O dinheiro dos lisboetas tem sido usado para tornar a vida dos próprios lisboetas num inferno
A gargalhada
Luís Campos e Cunha, professor universitário
PÚBLICO, 2 de Maio de 2008
Há uns anos, talvez cinco, talvez mais, numa entrevista sugeri que os automóveis que entrassem em Lisboa pagassem uma portagem. Quem entra com carro paga. A jovem entrevistadora deu uma sonora e saudável gargalhada porque pensou que eu estava a brincar. Não estava.
Meses depois, essas portagens foram introduzidas em Londres e, desde então, alargadas e aumentadas. Em Lisboa, um dia, também haverá portagens para quem quiser entrar com viatura própria; até lá os lisboetas sofrem e pagam para os outros.
Segundo os jornais, a Câmara de Lisboa está falida, ie, não consegue pagar a quem deve. Até certo ponto, podem ser boas noticias: acabaram as obras megalómanas, espero que agora pensem em trabalhos, baratos e pequenos, que vão melhorar, de facto, o nosso bem-estar de forma significativa. Veremos.
A gargalhada
Luís Campos e Cunha, professor universitário
PÚBLICO, 2 de Maio de 2008
Há uns anos, talvez cinco, talvez mais, numa entrevista sugeri que os automóveis que entrassem em Lisboa pagassem uma portagem. Quem entra com carro paga. A jovem entrevistadora deu uma sonora e saudável gargalhada porque pensou que eu estava a brincar. Não estava.
Meses depois, essas portagens foram introduzidas em Londres e, desde então, alargadas e aumentadas. Em Lisboa, um dia, também haverá portagens para quem quiser entrar com viatura própria; até lá os lisboetas sofrem e pagam para os outros.
Segundo os jornais, a Câmara de Lisboa está falida, ie, não consegue pagar a quem deve. Até certo ponto, podem ser boas noticias: acabaram as obras megalómanas, espero que agora pensem em trabalhos, baratos e pequenos, que vão melhorar, de facto, o nosso bem-estar de forma significativa. Veremos.
Até hoje, a vasta maioria das obras (megalómanas) foram sempre para benefícios dos não-lisboetas e pagas com os recursos da câmara dos lisboetas. E absurdo mas é verdade.
Durante os últimos decénios, os recursos da Câmara Municipal de Lisboa (CML), o dinheiro dos lisboetas, foram para fazer viadutos, túneis e parques de estacionamento subterrâneos para que os não-lisboetas entrassem na cidade e estacionassem, o mais confortavelmente possível. O dinheiro dos lisboetas tem sido usado para tornar a vida dos próprios lisboetas num interno.
Vejamos. Auto-estradatizou-se a vasta maioria das grandes avenidas: a Av. da Liberdade, a 24 de Julho, a da República, o Campo Grande, a Gago Coutinho... Transformou-se em campo de batalha a circulação nas várias praças e rotundas da capital. Lembremo-nos do que era o Saldanha, do Marquês que está como está, do Largo do Camões, do que deveria ser o Areeiro, da rotunda de Entrecampos, etc. (A propósito, porque não tirar dali o monumento à Guerra Peninsular para um local mais digno e sem os abortos arquitectónicos que o emolduram e abafam?)
Tudo isto para facilitar a entrada em Lisboa de cada vez mais carros, causando mais poluição e mais custos de congestionamento a quem cá vive. Pelo que faz todo o sentido pagarem ao lisboeta esses custos através da dita portagem. Mais: quando um carro entra em Lisboa usa as Infra-estruturas pagas com os recursos da CML, também Por ISSO, há boas razões para uma portagem.
Como as receitas da CML foram, em boa parte, gastas em obras para favorecer os não-lisboetas, a degradação da vida citadina e da cidade levou-os para fora de Lisboa. Com uma base tributária estagnada ou mesmo em queda, os impostos e taxas em Lisboa aumentam, o que, mais uma vez, empurra a população para fora de Lisboa. Os gigantescos centros comerciais suburbanos fizeram o resto: reduzem, ainda mais, a base tributária da CML, tiram as pessoas das ruas, levam-nas para fora da cidade, aumentando a insegurança da vida urbana.
A introdução das ditas portagens incentivaria as pessoas a viverem em Lisboa, evitando o seu despovoamento, seria uma receita da cidade, ajudando a torná-la mais habitável, e seria uma justiça para quem cá vive. Num futuro longínquo até poderíamos sonhar com uma baixa dos custos de viver em Lisboa. Até lá. Lisboa é, cada vez mais, um local de passagem e cada vez menos unia cidade para se estar e viver.
Dois argumentos têm sido apresentados contra a introdução de portagens em Lisboa, mas nenhum faz sentido. Primeiro argumento: quem entra em Lisboa já paga portagem e isso não resolveu nada. E errado ou falacioso, dependendo de quem o diz. Um automobilista, por exemplo, que atravesse a Ponte Vasco da Gama, quer siga para o Porto, quer entre em Lisboa, paga a mesma portagem pela utilização dessa infra-estrutura. Ora, quem vai para o Norte devia ir em paz, quem entra em Lisboa devia pagará cidade outra portagem à entrada da Segunda Circular, pela poluição, engarrafamento e pela utilização de infra-estruturas que outros pagaram. Do mesmo modo, quem vem de Cascais paga a auto-estrada em Oeiras, se pretender entrar em Lisboa deveria pagar a portagem no Viaduto Duarte Pacheco.
Um segundo argumento contra a portagem para entrar em Lisboa consiste em defender, como alternativa, a subida do preço do estacionamento. Ora, esta “solução’ não é alternativa. Por um lado, em qualquer caso, deveria haver sempre uma subida no estacionamento que estava particularmente barato. Mas pretender combater o congestionamento com esta medida é errado porque afecta igualmente o lisboeta e o não-lisboeta. Porque razão deve o lisboeta continuar a subsidiar implicitamente o nâo-lisboeta? O lisboeta já pagou a infra-estrutura e agora também tem de pagar a sua utilização.
Um último argumento contra as portagens é demolidor e confesso, não tenho resposta: as portagens à entrada de Lisboa são inconstitucionais! Este argumento, verdadeiro ou falso, cala-me. Gostaria de conseguir dar uma gargalhada como a minha entrevistadora há anos. Se a Constituição da República se dá ao trabalho de (indirectamente, eu conheço os detalhes do argumento), proibir tal solução, os pobres dos ingleses não-londrinos devem estar cheios de inveja. E são histórias deste tipo que alimentam quem culpa a Constituição de todos os males da República.
Durante os últimos decénios, os recursos da Câmara Municipal de Lisboa (CML), o dinheiro dos lisboetas, foram para fazer viadutos, túneis e parques de estacionamento subterrâneos para que os não-lisboetas entrassem na cidade e estacionassem, o mais confortavelmente possível. O dinheiro dos lisboetas tem sido usado para tornar a vida dos próprios lisboetas num interno.
Vejamos. Auto-estradatizou-se a vasta maioria das grandes avenidas: a Av. da Liberdade, a 24 de Julho, a da República, o Campo Grande, a Gago Coutinho... Transformou-se em campo de batalha a circulação nas várias praças e rotundas da capital. Lembremo-nos do que era o Saldanha, do Marquês que está como está, do Largo do Camões, do que deveria ser o Areeiro, da rotunda de Entrecampos, etc. (A propósito, porque não tirar dali o monumento à Guerra Peninsular para um local mais digno e sem os abortos arquitectónicos que o emolduram e abafam?)
Tudo isto para facilitar a entrada em Lisboa de cada vez mais carros, causando mais poluição e mais custos de congestionamento a quem cá vive. Pelo que faz todo o sentido pagarem ao lisboeta esses custos através da dita portagem. Mais: quando um carro entra em Lisboa usa as Infra-estruturas pagas com os recursos da CML, também Por ISSO, há boas razões para uma portagem.
Como as receitas da CML foram, em boa parte, gastas em obras para favorecer os não-lisboetas, a degradação da vida citadina e da cidade levou-os para fora de Lisboa. Com uma base tributária estagnada ou mesmo em queda, os impostos e taxas em Lisboa aumentam, o que, mais uma vez, empurra a população para fora de Lisboa. Os gigantescos centros comerciais suburbanos fizeram o resto: reduzem, ainda mais, a base tributária da CML, tiram as pessoas das ruas, levam-nas para fora da cidade, aumentando a insegurança da vida urbana.
A introdução das ditas portagens incentivaria as pessoas a viverem em Lisboa, evitando o seu despovoamento, seria uma receita da cidade, ajudando a torná-la mais habitável, e seria uma justiça para quem cá vive. Num futuro longínquo até poderíamos sonhar com uma baixa dos custos de viver em Lisboa. Até lá. Lisboa é, cada vez mais, um local de passagem e cada vez menos unia cidade para se estar e viver.
Dois argumentos têm sido apresentados contra a introdução de portagens em Lisboa, mas nenhum faz sentido. Primeiro argumento: quem entra em Lisboa já paga portagem e isso não resolveu nada. E errado ou falacioso, dependendo de quem o diz. Um automobilista, por exemplo, que atravesse a Ponte Vasco da Gama, quer siga para o Porto, quer entre em Lisboa, paga a mesma portagem pela utilização dessa infra-estrutura. Ora, quem vai para o Norte devia ir em paz, quem entra em Lisboa devia pagará cidade outra portagem à entrada da Segunda Circular, pela poluição, engarrafamento e pela utilização de infra-estruturas que outros pagaram. Do mesmo modo, quem vem de Cascais paga a auto-estrada em Oeiras, se pretender entrar em Lisboa deveria pagar a portagem no Viaduto Duarte Pacheco.
Um segundo argumento contra a portagem para entrar em Lisboa consiste em defender, como alternativa, a subida do preço do estacionamento. Ora, esta “solução’ não é alternativa. Por um lado, em qualquer caso, deveria haver sempre uma subida no estacionamento que estava particularmente barato. Mas pretender combater o congestionamento com esta medida é errado porque afecta igualmente o lisboeta e o não-lisboeta. Porque razão deve o lisboeta continuar a subsidiar implicitamente o nâo-lisboeta? O lisboeta já pagou a infra-estrutura e agora também tem de pagar a sua utilização.
Um último argumento contra as portagens é demolidor e confesso, não tenho resposta: as portagens à entrada de Lisboa são inconstitucionais! Este argumento, verdadeiro ou falso, cala-me. Gostaria de conseguir dar uma gargalhada como a minha entrevistadora há anos. Se a Constituição da República se dá ao trabalho de (indirectamente, eu conheço os detalhes do argumento), proibir tal solução, os pobres dos ingleses não-londrinos devem estar cheios de inveja. E são histórias deste tipo que alimentam quem culpa a Constituição de todos os males da República.
3 comentários:
Que decepção para quem foi ministro da economia, esperava mais alguma reflexão. Introduzir portagens em Lisboa parece-me delirante enquanto houver dezenas de milhares de casas vazias na cidade. A ideia de que foram as infrastruturas viárias a expulsar os lisboetas representa a inversão da ordem das coisas: elas tornaram-se necessárias porque cada vez houve mais gente forçada a mudar-se para os suúrbios, forçada pela estagnação do mercado imobiliário e pela degradação, e não o contrário. Mesmo que se pagasse 5 euros para entrar, continuaria a compensar pagar uma casa fora de Lisboa. Entretanto, o problema do excesso de trânsito em Lisboa parece ir resolver-se por si, à medida que as empresas se vão também elas embora.
Que decepção para quem foi ministro da economia, esperava mais alguma reflexão. Introduzir portagens em Lisboa parece-me delirante enquanto houver dezenas de milhares de casas vazias na cidade. A ideia de que foram as infrastruturas viárias a expulsar os lisboetas representa a inversão da ordem das coisas: elas tornaram-se necessárias porque cada vez houve mais gente forçada a mudar-se para os suúrbios, forçada pela estagnação do mercado imobiliário e pela degradação, e não o contrário. Mesmo que se pagasse 5 euros para entrar, continuaria a compensar pagar uma casa fora de Lisboa. Entretanto, o problema do excesso de trânsito em Lisboa parece ir resolver-se por si, à medida que as empresas se vão também elas embora.
Depois o biodiesel será mesmo só de bicicleta ou carroça puxada a cavalo! O seu tempo de ouro vai chegar, Tiago. E então daremos valor às ciclovias.
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