A recente reportagem do Jornal PÚBLICO sobre o relatório de contas da SGAL merece alguma reflexão. A SGAL está com dívidas a fornecedores e à banca e sem liquidez financeira para concluir no tempo previsto o projecto gigantesco chamado Alta de Lisboa. Queixa-se por um lado da crise económica global e na baixa do mercado imobiliário, e por outro, com razão, nas expropriações demoradas que a CML ficou contratualmente de fazer. Tenciona por isso renegociar com a CML o prazo da conclusão de todo o projecto por cinco anos, passando-o para 2020.
Apesar de a Alta de Lisboa, como conceito, projecto e contrato celebrado entre SGAL e CML, ter mais de 20 anos, a maior parte dos lisboetas desconhece-a por completo. Esta pode ser uma das razões para a fraca procura de apartamentos na Alta de Lisboa, que a SGAL diz terem preços mais baixos que em Odivelas ou na Amadora.
No entanto, as declarações Neil Walker, director financeiro da SGAL, revelam a limitação da mensagem que a SGAL tem passado aos potenciais compradores: "Em redor dos prédios de realojamento temos de ter um produto [apartamentos] mais barato, para pessoas que não estejam preocupadas com determinado tipo de vizinhança." Como tiro no pé é excelente, como frase publicitária é desastrosa. Salva-se a honestidade, pelo menos.
No entanto, a Alta de Lisboa, pelo menos da maneira como está apresentada ao público, com a maquete que está no stand de vendas da SGAL e os dois livros sobre o projecto já editados, é muito, mas muito mais do que um conjunto de apartamentos com preços apelativos para compensar a má vizinhança. É sintomático dos diferentes níveis de crença no projecto serem os moradores citados na reportagem a referir os espaços verdes, a densidade de contrução baixa, a coerência urbanística do projecto ou as acessibilidades viárias e transportes públicos previstos.
Aparentemente alguma coisa tem de ser feita para dar a conhecer a Alta de Lisboa aos poucos compradores que restam no mercado imobiliário e fazer chegar a bom porto este projecto que alguns temem vir a tornar-se num elefante branco. Aparentemente a mensagem publicitária está a falhar.
Mas outras núvens negras se avistam do horizonte. Se o colpaso do mercado imobiliário se confirmar, se a oferta se sobrepuser à procura, o que iremos ter no lugar da Alta de Lisboa? Seremos defraudados nas expectativas e no projecto que nos foi vendido? Inevitavelmente. E como poderá ser alterado o plano de urbanização traçado pelo Arq. Eduardo Leira de forma a não prejudicar ainda mais os moradores que apostaram e contribuíram para o projecto vivendo décadas num estaleiro permanente? Como ajustar o plano para que apesar do imenso que falta ainda construir, casas, comércio, serviços, equipamentos, se estabilize um ecossitema humano que assemelhe a Alta de Lisboa a uma cidade com boa qualidade de vida?
Que simbiose existe entre moradores, SGAL e CML? Não interessam as palavras, interessam os actos.
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Alta de Lisboa sem dinheiro para terminar no prazo previsto nova cidade do Lumiar.
Ana Henriques
PÚBLICO, dia 13 de Agosto de 2006
Apesar dos preços baixos os apartamentos da vendem-se pouco, o que vai adiar pelo menos por cinco anos a conclusão desta nova cidade dentro de Lisboa. Sem dinheiro, a sociedade promotora vai ter de recorrer a um aumento de capital.
A empresa responsável pela Alta de Lisboa vai negociar com a câmara um adiamento do prazo de conclusão do mega-empreendimento imobiliário do Lumiar, onde até 2015 deviam estar a morar cerca de 65 mil pessoas. Motivo: as vendas de apartamentos são muito inferiores ao previsto, apesar dos baixos preços, praticamente sem igual no resto da cidade.
Lançada no tempo de Kruz Abecasis, nos anos 80, a Alta de Lisboa, então designada Alto do Lumiar, corresponde à ambição do antigo presidente da câmara de criar nestes 300 hectares - delimitados pela 2ª Circular, pelo aeroporto, pela Alameda das Linhas de Torres, pelo Eixo Norte-Sul e pela fronteira com Loures - uma nova cidade, ou melhor, o prolongamento do eixo Av. da Liberdade-Av. da República-Campo Grande. Duas décadas depois a Alta de Lisboa continua a ser desconhecida de parte significativa dos lisboetas, apesar das dezenas e dezenas de prédios já construídos, dos parques verdes e de alguns nomes sonantes da arquitectura como Manuel Salgado, Frederico Valsassina, Daciano Costa, João Paciência e Tomás Taveira terem sido contratados para desenhar parcelas do empreendimento.
Fruto de uma parceria entre a Câmara de Lisboa, detentora de grande parte dos terrenos, e uma empresa privada constituída para o efeito, a Sociedade Gestora do Alto do Lumiar (SGAL), a Alta de Lisboa pertence em grande parte ao magnata macaense do jogo Stanley Ho. Outro dos sócios é a construtora A. Silva & Silva. Em troca da entrega faseada dos terrenos camarários a custos baixos, esta sociedade escolhida pela autarquia através de concurso comprometeu-se a urbanizar 80 por cento dos terrenos livres das freguesias do Lumiar e da Charneca. Isto incluía não só os prédios, como os equipamentos necessários - escolas, centros de saúde e equipamentos desportivos, por exemplo - e respectivos arruamentos.
O director financeiro da SGAL, Neil Walker, explica que, para que tudo ficasse pronto em 2015 a empresa teria de vender 700 casas por ano. Mas há cinco anos que a procura está muito aquém deste patamar: em 2002 só foram vendidos cem apartamentos, no ano passado apenas 215 e de Janeiro até agora 80. A sociedade diz ter neste momento 600 unidades para vender, 370 das quais em construção.
Preços mais baratos que em Odivelas
Os preços são aliciantes: há T1 a partir dos 125 mil euros. "São próximos dos que se praticam na Amadora", explica o presidente da Unidade de Projecto da Alta do Lumiar, que é o serviço camarário que fiscaliza o cumprimento do plano de urbanização aprovado pela autarquia. "Até Odivelas tem preços mais altos desde que lá chegou o metro", salienta Neil Walker.
O director financeiro da SGAL atribui a redução da procura de fogos na Alta de Lisboa à recessão económica. Mas tanto ele como todos os que estão de alguma forma ligados ao empreendimento admitem que os prédios que ali cresceram para realojar antigos moradores que já viviam nesta zona da cidade em condições precárias - e que surgiram, na maioria dos casos, antes de as chamadas casas de venda livre e os equipamentos sociais estarem prontos - contribuíram para a falta de atractividade desta zona da cidade.
Apesar de, nalguns casos, os prédios do Plano Especial de Realojamento até serem exactamente iguais aos restantes. "Em redor dos prédios de realojamento temos de ter um produto [apartamentos] mais barato, para pessoas que não estejam preocupadas com determinado tipo de vizinhança", explica Neil Walker.
O convívio entre as diferentes classes sociais é um dos pressupostos do projecto. Na prática, o convívio já é pouco entre muitos dos que adquiriram casa no mercado de venda livre, e menor ainda entre estes e os menos favorecidos. Por outro lado, viver num local que ainda se encontra em construção - nuns casos faltam vias de comunicação eficazes, noutros centros de saúde, noutros ainda limpeza de ruas - e que nunca estará consolidado enquanto cidade senão daqui a uns bons cinco anos tem incómodos que nem todos estão dispostos a suportar. Há espaços públicos escalavrados e terrenos baldios abandonados, à espera do próximo prédio novo ou simplesmente de que alguém se lembre deles.
Situação não pode manter-se, diz empresa
Como diz Ana Louro, que faz parte da comissão instaladora de uma associação de moradores da Alta de Lisboa, o projecto é ideal, mas a sua aplicação no terreno deixa muito a desejar, até por causa dos atrasos que tem sofrido. Seja como for, as vantagens de viver na Alta de Lisboa não ficam só pelo preço das casas. Os parques verdes existentes ou em construção são magníficos e a densidade de construção nos 300 hectares não ultrapassa, de acordo com o director do gabinete de projecto, Rosado de Sousa, os 0,7. As ruas são amplas e a proximidade do aeroporto impede os prédios subirem acima dos sete andares.
O último relatório e contas da SGAL não deixa dúvidas sobre a complicada situação financeira da empresa. Em 2005 teve um prejuízo de 5,7 milhões de euros, o que vai obrigar a um aumento de capital já no mês que vem e à realização de mais parcerias com empresas de fora, com vista ao prosseguimento das obras. As dívidas a fornecedores totalizavam 50.903 milhares de euros, o que, segundo Neil Walker "é uma situação mais ou menos normal" no mercado imobiliário. Os empréstimos contraídos junto da banca ascendem a 119.508 milhares de euros. O mesmo documento dá conta de que os atrasos da autarquia na entrega de terrenos impõem à actividade da SGAL "graves restrições de ordem comercial e financeira".
"A situação de desequilíbrio contratual em que nos encontramos não poderá manter-se", avisa a administração empresa no relatório. A autarquia explica os atrasos com a necessidade de comprar a particulares terrenos que não lhe pertenciam e com as demoras nos registos. O director da unidade de projecto afiança que tudo ficará resolvido em Setembro, enquanto o director da SGAL se queixa da lentidão com que os processos correm na autarquia, e da "incapacidade de decisão" dos seus serviços. "Com estes obstáculos não vai ser possível ter tudo pronto em 2015. As vendas terão de se prolongar por mais cinco anos", afirma Neil Walker. "Estamos a preparar a renegociação do contrato com a câmara".
Empresa acusada de autismo pela junta
Rodrigo Bastos, um informático de 34 anos, diz que se soubesse o que hoje sabe ponderaria melhor a sua mudança para o apartamento do Condomínio da Torre, na Alta de Lisboa. "Apesar de estar a gostar e morar cá", acrescenta. Os seus motivos prendem-se não só com o facto de viver ainda num pedaço de cidade em construção, mas também com a dificuldade em comunicar com a empresa, um queixa comum a quase todos os que compraram casa à Sociedade Gestora do Alto do Lumiar. A presidente da Junta de Freguesia da Charneca não hesita em falar de autismo a propósito do alegado alheamento da empresa relativamente à realidade que a rodeia, uma descrição que Luís Lucena, um cliente da SGAL que dá aulas de marketing, considera perfeita. Tanto o docente como Rodrigo Bastos fazem parte da comissão instaladora da associação de moradores da Alta de Lisboa e criaram ou participaram em blogs e sites sobre a vida dos habitantes destes 300 hectares. Foram muitas as vezes que Luís Lucena já teve de entrar em contacto com a empresa para resolver problemas de todo o tipo, desde a saída de vento das tomadas - por causa da entrada de ar da rua nas paredes - à falta de manutenção de alguns espaços verdes. E não tem dúvidas: "Para eles o cliente é um troglodita". Ana Louro, da mesma comissão, conta que um problema de ruído no sistema de ventilação do seu prédio demorou dois anos a ser resolvido. "A dificuldade de comunicação com a SGAL é aflitiva", considera Luís Lucena. O director da Unidade de Projecto do Alto do Lumiar aconselha todos os que quiserem vir para para aqui habitar a serem tolerantes - afinal mudaram-se para uma cidade que ainda não está pronta - e a conhecerem melhor o plano urbanização, para perceberem com o que podem contar no futuro. E é precisamente de demasiada tolerância para com a SGAL que Luís Lucena acusa este serviço camarário: "Devia ter sido mais rigoroso relativamente aos espaços públicos". O seu anterior director transitou directamente do gabinete camarário para a SGAL, o que não foi visto com bons olhos por alguns dos moradores. O director financeiro da SGAL desvaloriza as queixas dos moradores. "Segundo uma sondagem de um blog a maioria dos nossos clientes voltaria a comprar-nos as casas", sublinha. Segundo um artigo publicado recentemente na revista Mobiliária, e citado pela SGAL, a Alta de Lisboa é um dos locais mais apetecíveis para residir na capital. As razões apontadas pelos compradores incluem a relação preço/qualidade, a organização urbanística e a situação geográfica.
Há polidesportivo mas não há centro de saúde
A presidente da Junta de Freguesia da Charneca, uma das duas freguesias em que está a ser construída a Alta de Lisboa, não percebe por que razão já ali foi construído um recinto polidesportivo sem que os habitantes tenham sequer um centro de saúde. A assistência médica é, de resto, também uma preocupação do presidente da Junta de Freguesia do Lumiar, Nuno Roque, que explica que os moradores da zona têm de se governar com uma extensão de saúde que por enquanto ainda funciona em condições precárias, "num barracão meio abandonado". No antigo bairro de barracas da Musgueira não destoava, observa, mas hoje, entre os prédios novos, "é degradante".
Dentro em breve a extensão de saúde deverá mudar para uma loja de um prédio. O autarca fala de outras necessidades: um posto de limpeza, para as ruas andarem mais asseadas, e mais autocarros para o centro do Lumiar. Só que o director da unidade de projecto da Alta do Lumiar pensa que o posto de limpeza não é uma prioridade. A Alta de Lisboa não é toda igual, e na freguesia da Charneca é maior o número de realojamentos que na freguesia do Lumiar.
Para a presidente da Junta da Charneca, Graça Ferreira, o empreendimento corre o risco de se tornar um "elefante branco", dada a fraca procura de apartamentos. Além disso, verifica-se um outro fenómeno comum a várias zonas novas da cidade, como o Parque das Nações: a compra das casas por investidores, que as mantêm vazias até conseguirem um preço mais alto do que aquele pelo qual as compraram. "É preciso dar vida à zona. E isso pode ser feito abrindo mais comércio. Mas protegido", ressalva, numa referência aos problemas de segurança nalgumas zonas do empreendimento. Só no ano que vem deverá abrir uma divisão da PSP.
A autarca defende que a Sociedade Gestora do Alto do Lumiar não se empenhe apenas na construção de novos prédios e estenda a sua acção à reabilitação, em especial dos palacetes que pertencem às antigas quintas do Paço do Lumiar. "As casas reabilitadas podiam funcionar como um ex-libris da zona". "Mas a SGAL teve falta de visão e agora tem dificuldade em vender as casas", observa, ao mesmo tempo que critica os novos habitantes da Alta de Lisboa que optam por fazer toda a sua vida fora dali, só lá indo dormir. "Mas eu se calhar também me fechava em casa se sentisse insegurança", admite. Sandra Rodrigues, uma produtora de publicidade de 31 anos, mora no Condomínio da Torre mas raramente lá pára.
Nunca se sentiu insegura, só que os afazeres mantêm-na longe dali grande parte do dia, e aos fins-de-semana vai para fora. Diz-se satisfeitíssima com o negócio: há cinco anos o T1 onde agora reside custou-lhe, ainda em planta, 85 mil euros. "Como tenho seguro de saúde nem sei onde é o centro de saúde", explica. Só a aborrece a gestão do condomínio, dificultada pelo elevado número de habitantes do prédio. "Mas temos de ser realistas", observa. "Comprei a casa por um valor muito inferior ao do mercado".
[notícia copiada via Olissipo]