sexta-feira, 10 de fevereiro de 2006

Qualidade

Dos muitos comentários que o último post suscitou, fiquei com a ideia de que uma das principais razões - se não a principal - que levaram as pessoas a querer vir habitar a Alta foi a da qualidade. Qualidade do espaço urbano (sim, aceito que, pelo menos no projectado, ela é inegável), qualidade do espaço habitacional.
E volto a repetir a pergunta que fiz então: têm a certeza da qualidade da "qualidade" do espaço habitacional?
Tenho tido, no decorrer da minha actividade profissional, a oportunidade de conhecer com algum detalhe a actividade imobiliária em alguns países - tanto no que se refere às definições de construção como aos diversos produtos imobiliários disponibilizados em relação à gama de preços. E cheguei a duas convicções: em Portugal, o que é considerado o supra-sumo da qualidade - o "luxo" - é poeira para os olhos de quem tem muito dinheiro para gastar e poucas exigências para viver; a relação preço/qualidade de construção (mensurável fisicamente) é altamente deficitária.
O que é considerado luxuoso nos outros países não existe em Portugal e, inversamente, o que é considerado "de luxo" em Portugal não valeria dois caracois em mercados mais exigentes.
Por outro lado, pagam-se como excepcionais, características que são consideradas quase corriqueiras noutros países.
Porque é que se valoriza tanto um sistema de condicionamento térmico quando até já há legislação que impõe capacidades mínimas de inércia térmica aos edifícios que - a ser efectivamente seguida - quase o tornariam dispensável? E porque é que vidros duplos, caixas de ar revestidas com isolamento térmico e acústico, pavimentos flutuantes são referidos como excepções a ser devidamente realçadas? O facto da estrutura ser em betão ou os prédios terem elevador ou canalização de gás é-o?
Acresce que, o facto de existirem estes componentes não assegura que o funcionamento dessas infra-estruturas seja o desejado. Em Portugal constroi-se cada vez mais desleixadamente.
E para que não venham já dizer que estou a exagerar pergunto-vos: nas vossas casas novas da Alta já tiveram ocasião de apreciar as qualidades vocais de um dos vossos vizinhos (de cima, de baixo, do lado)? as conversas no átrio do vosso piso? o levantar voo de um avião na Portela (tudo isto evidentemente de portas e janelas fechadas)? Já tiveram de ir a correr aumentar o fluxo de ar ou de água quente no sistema de aquecimento ambiente porque, ao amanhecer, sentiram especial relutância em circular de pijama pela casa? E num outro plano, nunca terão ido em desespero pedir encarecidamente ao vizinho de baixo para desligar a lareira porque o ar na vossa sala se aproximava rapidamente do irrespirável? Nunca descobriram com surpresa uma preocupante ausência de ligação do esquentador à conduta de evacuação de ar da cozinha? Ou sentiram uma zoada nos ouvidos devida ao barulho do exaustor automático da cozinha...? Nunca tiveram as portas completamente arruinadas devido às infiltrações de água vindas do andar de cima porque, devido à inexistência de um tubo de fuga, a água acumulada na varanda acabou por inundar todo o apartamento? OU - caricatura das caricaturas - acharam que era um exagero de salubridade usar-se água quente no autoclismo?
Não, não estou a inventar. Tudo isto são casos passados em casa de amigos e, à excepção de um, todos em edifícios do admirável sítio novo... É que se constroi mesmo com duas mãos esquerdas em Portugal.

4 comentários:

Unknown disse...

Pois é Pedro, tenho que concordar! Na verdade não me posso queixar do isolamento acustico, lareira não tenho, e infiltrações também ainda não houve. Mas a qualidade dos acabamentos é, sem dúvida, duvidosa. E desleixo é a palavra certa. O isolamento térmico tb não é grande coisa.

E além da costrução, há as opções arquitectónicas que não se compreendem. A já discutida questão da ausência de estendais, a ausencia de estores em janelas envidraçadas enormes, sem pré-istalação de ar condicionado, etc.

É o que há por Portugal. Vários amigos se queixam do mesmo tipo de coisas, seja em casas novas ou em obras recentes, em vários sítios, não só aqui.

E quando andei à procura de casa por vários sítios de LX, já há uns anos, antes de aqui vir parar, juntei alguns quantos comentários dos construtores que deixam sempre as pessoas de boca aberta.

Enfim.

Rodrigo Bastos disse...

Estamos em Portugal, é isto que somos e temos. Temos de melhorar? sempre!!!

O conceito de qualidade e luxo é variável e o gosto sempre discutível. Quanto às comparações, acho que muitas vezes se tornam levianas...

Ninguém no seu perfeito juizo, investe no que sabe que não pode vender... Esta última frase não diz muito?

Tiago disse...

Caro Nuno Machado,

Parte das críticas que faz ao Pedro não as vou refutar porque sei que ele, se quiser, fa-lo-á melhor que eu.

Quanto ao erro de casting, se está a questionar a inclusão dele neste blog, cabe-me esclarecer que o convite ao Pedro para colaborar foi de minha iniciativa, apesar de não ser, nem actualmente nem futuramente, um morador da Alta de Lisboa. O convite foi feito com base numa série de qualidades que achei interessantes acrescentar ao blog, entre elas a capacidade de análise, o gosto pela polémica e argumentação fundamentada. Além disso, considero que não é possível entender e debater a Alta de Lisboa sem perceber a cidade onde esta se insere, sem perceber os fenómenos urbanísticos, económicos e sociais que se vivem em Portugal hoje em dia. Alargar o âmbito de discussão e problemática do blog é uma vantagem para todos os que o lêem e participam.

Concordo que não é agradável ver por dois post consecutivos as nossas convicções e credos postos em causa. Abala as nossas convicções, devolve-nos a incerteza, a insegurança. Mas se em vez de reagirmos com agressividade tentarmos debater os assuntos usando apenas argumentos intrínsecos à discussão pode ser que as conclusões a que cheguemos nos dêem certezas maiores dos que as que já tínhamos acerca da escolha feita ou ainda a fazer.

É claro que é muito mais fácil não pensarmos nas questões incómodas, mas o resultado de uma boa reflexão é sempre enriquecedor.

E, francamente, estes dois assuntos trazidos recentemente só vêem valorizar o nível da nossa discussão. Se os pontos de vista apresentados estão errados, será certamente fácil refutá-los.

Rodrigo Bastos disse...

Caro Nuno Machado,

As participações\afirmações (sejam elas em comment ou em post), são sempre da exclusiva responsabilidade de quem as faz :))).

A divergência de opinião quando discutida nestes moldes, não deve ser vista de uma forma negativa mas sim como algo que deve ser potênciado e que nos trará -na minha opinião- sempre valor acrescentado.