O mal bem conhecido das soluções rápidas
O urbanismo pode ser causa deste tipo de confrontos?
O urbanismo pode ser causa deste tipo de confrontos?
Paula Lobo
Os erros foram identificados há mais de duas décadas, mas a pressão das soluções rápidas e do lucro fácil tem levado a melhor sobre opinião de urbanistas e arquitectos. “Se o urbanismo pode ser uma causa para os confrontos? Com certeza! A concentração do realojamentos de famílias pobres em bairros isolados do resto do tecido urbano é um disparate”, responde Nuno Teotónio Pereira.
Segundo o arquitecto, uma das vozes mais activas pela defesa da qualidade de vida nas cidades, “desde cedo se viu que não ia dar grande resultado aquela construção a que os franceses chamaram, pomposamente, grand ensemble, o grande conjunto, de que muitos portugueses que viviam em bairros de lata beneficiaram nos anos 60 e 70”. O mal, acrescenta, é que em Portugal se fez mesmo e de pior forma. Pensando-se primeiro no alojamento, e só depois nos espaços públicos e arranjos exteriores, e num conjunto de equipamentos fundamentais para a boa integração das famílias, como creches, escolas ou centros de saúde.
António Fonseca Ferreira, engenheiro com vários estudos publicados sobre urbanismo e presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região de Lisboa e Vale do Tejo (CCDRLVT), é da mesma opinião e aponta o dedo aos realojamentos massificados tios anos 90, em “zonas urbanísticas desenvolvidas sem condições habitacionais, por défice ou falta de qualidade”.
Na região de Lisboa, recorda, “muito desse crescimento fez-se sem os planos directores municipais, que datam de meados de 90, e sem o Plano Regional de Ordenamento do Território, só aprovado em 2002”. Os “atropelos”, reconhece, têm sido muitos. No entanto, está “convencido” de que, “estruturalmente, as coisas vão mudando para melhor”. De forma nem sempre perceptível, porque em urbanismo “os fenómenos são muito pesados”. É preciso tempo.
Para Nuno Teotónio Pereira, “as famílias pobres e muitas vezes excluídas” não deveriam ser aglomeradas em blocos de grande altura, mas inseridas na malha urbana. Em Lisboa, conta as boas excepções pelos dedos: Graça, Olaias e zona do Areeiro. E no Porto, os bairros camarários “até estão metidos dentro da cidade mas sempre muito concentrados, isolados, uma espécie de ilhas”.
A mistura de classes, idades e culturas “é um dos factores mais importantes”, lembra o arquitecto, que pela mesma razão classifica de “tumores” os condomínios fechados, “guetos dos ricos, que deve riam ser pura e simplesmente proibidos dentro das cidades”. Teotónio Pereira, que condena igual mente o licenciamento sem restrições dos grandes centros comerciais, diz que o futuro terá de passar pela reabilitação urbana do edificado. Penalizando em termos fiscais quem tiver casas devolutas, para estimular o mercado e fazer descer os preços do arrendamento. Criando estacionamento preferencial para residentes. E melhorando os espaços públicos.
Se a “metropolização” clássica — a chamada expansão em mancha de óleo — foi também um erro que contribui para a degradação da vida nos subúrbios, assiste-se agora à “metapólis”, o desenvolvimento de novos pólos urbanos regionais. Um fenómeno que o presidente da CCDRLVT não vê como negativo, desde que “se ocupe o território sem degradação urbanística ou ambiental”. A dificuldade, admite, é o controlo: “Não há, infelizmente, uma sensibilidade generalizada dos cidadãos e dos agentes envolvidos, há tendência para o lucro imediato.” E na raiz do problema, conclui, está o peso das taxas fundiárias e imobiliárias nos cofres das autarquias.
2 comentários:
Uma vez ouvi uma entrevista a Jaime Lerner, arquitecto e urbanista, ex-prefeito da cidade de Curitiba no Brasil e fiquei verdadeiramente "encantada" com as soluções que consegiu emplementar nessa cidade de betão. A entrevista foi no Pessoal e... Transmissível, na TSF. Pode ser encontrada no arquivo do programa, no site da TSF. É de dia 15 de Setembro de 2003. Muito, muito, interessante. Já estive em Curitiba de passagem e deu para ver a solução para os autocarros a funcionar... É impressionante. E tudo construido de raiz. Não há duvida que, para além das ideias, a vontade política é o mais importante nestas questões...
Fica aqui também um pequeno perfil e entrevista a este senhor: http://www.record.com.br/entrevista.asp?entrevista=27&origem=2
Gostava de ver o que diria o Nuno Portas sobre o assunto, já que ele foi um dos responsáveis pelo descalabro de Chelas, tal como uma série de outras pessoas muito bem intencionadas. O Fonseca Ferreira fala, fala, mas enquanto presidente da CCDRLVT não o vi fazer nada. Ou melhor, a ideia (muito discutível) da linha de metro até à Amadora partiu de lá, tanto quanto percebi. De resto, o FF e o NTP têm toda a razão, mas nunca percebi (e bem tentei) porque é que nunca se procunciaram quando estavam a ser feitos os realojamentos em Chelas nos anos 90. Fidelidades, suponho...
Parece-me que se tem assistido, pura e simplesmente à derrocada do urbanismo modernista, do qual Portas e Teotónio Pereira são dois dos mais conhecidos representantes em Portugal, e este é uma questão muito incómoda à qual ninguém parece interessada em responder. É patético que o NTP apresente como bom exemplo a Graça, que foi urbanizada em grande parte pelos industriais para albergar os seus operários. Mas não se tratou de realojamento. Os problemas começaram, em Lisboa e outras grandes cidades europeias, quando as cidades não foram capazes de responder a uma crise de crescimento, começaram a aparecer os bairros clandestinos, e para se resolver o problema foi-se aplicar os princípios do urbanismo modernista, com resultados catastróficos. Por outro lado, deu-se rédea livre aos construtores para construírem nos subúrbios, com resultados igualmente desastrosos. Enfim, uma incapacidade generalizada para gerir o crescimento da cidade.
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