O inquérito arrasa tudo e todos. Mas estarão prevenidos riscos futuros idênticos? A pintura de uma passadeira e a colocação de um semáforo tornará mais seguro o atravessamento pedonal na Azinhaga da Musgueira, em frente à D. José I, mas será suficiente para corrigir uma diagnosticada incapacidade de coordenar, fiscalizar, gerir e até de escrever relatórios de forma inteligível?
Inquérito aponta para descoordenação na CML no caso de atropelamento mortal
24.08.2008, Sofia Rodrigues
Investigação interna não poupa críticas ao desempenho dos serviços municipais e da Sociedade Gestora da Alta de Lisboa na sequência de um acidente em frente a uma escola
Houve falta de coordenação e de comunicação entre serviços da Câmara Municipal de Lisboa (CML) e a sociedade privada gestora da Alta de Lisboa na intervenção ao nível da segurança rodoviária junto a uma escola onde se verificou o atropelamento mortal de uma aluna, no passado mês de Junho. Esta é a principal conclusão de um inquérito interno da CML, ao qual o PÚBLICO teve acesso, e que foi aberto para apurar eventuais falhas do município no acidente junto à Escola EB 2-3 D. José I, no Alto do Lumiar.
O relatório conclui que "não existem indícios de infracção disciplinar na actuação dos serviços e funcionários", mas não poupa críticas ao desempenho dos serviços da CML e da Sociedade Gestora da Alta de Lisboa (SGAL), promotora imobiliária privada que é a entidade responsável pelo empreendimento e infra-estruturas daquela zona da capital, à luz de um contrato celebrado com a autarquia.
Num extenso dossier de mais de 100 páginas, o instrutor conclui que houve "faltas de coordenação e de comunicação entre os serviços municipais e entre os serviços e a SGAL".
Segundo o mesmo relatório, os departamentos em causa funcionaram como se fossem ilhas: "Cada serviço agia, apenas, de acordo com a sua óptica do problema, considerando que os aspectos que diziam respeito ao serviço do lado lhes era alheio", lê-se no documento que indica também algum desconhecimento da realidade.
O Departamento de Segurança Rodoviária e Tráfego da CML, por exemplo, "não conhecia o projecto pormenorizado das vias para a área envolvente da Escola D. José I". E a Unidade de Projecto do Alto do Lumiar (UPAL) - serviço da CML com objectivo de assegurar a gestão e a reconversão urbanística da zona - "não conhecia a calendarização da abertura do lado sul da avenida" onde se situa a escola (em obras antes do acidente) e que alterou as condições de circulação no local.
Foi também apurado que "a generalidade das infra-estruturas do Alto do Lumiar não estão a ser recebidas pela câmara municipal, apesar de estarem em funcionamento", o que leva a uma "indefinição jurídica" sobre quem é responsável pela sua manutenção.
Os resultados do inquérito denotam também "falta de funcionários em quantidade ou qualificação suficientes para assegurarem algumas funções importantes." No Departamento de Segurança Rodoviária e Tráfego, por exemplo, o técnico responsável pelo Lumiar e outras zonas próximas declarou ser um aprendiz e "nunca ter exercido" as funções.
A comunicação por parte dos serviços também é criticada: "Na generalidade, é pouco clara e, frequentemente, não indicativa do que se pretende".
Por último, o relatório conclui que a intervenção da UPAL é "essencialmente gestionária". O director desta unidade reconhece no inquérito que o acompanhamento à urbanização do Alto do Lumiar é feito numa "perspectiva de gestão e não de fiscalização, que seria impossível".
Perante este relatório, o presidente da CML, António Costa, determinou que fossem executadas as obras propostas pelo autor do inquérito para melhorar a segurança rodoviária na zona envolvente da escola. Em despacho, de 22 de Julho, Costa determina que as intervenções devem estar concluídas até ao início deste ano lectivo, e avisa que "não devem ser adiadas por dúvidas quanto ao âmbito da responsabilidade entre município, SGAL e Estado". As obras recomendadas estão em andamento, segundo a assessoria de imprensa da CML. A SGAL, contactada pelo PÚBLICO, não se quis pronunciar sobre o relatório.
Escola pediu "encarecidamente" uma passadeira
24.08.2008
Em meados de Abril, cerca de dois meses antes do acidente mortal de uma aluna de 15 anos, o director da escola EB 2-3 D. José I enviou uma carta aos serviços da Câmara Municipal de Lisboa a "pedir encarecidamente" a colocação de uma passadeira em frente ao estabelecimento.
O alerta consta do relatório do inquérito interno da CML que apurou ter havido outras chamadas de atenção para os riscos que os peões corriam no troço junto à escola, nos seis meses que antecederam o atropelamento. Aliás, segundo o relatório, o troço da avenida Carlos Paredes, onde se situa a escola, "é perigosíssima".
Na carta dirigida ao director municipal de Segurança Rodoviária e Tráfego, o responsável da escola indigna-se com a falta de acessos para os alunos e queixa-se do problema se arrastar "há quatro anos sem resolução".
Foram trocados dezenas de ofícios entre os vários serviços da CML sobre a melhoria da sinalização e das condições de acesso dos alunos à escola, mas nenhuma das diligências resultou em acções concretas no terreno. Até chegou a ser marcada uma reunião entre a UPAL e o Departamento de Segurança Rodoviária da CML para tentar resolver este problema, mas o encontro já se veio a realizar após o acidente.
Existe uma passadeira a 25-30 metros da escola, mas é pouco utilizada pelos alunos, que preferem atravessar em linha recta. Uma das hipóteses mais discutidas entre os serviços foi a colocação de outra passadeira mesmo em frente à escola, mas concluiu-se que era inviável, por ser impossível instalar um gradeamento, já que o portão do estabelecimento de ensino é utilizado por peões e por automóveis. Agora, é parte da solução que vai ser adoptada por ordem do presidente da CML, António Costa.
O presidente determinou ainda que seja estudada a colocação de uma passadeira onde haja melhor visibilidade e protegida por semáforos, tal como recomendava o relatório.