Cada edificação contém em si, deste modo, um embrião de conforto. Um ser cuja desenvoltura depende do nível económico da sociedade que o produz: quanto maior o grau de riqueza de uma nação, maior a expectativa de conforto que uma habitação deverá preencher.
Na maior parte da sua história, Portugal foi um país pobre. Excluindo o nível médio de riqueza o recurso a meios adicionais de melhoria térmica do interior das habitações, a arquitectura popular procurou adaptar o seu desenho às condições meteorológicas: casas brancas no Sul de Verões violentos, casas escuras com a habitação situada no piso superior sobre o estábulo no Norte de Invernos mais rigorosos. Já nas cidades, obedecendo o desenho arquitectónico a outras solicitações, incompatíveis com o saber dos tempos, as condições de conforto degradaram-se.
Considerou-se durante muito tempo a passividade térmica das construções portuguesas como uma inevitabilidade. Contraditoriamente, a evolução das técnicas construtivas agravou esta situação: o aparecimento dos prédios de estrutura em betão diminuiu a inércia térmica das paredes exteriores, possibilitando uma ainda maior aproximação entre as temperaturas exteriores e interiores.
Na ausência de regras oficiais que obrigassem à adopção de medidas preventivas na fase de construção, todo o trabalho de condicionamento ambiente – maioritariamente de aquecimento - ficava dependente de sistemas complementares da habitação, de uso necessariamente dispendioso. O crescimento económico originado pela entrada do país na então CEE (1986) e a baixa dos preços dos sistemas de arrefecimento generalizaram a implantação destes sistemas – primeiro nos edifícios de serviços, depois nas habitações particulares - e agravaram ainda mais os consumos energéticos despendidos na climatização.
O primeiro esforço do Estado para regulamentar a qualidade térmica das construções data de 1990. O denominado Regulamento das Características de Comportamento Térmico dos Edifícios (RCCTE) constituiu uma primeira abordagem à problemática do denominado – e quantificado – conforto térmico, assumindo, logo no preâmbulo, um carácter de exigência mediana, fruto da novidade que constituía para o meio da construção e para o nível de riqueza da sociedade onde iria legislar. Mais do que impor regras definitivas, o RCCTE procurava educar: educar o consumidor nos direitos de conforto que olhe assistiam, educar o promotor nos níveis de qualidade mínimos a que deveriam obedecer os seus produtos imobiliários, educar o projectista no tipo de soluções que passariam a ser indispensáveis nos seus trabalhos.
Começou assim, uma subtil mas gradual alteração da paisagem da construção em Portugal. Deixou de ser possível construir as paredes exteriores do edifício com apenas um pano de tijolo – a norma passou a ser dois panos de tijolo com caixa de ar intermédia, frequentemente – e desejavelmente – preenchida com um material com boa inércia térmica. Passou a tentar garantir-se uma uniformidade de resposta nas fachadas e empenas, de modo a evitar pontes térmicas, propiciadoras de humidades localizadas. Foi dada uma muito maior atenção às janelas, aumentando o recurso a vidros duplos e a estores termicamente melhorados.
Em paralelo, houve uma mini-revolução no modo de pensar alguns aspectos da arquitectura. Durante muitos anos o paradigma que conduzia o modo de pensar a implantação de um edifício – paralelamente às condicionantes da topografia e da direcção dos ventos – era o de orientar a construção no sentido nascente-poente, de modo a maximizar a sua exposição solar. Ainda que, de alguma forma, “saudável” – o calor minimiza humidades, evita insalubridades – este pensamento era próprio de países com déficit solar no seu clima, países do Norte da Europa, sujeitos a Invernos rigorosos e Verões passageiros. Portugal, ao invés, tem em média, Invernos medianamente suaves (sem grande prevalência de temperaturas negativas) e Verões rigorosos. Abrir a casa ao sol é condená-la a temperaturas muito para lá do desconfortável no Verão e a uma penumbra quase total durante o dia para as minimizar. Pelo contrário, a exposição a Sul, com palas bem dimensionadas sobre as janelas permite que o calor solar seja aproveitado quando é necessário e evitado quando dispensável.
Nesta quinzena de anos adaptou-se o país a esta alteração de paradigma: o conforto térmico não é um luxo, privilégio de alguns que podem pagar o acréscimo de custo que a sua existência justificará, antes o conforto térmico é um direito de todos. Considerar que uma habitação deverá apresentar níveis mínimos de inércia térmica passou a ser tão natural como esperar que a mesma seja impermeável à entrada de água da chuva, resistente à ocorrência de sismos ou provedora de serviços como o abastecimento de água potável, o escoamento de águas residuais ou o fornecimento de energia eléctrica de baixa tensão.
Quinze anos passados, a esta evolução de mentalidades, juntou-se a conjuntura económica, energética e ecológica europeia e mundial. Os compromissos assumidos pela União Europeia na assinatura do Protocolo de Quioto levaram-na a estabelecer directivas, de transcrição obrigatória para a regulamentação de cada estado-membro, relacionadas com a racionalização do consumo energético dos edifícios, residenciais e do sector terciário, aos quais se atribui mais de 40% do consumo total de energia da Comunidade.
O novo Regulamento Térmico que começou (porque se prevê uma introdução gradual) a entrar em vigor no passado dia 1 de Junho é um passo fundamental tanto na prossecução dos objectivos de redução da emissão de gases de estufa e do consumo de combustíveis como na consciencialização dos cidadãos de que uma maior exigência nos níveis de eficiência energética dos edifícios que habitam e dos equipamentos que os servem é, simultaneamente, um seu direito e um seu dever.
(continua)
3 comentários:
Muito obrigada pelo seu post e pela clareza utilizada no discurso.
O tema é actual e importantíssimo!!!
Fico a aguardar a continuação...
vou procurar a continuação :D
não há :(((((
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