de estacionamento;
- Ocupação indevida do espaço público (passeios, praças e espaços canal pedonalizados) por automóveis estacionados, espaço esse que poderia ser partilhado por peões, velocípedes sem motor e pessoas de mobilidade reduzida em cadeiras de rodas, por exemplo;
- Atraso na criação de ciclovias ou pistas cicláveis (estas últimas segregam o tráfego ciclista do motorizado e são aconselháveis em vias rodoviárias com veículos a circular a “alta” velocidade), falta de infra-estruturas para parqueamento (junto a estabelecimentos de ensino, comércio ou serviços e interfaces de transportes colectivos), inexistência de bicicletas de uso público (gratuitas ou não) ou sistemas de "park and ride".
Há tendência para exemplificar a pouca utilização da bicicleta nas deslocações pendulares em cidades como Lisboa, apesar de diariamente serem cada vez mais os utentes, como referi. Mas temos no nosso país bons exemplos da utilização da bicicleta dos quais Aveiro não é o único. É necessário desmitificar que pelo facto de Lisboa ser uma cidade com declives acentuados não é possível o uso da bicicleta ou ele não está mais generalizado, pois por um lado muitas zonas da cidade são planas (avenidas novas, por exemplo) e por outro muitas pessoas estariam dispostas a circular mesmo em terrenos de maior declive desde que existissem determinadas condições, já que uma utilização continuada da bicicleta gera uma performance a que qualquer pessoa sem limitações físicas ou problemas de saúde especiais pode aceder (as actuais bicicletas são cada vez mais leves e têm mudanças que podem ser desmultiplicadas facilitando a sua utilização). Seria possível utilizar a bicicleta em zonas mais planas e em integração com os transportes colectivos noutras de maior declive (a FPCUB já propôs à Carris, por exemplo, a colocação de suportes para bicicletas em algumas carreiras, como por exemplo nas que têm como destino Monsanto, e existem outras soluções como calhas do tipo das dos eléctricos, onde a pessoa pode colocar a roda da bicicleta e ser accionado um mecanismo que a transporte até ao topo – são apenas alguns exemplos de soluções adoptadas em outros países). Ainda o facto de muitas das vias dedicadas existentes não terem continuidade, como é exemplar o caso da ligação Telheiras – Campo Grande – Entrecampos, leva a que não sejam utilizadas por maior número de pessoas.
Seria necessário, portanto, para se promover o uso da bicicleta e gerarem-se mais valias – melhorias no ambiente e na saúde, diminuição dos gastos de energia e contributo local para a inversão da tendência das alterações climáticas, criação de emprego e de negócios favorecedores da economia, entre outras – criarem-se infra-estruturas e devolver-se o espaço público ao cidadão, permitindo-se uma deslocação segura, rápida e confortável.
Num país com um clima como o nosso, ultrapassadas algumas barreiras sócio-culturais que ainda persistem e que têm por base o entendimento errado que a utilização do automóvel privado é um sinal (ainda que falso) de um bom estatuto económico; vencido o fortíssimo lobby do automóvel e dos combustíveis, aceite pelo próprio Estado que vem beneficiando das receitas que daí advêm sem no entanto internalizar os custos a longo prazo (quer ambientais quer sobre saúde pública) do impacte das medidas que tem implementado a favor da sua utilização, não se investindo mais em meios de transporte colectivos (quer públicos quer privados) fornecendo aos utentes soluções com rapidez, segurança, frequência, conforto articuladas com outros modos sustentáveis como o andar a pé ou de bicicleta; todos beneficiariam com a implementação de medidas políticas que ao nível das administrações públicas (central ou locais) e dos privados, e de forma eficaz, influenciassem positivamente o uso da bicicleta e respeitassem o direito de cidadania daqueles que a pretendem escolher, independentemente das motivações. Também por um “Portugal ciclável”, mais justo e equilibrado.
A Bicicleta e a Saúde
Muitos estudos têm demonstrado que a saúde é o factor chave que leva as pessoas a escolherem utilizar a bicicleta, quer para o lazer quer como forma de mobilidade diária. A utilização da bicicleta tem um elevado potencial para melhorar a saúde pública.
Um estudo do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade de Oxford (Institute of Health Sciences at Oxford University) relatou a importância da actividade física e do desporto para a saúde pública. Uma actividade física regular ajuda a prevenir as doenças coronárias (coração), embolias, diabetes, tensão arterial elevada, cancro e obesidade e tem uma influência positiva na saúde mental e no bem estar, nas funções cognitivas, ossos e músculos.
Diversos projectos de investigação produziram evidências de conexão entre a mortalidade e a actividade física: mais de 36% de todas as mortes por doenças coronárias em Inglaterra estão relacionadas com um estilo de vida sedentário. O referido estudo mostrou que o número de mortes por doenças coronárias relacionadas com a falta de actividade física é dez vezes mais que o número de mortes em acidentes rodoviários. As pessoas que para além do lazer ainda utilizam a bicicleta para se deslocarem para o trabalho têm 28% menos risco de mortalidade e vivem pelo menos mais um ou dois anos em média que os outros (figura 1).
Há tendência para exemplificar a pouca utilização da bicicleta nas deslocações pendulares em cidades como Lisboa, apesar de diariamente serem cada vez mais os utentes, como referi. Mas temos no nosso país bons exemplos da utilização da bicicleta dos quais Aveiro não é o único. É necessário desmitificar que pelo facto de Lisboa ser uma cidade com declives acentuados não é possível o uso da bicicleta ou ele não está mais generalizado, pois por um lado muitas zonas da cidade são planas (avenidas novas, por exemplo) e por outro muitas pessoas estariam dispostas a circular mesmo em terrenos de maior declive desde que existissem determinadas condições, já que uma utilização continuada da bicicleta gera uma performance a que qualquer pessoa sem limitações físicas ou problemas de saúde especiais pode aceder (as actuais bicicletas são cada vez mais leves e têm mudanças que podem ser desmultiplicadas facilitando a sua utilização). Seria possível utilizar a bicicleta em zonas mais planas e em integração com os transportes colectivos noutras de maior declive (a FPCUB já propôs à Carris, por exemplo, a colocação de suportes para bicicletas em algumas carreiras, como por exemplo nas que têm como destino Monsanto, e existem outras soluções como calhas do tipo das dos eléctricos, onde a pessoa pode colocar a roda da bicicleta e ser accionado um mecanismo que a transporte até ao topo – são apenas alguns exemplos de soluções adoptadas em outros países). Ainda o facto de muitas das vias dedicadas existentes não terem continuidade, como é exemplar o caso da ligação Telheiras – Campo Grande – Entrecampos, leva a que não sejam utilizadas por maior número de pessoas.
Seria necessário, portanto, para se promover o uso da bicicleta e gerarem-se mais valias – melhorias no ambiente e na saúde, diminuição dos gastos de energia e contributo local para a inversão da tendência das alterações climáticas, criação de emprego e de negócios favorecedores da economia, entre outras – criarem-se infra-estruturas e devolver-se o espaço público ao cidadão, permitindo-se uma deslocação segura, rápida e confortável.
Num país com um clima como o nosso, ultrapassadas algumas barreiras sócio-culturais que ainda persistem e que têm por base o entendimento errado que a utilização do automóvel privado é um sinal (ainda que falso) de um bom estatuto económico; vencido o fortíssimo lobby do automóvel e dos combustíveis, aceite pelo próprio Estado que vem beneficiando das receitas que daí advêm sem no entanto internalizar os custos a longo prazo (quer ambientais quer sobre saúde pública) do impacte das medidas que tem implementado a favor da sua utilização, não se investindo mais em meios de transporte colectivos (quer públicos quer privados) fornecendo aos utentes soluções com rapidez, segurança, frequência, conforto articuladas com outros modos sustentáveis como o andar a pé ou de bicicleta; todos beneficiariam com a implementação de medidas políticas que ao nível das administrações públicas (central ou locais) e dos privados, e de forma eficaz, influenciassem positivamente o uso da bicicleta e respeitassem o direito de cidadania daqueles que a pretendem escolher, independentemente das motivações. Também por um “Portugal ciclável”, mais justo e equilibrado.
A Bicicleta e a Saúde
Muitos estudos têm demonstrado que a saúde é o factor chave que leva as pessoas a escolherem utilizar a bicicleta, quer para o lazer quer como forma de mobilidade diária. A utilização da bicicleta tem um elevado potencial para melhorar a saúde pública.
Um estudo do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade de Oxford (Institute of Health Sciences at Oxford University) relatou a importância da actividade física e do desporto para a saúde pública. Uma actividade física regular ajuda a prevenir as doenças coronárias (coração), embolias, diabetes, tensão arterial elevada, cancro e obesidade e tem uma influência positiva na saúde mental e no bem estar, nas funções cognitivas, ossos e músculos.
Diversos projectos de investigação produziram evidências de conexão entre a mortalidade e a actividade física: mais de 36% de todas as mortes por doenças coronárias em Inglaterra estão relacionadas com um estilo de vida sedentário. O referido estudo mostrou que o número de mortes por doenças coronárias relacionadas com a falta de actividade física é dez vezes mais que o número de mortes em acidentes rodoviários. As pessoas que para além do lazer ainda utilizam a bicicleta para se deslocarem para o trabalho têm 28% menos risco de mortalidade e vivem pelo menos mais um ou dois anos em média que os outros (figura 1).
Figura 1 – Comparação entre o número de mortes de utilizadores de bicicleta e atribuídas à inactividade (Fonte ECF, 2003)
Um outro estudo sobre o impacte de diversas medidas políticas no sector dos transportes mostra que a promoção da utilização da bicicleta é uma medida altamente eficiente. Se se considerar o impacte da melhoria da qualidade dos combustíveis, da eficiência dos veículos motorizados, da redução das necessidades de mobilidade, e se se investir mais na promoção de infra-estruturas de transporte público, para andar a pé e para utilizar a bicicleta, tudo isto para compensar os acidentes rodoviários, as emissões de gases poluentes da atmosfera e de ruído, a obesidade e as alterações climáticas, somente as medidas para induzir alterações modais têm um impacte positivo em todas as frentes (figura 2).
Figura 2 – Impacte na saúde de diferentes intervenções ao nível da política de transportes (Fonte: ECF, 2003)
Figura 2 – Impacte na saúde de diferentes intervenções ao nível da política de transportes (Fonte: ECF, 2003)
8 comentários:
Excelente trabalho, por aqui pelo menos os comentadores são mais civilizados, fiz tb este fim de semana textos promovendo a bicicleta e a recepção da prole comentarista não podia ter sido incompreensivelmente pior.
Excelente post Tiago!
A bicicleta devia e podia ser mais utilizada em Lisboa se o trânsito não fosse tão caótico. Apesar de ser a cidade das colinas Lisboa tem muitas áreas planas que podem ser recheadas com pistas cicláveis. Para tal é necessário banir o automóvel de muitas ruas e substituí-lo por os famosos eléctricos que aos poucos forma desaparecendo de Lisboa, libertando espaço para a marcação de pistas cicláveis.
O post é excelente, é, mas não é meu, é da Ana Louro.
Ups peço desculpa, pois não reparei na assinatura. Então o excelente é para a Ana Louro.
Obrigada pelas vossas palavras. Concordo com os eléctricos. Se repararem na foto de Amsterdam lá está o espaço para o transporte colectivo de superfície, eléctrico, a pista ciclável (partilhada pela bicicleta e pela cadeira de rodas), o passeio largo (com esplanadas, parqueamento de bicicletas, papeleiras, etc.) e ainda existe uma via para o automóvel. O nosso futuro Eixo Central poderia vir a ter um eléctrico rápido com frequência, que eliminasse a necessidade do pesado Metropolitano subterrâneo (que será sempre uma solução mais dispendiosa e incerta...).
Ana,
Concordo inteiramente com essa ideia!
Junto-me a vós. Se calhar também devíamos difundir essa ideia. Com o Metro a ter tantos problemas, com tantas broncas financeiras (nada surpreendentes, já agora), era bom que se apostasse na rede de eléctricos de superfície, sem poluição atmosférica e cerca de dez vezes mais baratos que a versão subterrânea.
ya! keep dreaming!
Enviar um comentário