O que vemos nós quando olhamos para a Baixa/Chiado? Que sentimentos nos inspira, que sentidos provoca? A nostalgia da memória, dos fulgores passados, do brilhantismo de ser o centro da cidade, de ser dentro dos seus limites que se construía toda a história do país? A indiferença com que a utilizamos como ponto de passagem? O desconsolo com que olhamos os abandonados andares superiores ou as decadentes lojas?
Mais do que um presente – muito menos que um futuro... -, a todos a Baixa evoca um passado. E, perante este passado – nobre de pergaminhos, prenhe de vivências -, perante este presente – atordoado, melancólico, tristonho fulgor baço de cidade a fenecer – surge-nos a pergunta: Baixa de Lisboa, que futuro?
Para falar de um futuro possível torna-se imprescindível estabelecer esta premissa: a “Baixa” que conhecemos é irrecriável, é irrepetível. Perante a evolução do mercado da habitação, do comércio, da própria cidade, como pretender tornar a restituir-lhe o lugar central que já foi o seu? Proibindo e demolindo centros comerciais e hipermercados? Comprando e demolindo os edifícios de habitação da periferia de modo a criar uma nova apetência pela habitação local?
Não sendo o retorno ao passado uma opção, claro se torna que o que é necessário é inventar uma nova função para a Baixa, uma resposta não ao nosso sentido nostálgico, historicista ou artístico, antes um futuro que, ao criar condições de auto-sustentação para a zona, tenha em conta e, principalmente, viabilize essa mais-valia que constitui a sua singularidade artística (que constitui um referente mundial), histórica (no contexto do desenvolvimento da cidade) e nostálgica (porque uma população que conhece bem o seu passado, com mais segurança administrará o seu futuro).
Que futuros se perfilam então como alternativas viáveis?
Tivéssemos nós o cinismo pragmático dos americanos e o caminho mais óbvio seria o da transformação de toda a zona num gigantesco parque temático totalmente orientado para o turismo, com o comércio exclusivamente em produtos “typical” e variantes de recordações ad nauseum, metade dos edifícios transformados em casas-museu de alguma coisa e a outra metade ocupada por hotéis para todas as estrelas. É esta de resto (de um modo mais ou menos assumido, mais ou menos reflectido) a posição de todos aqueles que defendem a expulsão dos ministérios da Praça do Comércio (fortemente nostálgicos do seu passado de “Terreiro do Paço” e esquecendo a intencionalidade da nova toponímia escolhida pelo Marquês).
A Baixa tornar-se-ia assim numa espécie de cruzamento entre uma Disneylândia feérica e uma Veneza cultíssima, uma máquina registadora facturante que devolveria ao local os tempos perdidos de leite e mel, a áurea animação própria das novas cidades do terceiro milénio. Esquecem estes entusiasmados futuros o quão mortos são estes lugares nos intervalos da festa. A Baixa é um pedaço de cidade que não se pode encerrar entre a partida do último visitante da noite e a chegada do primeiro da manhã. E uma cidade, por mais dinheiro que o afluxo turístico lhe possa trazer (e que é bem vindo) vive de, e para os seus habitantes. Não vive sem habitantes.
Se a resposta não passa por aqui, menos passará pela tentação que lhe é antagónica e que é a que tem sido perseguida pela Câmara Municipal nos dois últimos decénios nos Bairros Históricos. Uma reabilitação que procura manter – em versão renovada – o status quo sociológico existente (e como se pode falar nesses termos numa zona rarefeita de fogos habitados e quase sem vínculos de vizinhança?) mantém a ausência de auto-sustentabilidade. Seria, mais uma vez, procurar com ferramentas velhas atingir resultados diversos dos alcançados até agora.
Mais do que um presente – muito menos que um futuro... -, a todos a Baixa evoca um passado. E, perante este passado – nobre de pergaminhos, prenhe de vivências -, perante este presente – atordoado, melancólico, tristonho fulgor baço de cidade a fenecer – surge-nos a pergunta: Baixa de Lisboa, que futuro?
Para falar de um futuro possível torna-se imprescindível estabelecer esta premissa: a “Baixa” que conhecemos é irrecriável, é irrepetível. Perante a evolução do mercado da habitação, do comércio, da própria cidade, como pretender tornar a restituir-lhe o lugar central que já foi o seu? Proibindo e demolindo centros comerciais e hipermercados? Comprando e demolindo os edifícios de habitação da periferia de modo a criar uma nova apetência pela habitação local?
Não sendo o retorno ao passado uma opção, claro se torna que o que é necessário é inventar uma nova função para a Baixa, uma resposta não ao nosso sentido nostálgico, historicista ou artístico, antes um futuro que, ao criar condições de auto-sustentação para a zona, tenha em conta e, principalmente, viabilize essa mais-valia que constitui a sua singularidade artística (que constitui um referente mundial), histórica (no contexto do desenvolvimento da cidade) e nostálgica (porque uma população que conhece bem o seu passado, com mais segurança administrará o seu futuro).
Que futuros se perfilam então como alternativas viáveis?
Tivéssemos nós o cinismo pragmático dos americanos e o caminho mais óbvio seria o da transformação de toda a zona num gigantesco parque temático totalmente orientado para o turismo, com o comércio exclusivamente em produtos “typical” e variantes de recordações ad nauseum, metade dos edifícios transformados em casas-museu de alguma coisa e a outra metade ocupada por hotéis para todas as estrelas. É esta de resto (de um modo mais ou menos assumido, mais ou menos reflectido) a posição de todos aqueles que defendem a expulsão dos ministérios da Praça do Comércio (fortemente nostálgicos do seu passado de “Terreiro do Paço” e esquecendo a intencionalidade da nova toponímia escolhida pelo Marquês).
A Baixa tornar-se-ia assim numa espécie de cruzamento entre uma Disneylândia feérica e uma Veneza cultíssima, uma máquina registadora facturante que devolveria ao local os tempos perdidos de leite e mel, a áurea animação própria das novas cidades do terceiro milénio. Esquecem estes entusiasmados futuros o quão mortos são estes lugares nos intervalos da festa. A Baixa é um pedaço de cidade que não se pode encerrar entre a partida do último visitante da noite e a chegada do primeiro da manhã. E uma cidade, por mais dinheiro que o afluxo turístico lhe possa trazer (e que é bem vindo) vive de, e para os seus habitantes. Não vive sem habitantes.
Se a resposta não passa por aqui, menos passará pela tentação que lhe é antagónica e que é a que tem sido perseguida pela Câmara Municipal nos dois últimos decénios nos Bairros Históricos. Uma reabilitação que procura manter – em versão renovada – o status quo sociológico existente (e como se pode falar nesses termos numa zona rarefeita de fogos habitados e quase sem vínculos de vizinhança?) mantém a ausência de auto-sustentabilidade. Seria, mais uma vez, procurar com ferramentas velhas atingir resultados diversos dos alcançados até agora.
Que solução se propõe então?
Devemos antes de mais reconhecer que numa cidade não há zonas estanques. Que todas as acções que se decidem para uma área terão forçosamente repercussões no restante tecido urbano. Logo, qualquer conjunto de decisões deverá ser tomado considerando a cidade como um todo.
Qualquer decisão para a Baixa/Chiado deverá ser tomada considerando a ideia de cidade que se pretende implantar.
A Baixa como uma peça de um organismo.
Porque não reformular a pergunta e dizer antes,
QUE FUTURO PARA LISBOA E QUAL O PAPEL DA BAIXA/CHIADO NESSE FUTURO?
A Baixa como uma peça de um organismo.
Porque não reformular a pergunta e dizer antes,
QUE FUTURO PARA LISBOA E QUAL O PAPEL DA BAIXA/CHIADO NESSE FUTURO?
11 comentários:
Preparava-me para lhe perguntar o que tinha este post a ver com a Alta de Lisboa, Pedro, mas depois li o final e percebi. O futuro da Alta de Lisboa depende das decisões que forem tomadas para a Baixa? Corremos todos o risco de viver para sempre ao lado de terrenos baldios onde antes se tinha imaginado edifícios de habitação, escritórios e modernos hotéis, se a CML opuser ao desinteresse que mostra pela Alta um enorme entusiasmo pela reabilitação da Baixa?
Depois destes anos de blog seria de esperar um pouco mais de receptividade dos nossos queridos leitores à ideia de que tudo tem a ver com tudo e de que nem nós vivemos numa redoma, nem o mundo gira sem nos afectar.
É precisamente esse erro que tem infectado os nossos decisores municipais ao insistirem em usar medidas casuísticas e desligadas de uma concepção global da cidade na pretensa resolução dos problemas locais.
Quanto mais não fosse pela dimensão do mercado e pelo seu encurtamento gradual, torna-se óbvio que a implementação de uma política agressiva de oferta de habitação na zona da Baixa, sem contemplar complementaridades com outras zonas da cidade, levaria à diminuição da já em recessão procura na Alta.
Por outro lado, a falta de orçamento e de sensibilidade para o potencial de futuro que a Alta encerra (que é real; qual é a pressão que os dirigentes da Câmara sentem em cumprir os acordos agora que os realojamentos estão concluídos e está afastado o perigo de manifestações na Praça do Município a favor do fim das barracas?) torna claro que a afectação de verbas municipais para a Baixa implicará a desafectação das mesmas em áreas estáveis e pouco mediáticas.
Mais não fosse e só por isto a Baixa teria tudo a ver com a Alta.
Mas também há a solidariedade que devemos aos nossos concidadãos, o interesse que os problemas da nossa cidade nos devem provocar, a vontade de conhecimento que devemos ter pelo mundo que existe para além do nosso umbigo...
Não serão motivos suficientes para além do expresso no parágrafo final do texto?
Mas deixe-me concluir de uma forma mais utópica (que, como se sabe, é a forma mais feliz de terminarmos um texto, ainda que essa felicidade seja de consumo demasiado rápido...): o futuro da Alta está, obviamente, nas nossas mãos, na nossa capacidade de sermos proactivos e actuantes, na nossa capacidade de, mais do que nos manifestarmos avenida abaixo - ainda que seja essa a linguagem que os políticos portugueses melhor entendam - propormos medidas, ensaiarmos cidadania, construirmos nós próprios o que os organismos públicos por inépcia ou má vontade serão incapazes de fazer. Caso contrário, não nos restará outra escolha que não seja sentarmo-nos à janela e queixarmo-nos... "deles".
Agradecido pela pergunta!
"Tivéssemos nós o cinismo pragmático dos americanos e o caminho mais óbvio seria o da transformação de toda a zona num gigantesco parque temático totalmente orientado para o turismo, com o comércio exclusivamente em produtos “typical” e variantes de recordações ad nauseum, metade dos edifícios transformados em casas-museu de alguma coisa e a outra metade ocupada por hotéis para todas as estrelas."
Pedro,
Admito ja' o que o meu nivel de tolerancia para criticas aos Estados Unidos e' baixo, sobretudo se injustas. A verdade e' que nos EUA as cidades que mais turismo tem sao aquelas que sao mais vivas e com maior dinamismo economico, social e cultural. Nova Iorque, Sao Francisco, LA, Chicago, Seatle, Denver e Boston sao apenas alguns exemplos. E mesmo os paradigmas da cidade "parque tematico", Las Vegas e Orlando, que foram criadas a partir do nada como "parques tematicos", sao agora das mais dinamicas cidades no pais, com taxas de crescimento economico muito altas e com uma forte diversivicacao das actividades.
Por outro lado, tambem temos muito a aprender com as cidades que estao a morrer nos Estados Unidos, por exemplo, Detroit e Buffalo. Dependentes de actividades economicas em decadencia (industria automovel), geridas por politicos incompetentes e com uma enorme populacao economicamente dependente do estado (rendimento minimo). E Portugal esta' agora a seguir algumas das politicas que foram seguidas aqui ha 30 anos e que estao na causa destes problemas. (Para mais sobre este assunto fazer um Wikipedia sobre Daniel Patrick Moynihan).
Eu diria que o verdadeiro cinismo (e nada pragmatico) esta nas forcas politicas responsaveis pela historia recente e pelo presente da Baixa, que prejudicada pelo congelamento das rendas, ve agora a"salvacao" num grande programa de reabilitacao com base em despesa publica. Ou melhor, num emprestimo que eventualmente sera pago pelos contribuintes (ou por outros emprestimos pelo meio ate ao dia do pagamento final).
PD
do WSJ
The Portugal Study:
How EU Rules
Curbed Growth
Policies to Reduce Budget Deficit Hurt Spending
By ADAM COHEN
March 10, 2008; Page A10B
LISBON -- While financial-market turmoil tramples economic growth on both sides of the Atlantic, European Union policy makers are pushing countries to keep their budget deficits in check. But Portugal's recent economic problems offer a cautionary tale.
The key question is whether governments should spend liberally and cut taxes to fight off an economic downturn. U.S. policy makers recently embraced this approach, enacting a $168 billion fiscal-stimulus package to try to stave off recession.
EU officials, including European Central Bank President Jean-Claude Trichet, say fiscal policy shouldn't be used to tweak economic growth. They insist that rules capping countries' budget deficits are needed to keep inflation in check and ensure the smooth functioning of the euro. They also want countries using the euro to balance their budgets by 2010.
Several countries are resisting this pressure. France has cut taxes to spur faster economic growth, and Spain is crafting a fiscal-stimulus plan to counter the collapse of its construction sector. In the U.K., which will detail a new budget March 12, Chancellor of the Exchequer Alistair Darling has said the government's spending plans will be aimed at boosting economic growth.
Portugal's recent economic record is a case study in how fiscal austerity can pummel economic growth. When the EU economy started to recover from a lengthy slump three years ago, Portugal's budget deficit was 6.1% of its gross domestic product, well above the EU's 3% limit. The EU censured Portugal and threatened fines, forcing the government to curb spending and raise sales taxes to close its budget gap. Portugal brought its budget deficit down to 3% of GDP last year and is on track for an even smaller shortfall this year.
But obeying EU rules cost the country economic vigor. In 2006, economic growth averaged 3% across the then-25-country bloc. By contrast, Portugal's economy grew only 1.3%.
"Our restrictive fiscal policy, aimed at reducing the budget deficit...had a negative impact on economic growth," Portugal Finance Minister Fernando Teixeira dos Santos said in an interview last week.
Over the longer term, prudent budget policies promote stable and sustained economic growth, Mr. Teixeira dos Santos said. He added, though, that when the country's finances are in line with EU rules, he will consider cutting taxes to promote more consumer spending.
"Any politician would be willing to cut taxes," he said. "We are monitoring the situation to see when we can do it."
Increased value-added taxes, aimed at boosting government revenue, took a bite out of consumer spending in Portugal. Between 2005 and 2007, Portugal raised its VAT rate to 21% from 17%. During that period, consumer spending grew an estimated 5.7%, down from the 10% growth seen in the previous two-year period, according to data from Eurostat, the EU's statistics agency.
At the Colombo shopping mall on the fringes of Lisbon, higher taxes have had an obvious impact, shopkeepers say. People linger in the mall's air conditioning on hot days and buy small items but hesitate when it comes to big purchases.
"You raise taxes, and people spend less; it isn't a surprise," said Mário Saravia, deputy manager at the mall's Bang & Olufsen store, where stereo systems and flat-screen televisions cost thousands of euros.
Portugal is, too, suffering from the global financial-market turmoil. But unlike most other countries that use the euro, Portugal didn't enter the crisis with two years of solid economic growth in the bank, according to Francisco Barros Castro, the country's representative in Brussels for economic matters.
Portugal's central bank in January cut its outlook for economic growth this year to 2% from the 2.2% it had expected previously. But if the European Commission's latest forecasts are any indication, the country's growth rate might be even slower. For the 15 countries that use the euro, the commission last month cut its average expected growth rate to 1.8% from the 2.2% it had predicted in November.
For most EU countries, the economic upswing over the past few years helped boost tax receipts, easing budget deficits. Other countries, including Italy and Greece, cut spending to lower their budget gaps. All 15 countries that use the euro now have budget deficits below the bloc's 3% limit.
But for conservative-minded EU policy makers, that level seems immodest. The ECB and the European Commission, the EU's executive arm, pushed euro-zone countries last spring to agree to balance their budgets by 2010. That was when the economy was humming along nicely. Since then, the picture has changed, with fallout from bad subprime mortgages diminishing growth prospects.
The U.S. responded with its stimulus package. The head of the International Monetary Fund, an organization that for years has preached about small government budget deficits, said fiscal stimulus should be used to abbreviate the current economic downturn. But the ECB and the commission say countries should stick to their balanced-budget pact.
"We have different conditions, so we don't need to copy the [U.S.]," the commission's top economic official, Joaquin Almunia, said recently.
France has rebelled, saying poor economic conditions could delay its balanced budget until 2012. Since France isn't at risk of breaching the EU's 3%-of-GDP ceiling -- its budget gap is expected to be 2.6% of GDP this year -- it won't face sanctions or fines.
--Filipa Cunha contributed to this article.
Write to Adam Cohen at adam.cohen@dowjones.com
Pedro, com essa cena do pensamento lateral, nunca acertas na bolha.
in "O Estrábico"
:-) boa, etasbicro!
PD, esse nível baixo de tolerância é mau acompanhante para quem lê as coisas na diagonal. Se bem conheço alguma coisa das cidades americanas citadas elas não são exemplo para contrapôr à minha afirmação porque, simplesmente, não têm nada a ver com o que eu afirmei nessa frase. Nenhuma das primeiras (excluindo-se naturalmente Las Vegas e Orlando e esses são cidades sem História)foi construída a pensar nos turistas - inversamente, o turismo vem por acréscimo do seu desenvolvimento como cidade, da sua pujança económica, da sua multifacetada etnicidade, do dinamismo cultural. E por isso, a servir de exemplo, serviriam para validar o que eu apresentei mais adiante como política a seguir: " (...)necessário é inventar uma nova função para a Baixa, uma resposta não ao nosso sentido nostálgico, historicista ou artístico, antes um futuro que, ao criar condições de auto-sustentação para a zona, tenha em conta e, principalmente, viabilize essa mais-valia que constitui a sua singularidade artística (que constitui um referente mundial), histórica (no contexto do desenvolvimento da cidade) e nostálgica (porque uma população que conhece bem o seu passado, com mais segurança administrará o seu futuro)."
Quanto à pretensa ofensa ao espírito americano, não se ofenda. Se já tiver ido a um dos theme parks da Disney, perceberá com certeza a imagem - "aquilo" são cidades? São geradores enormes de dinheiro - mas são espaços urbanos? Percebe? Querer olhar para a Baixa como a vaca de onde se mugirão euros e euros pode ser economicamente muito apetecível (e, a ser gerido "à americana", será) mas matará irremediavelmente a Baixa como espaço urbano. Pelas razões que apontei no texto e que me dispenso de repetir. Mas se o desgosta tanto aludir à América que tão bem o acolhe, pense em Veneza. Já lá esteve? No meio das multidões de olhos no ar e boca aberta de espanto? E à noite? Percebeu o museu morto em que aquilo se transforma? Sabe a reduzidíssima percentagem de edifícios que ainda são habitados? Compreende porque é que a maior parte deles apresenta um ar tão ou mais decadente que os dos nossos bairros históricos? É isso que a Baixa merece? Se calhar é...
Quanto ao "verdadeiro cinismo" que identifica, duas pequenas notas. As rendas congeladas não o foram só depois do 25 de Abril, começaram nos anos 40 na vigência do governo do Dr. Salazar. E, face, à incultura da maior parte dos nossos promotores imobiliários, à intervenção orientada exclusivamente para o lucro imediato que todos têm, à ausência do espírito cívico (e de uma verdadeira política de mecenato) que muitos enformam - e também à desconfiança recíproca com que teóricos e práticos, investidores e burocratas, público e privado se enfrentam -, não vejo outra saída que não seja a de as decisões de intervenção urbanística serem colocadas exclusivamente nas mãos das entidades públicas. Com o necessário sentido da realidade.
"...não vejo outra saída que não seja a de as decisões de intervenção urbanística serem colocadas exclusivamente nas mãos das entidades públicas. Com o necessário sentido da realidade."
Pedro, eu poria esta frase ao contrario. Diria antes que "o necessário sentido da realidade" so' desaconselharia "as decisões de intervenção urbanística serem colocadas exclusivamente nas mãos das entidades públicas."
Mas ja' agora podia explicar melhor o que pretende dizer com a dita frase. Que a industria da construcao civil deve ser nacionalizada ? Ou municipalizada ?
Desde Krus Abecassis, nao houve um unico presidente que nao se tenha aproveitado da CML para preparar outras ambicoes politicas. Sampaio, Joao Soares e Santana nao resistiram a "apresentar obra" rapidamente para ganharem respeito e eleicoes, deixando dividas para serem pagas posteriormente por outros. Estou agora completamente convencido que Antonio Costa nao e' diferente. O que ele esta' a fazer em Lisboa e' apenas preparar a sua eleicao como primeiro ministro num governo PS pos-Socrates que tambem sera' apoiado pelo BE. Provavelmente ja' em 2009.
Agora Pedro, como e' que o Pedro ainda pode depositar tantas esperancas nas instituicoes publicas, sobretudo na CML ?
Ja pelo menos obteve resposta da CML 'a sua/vossa carta ?
PD
Não percebo o que é que a indústria da construção civil tem a ver com as decisões de intervenção urbanística. Ou melhor, não percebo porque é que as decisões de intervenção urbanística - normativas - precisam de ser em simultâneo executivas. Mas isso deve ser do adiantado da hora.
Até aos anos 70 era das câmaras o exclusivo do traçado urbano. Não me consta que, em Lisboa, o papel tenha sido mal desempenhado pelas diversas direcções. Começando na Baixa e acabando em Telheiras - considerando a conjuntura teórica e a época histórica - até o considero um muito bom trabalho, especialmente se compararmos com aberrações urbanísticas como Benfica ou a zona entre a Norte-Sul e a estrada da Luz, só para citar algumas e não indo buscar os extensos exemplos dos concelhos vizinhos, onde abundam intervenções desenhadas a mando dos seus amados e liberalizadores "construtores civis".
Relativamente à esperança nas instituições públicas, não percebo se fala dos que nelas trabalham - nas câmaras, nas escolas, no Estado - se das mesmas enquanto entidades abstratas. Digo-lhe apesar disso que, se a não tivesse, ou pegava em armas para as eliminar ou emigrava. De vez.
Quanto à nossa carta, já sim senhor, começaram a chegar as respostas. Ainda hoje tivemos a do Arq. Manuel Salgado. E, como pode antever no post publicado, não foi de blabla.
Pedro,
So' espero que o Pedro tenha razao na sua esperanca na CML, no Arq. Salgado, etc. Sao os meus desejos sinceros.
PD
PD,
Já vi que, lá no fundo, lá no fundo, ainda mantém a esperança de estar enganado. Ainda bem, que esta vida não se leva sem esperanças, sem sonhos, sem luta.
Espero que, quando voltar, traga consigo a vontade de intervir que tem demonstrado por este blog e contribua activamente para a melhoria da cidade que também é sua, do bairro que também é seu, das instituições que também serão suas. Boa cidadania e vá recolhendo dados sobre a intervenção privada desse lado daí de modo a aperfeiçoarmos o nosso lado de cá!
"Tivéssemos nós o cinismo pragmático dos americanos e o caminho mais óbvio seria o da transformação de toda a zona num gigantesco parque temático totalmente orientado para o turismo, com o comércio exclusivamente em produtos “typical” e variantes de recordações ad nauseum, metade dos edifícios transformados em casas-museu de alguma coisa e a outra metade ocupada por hotéis para todas as estrelas. É esta de resto (de um modo mais ou menos assumido, mais ou menos reflectido) a posição de todos aqueles que defendem a expulsão dos ministérios da Praça do Comércio (fortemente nostálgicos do seu passado de “Terreiro do Paço” e esquecendo a intencionalidade da nova toponímia escolhida pelo Marquês)."
É por causa de afirmações demagógicas destas que existe tanta utopia dos cidadãos e tão pouca responsabilidade por parte dos poderes públicos.
1 -Só quem nunca trabalhou num ministério da Baixa pode defender a sua manutenção naquele local: sã edifícios pouco funcionais, cujo r/c alaga quando cheve mais fortemente, sem estacionamento para os cidadãos que aí se deslocam ou funcionários que aí trabalham. Para além do perigo de derrocada em caso de catástrofe natural implicar com ministérios críticos do Estado como o das finanças, justiça e administração interna...
2- É claro o desinvestimento político na Alta (é um projecto de K Abecassis, é «passado»...). O investimento da elite política é centrado nos cidadãos celibatários endinheirados - gente sem filhos e com dinheiro.
É mentira que queiram devolver a cidade às famílias (as tais que precisam de espaços verdes mais do que espaços nocturnos), isso está patente nos impostos camarários que incidem sobre a habitação feita para essas famílias.
Depois queixam-se que não há eleitores (não interessa contar os vivos e os mortos).
3 - Por isso importa fazer a tal freguesia da Alta que nos dê voto = voz.
4 - Por isso era interessante aliar um grande projecto de arquitectura à cidade do governo na futura Portela. Isso, por si, atrairia dinâmica e vida à Alta.
5 - Com ou sem serviços públicos na Baixa (diria, sobretudo «sem») os turistas sempre farão dela um ponto obrigatório (ninguém vai a Paris ver o Eliseu...).
PS1: Sou verdadeiramente apolítico (reformado insomne), apesar de apreciar o «civismo militante» do blogue, num ou noutro sentido.
PS2: O Pedro acredita muito no que dizem os vereadores, deve ser da sua juventude...
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