terça-feira, 12 de junho de 2007

Lx2007 - Cidadania (IV) - As perguntas

E à terceira semana, uma resposta. Não sei se era necessário tempo às candidaturas para sedimentarem as suas ideias (ou para arranjar ideias) se, como alguém anonimamente comentou, era o que faltava um candidato responder a qualquer marmelo que lhe apetecesse fazer perguntas ou se,a pressão feita por um blog com alguma audiência vale muito mais do que o mail de um não-conhecido.

O que é um facto é que tivemos as primeiras respostas. Manuel João Ramos, presidente da ACA-M (Associação de Cidadão Auto-Mobilizados) e membro da candidatura Cidadãos por Lisboa, deixou nos comentários do post original a sua visão para a solução de alguns dos problemas subjacentes no nosso questionário.

Não sei se a sua posição corresponde à posição oficial da candidatura; antagónica não será com certeza. É, mais do que um contributo inicial, um contributo muito importante para se perceber em que águas navega esta candidatura, nomeadamente no que respeita à relação dos habitantes da cidade com o trânsito automóvel e, por tabela, nas consequências que, caso levadas à prática, essas ideias teriam no urbanismo da cidade. Não posso deixar de concordar com algumas ainda que considere que, noutros casos, estão tão desligadas da realidade que as considero um "wishfull thinking" bem-intencionado mas completamente... lírico. De realçar a sua negativa visão da Alta de Lisboa ainda que laborando sobre um erro (o de que a Alta foi pensada como um dormitório, esquecendo as áreas pensadas para comércio e serviços - mas aí a SGAL pode sempre rebater por mim). E, aparentemente, caso a sua candidatura ganhe as eleições, não haverá obras no nó da 2ª Circular (pelo menos é o que depreendo da sua resposta).

Porque o seu lugar é num post autónomo e bem situado no presente para aqui as translado com, desculpem-me a pretensão, alguns comentários.

Mais uma vez obrigado, Manuel João, tanto pela disponibilidade como pelo empenho cívico que tem amplamente demonstrado na ACA-M!

Concorda com a eliminação do aeroporto na cidade? Porquê? Poderia o mesmo ser mantido em Lisboa? Em que circunstâncias e quais as medidas a tomar? O que fazer com o terreno deixado vago pelas instalações caso o Governo não entenda manter Figo Maduro? Está disposto a comprometer-se com a solução apresentada, propondo desde já, caso vença as eleições a necessária alteração do PDM?

A candidatura Cidadãos Por Lisboa já se pronunciou desfavoravelmente à decisão de encerrar o aeroporto da Portela. Na nossa opinião, o aeroporto deve ser mantido, aumento o seu nível de operacionalidade, e criado um aeroporto secundário para vôos de low cost. Face às incertezas que rodeiam a crise petrolífera mundial, encerrar a Portela para lançar obras faraónicas cuja eventual viabilidade assenta na miragem do aumento do número de vôos daqui a vinte anos é de uma tremenda irresponsabilidade.Em relação à crise petrolífera, há uma só certeza: é que o petróleo é finito e vai acabar mais cedo ou mais tarde (15 anos? 30 anos?). O transporte aéreo será fortemente afectado por esta escassez: os combóios e automóveis podem circular a electricidade, os navios podem circular a carvão, nuclear e/ou vento, mas ainda não foi descoberta alternativa viável ao fuel para fazer voar os aviões.A urgência, em termos de ligações internacionais, deve ir para a ligação ferroviária de Lisboa às linhas de alta velocidade e velocidade elevada europeias, por Madrid, num primeiro momento, tanto para passageiros como para carga.A telenovela da Ota impede que sejam tomadas decisões estruturais fundamentais sobre ligações ferroviárias. Lisboa precisa de uma nova estação central, na linha de cintura (eventualmente, em Chelas-Olaias), bem como ligação da linha de Cascais à linha de cintura.

Mas a opção Portela+1 é economica e tecnicamente viável? Mesmo este estudo da CIP, fortemente crítico da opção Ota, indica que a manutenção da Portela não é viável. Existem contas feitas e pareceres de especialistas aeronáuticos que indiquem o contrário? O petróleo vai durar muito mais do que 30 anos e as alternativas estão mais que estudadas. Inclusivé para os motores a reacção dos aviões.

Concorda com a demolição de alguns quarteirões para criação de áreas de estacionamento automóvel privado ausentes dos edifícios antigos e obrigatórias por lei nos edifícios contemporâneos?

A primazia deve ir para a redução do número de automóveis privados na cidade.

E, consequentemente, para a redução da classe média nos bairros históricos.

Concorda com a gentrificação dos bairros históricos? Em que termos – controlada pelos técnicos autárquicos, pelos instrumentos legais e financeiros definidos pela autarquia ou pelo mercado?


A gentrificação é uma operação de marketing imobiliário, que pode ser traumática para a vida da cidade. Em todo o caso, no que respeita a transportes, a gentrificação tem implicado a criação de mais estacionamento automóvel nos bairros históricos, o que é um erro dramático.

A gentrificação é uma consequência natural da evolução de uma cidade. Espaços que se transformam, que se reinventam. Coisas que nascem, coisas que deixam de existir... assim é a vida - não é todo o mundo composto de mudança? Da cristalização social e arquitectónica dos bairros históricos não parece ter saído muito mais do que uma apagada e vil tristeza... very typical para turista fotografar. Ganhou a cidade? Ganharam os habitantes? Não será melhor para todos - até para garantir a auto-sustentabilidade dos bairros - permitir a entrada de novos habitantes - com novos hábitos, com novas exigências, com mais dinheiro... - cuidando a autarquia que não se expulsem os existentes? (Não seria difícil: há muitos espaços vagos, muita da propriedade é municipal!)

Qual a sua posição face à Alta de Lisboa – considera benéfico um polo desta dimensão na periferia duma cidade com um centro cada vez mais desertificado?

Em termos de mobilidade, o problema da disparidade populacional entre o centro histórico e a coroa exterior da cidade é a falta de uma rede consistente de transporte público eficiente e apelativa. Benfica, Lumiar, Marvila e Olivais são as freguesias lisboetas que mais contribuem para o congestionamento do trânsito da cidade, na medida em que foram concebidos como uma primeira linha de dormitórios e não como pólos alternativos ao centro.

Aqui parece-me que MJR traz a discussão para o seu âmbito - o dos transportes - quando o que está em causa é um problema de planeamento. Então o problema da macrocefalia de Lisboa é não existir uma rede de transportes eficaz entre a periferia e o centro??? E se as freguesias referidas fossem auto-sustentáveis em termos de comércio e serviços o que seria do centro da cidade -um deserto?

Tenciona, em caso de eleição, inverter o, verificado actualmente, desinteresse da autarquia no cumprimento dos compromissos estabelecidos com os promotores e a sua população? Concretamente, quando avançarão as obras viárias indispensáveis a uma boa ligação com o resto da cidade e ponto fulcral na obtenção da qualidade de vida que seduziu os compradores e que, implicitamente, a CML endossou?

A boa ligação com o resto da cidade, e a obtenção de melhor qualidade de vida dos lisboetas, deve assentar na oferta de transporte alternativo ao automóvel privado, na conclusão da rede de vias dedicadas (vulgo BUS), com maiores restrições ao estacionamento, e não no continuo alargamento de vias que não faz senão aumentar a dimensão do problema do congestionamento do trânsito automóvel.

Se li bem, MJR não concorda com a realização das vias, cruzamentos e ligações previstas já que as mesmas irão potenciar o trânsito automóvel para o centro da cidade.

TRANSPORTES

O túnel do Marquês de Pombal está em funcionamento, com aparente sucesso. Quer comentar?

O sucesso é aparente. A Av. Fontes Pereira de Melo está permanentemente engarrafada, assim como a Av. Liberdade. Se e quando abrir a saída para a Av. António Augusto de Aguiar, então a parte alta desta avenida terá pressões semelhantes às que se verificam no Saldanha. O túnel do Marquês foi contruído para facilitar a entrada na cidade a partir da A5. Uma política sustentável de mobilidade urbana deve assentar na restrição da oferta de vias e não na sua duplicação. O facto de o túnel não permitir circulação de transporte público – porque a inclinação é perigosa – torna-o um equipamento que apenas serve 1) a invasão diária a partir da periferia Oeste e 2) os acessos à projectada urbanização do Quartel de Artilharia Um do promotor imobiliário João Pereira Coutinho.O túnel do Marquês foi pago pelos lisboetas para uso das periferias, porque aí é que estão os votos para as eleições legislativas.

Completamente de acordo. Só a demagogia do "túnel pago pelos lisboetas" me custa a aceitar. Não provém o grosso das receitas da CML das taxas cobradas pela emissão de licenças de construção? E essas não são pagas pelos promotores imobiliários? Então, por redução ao absurdo, o senhor Pereira Coutinho só obteve aquilo que ajudou a pagar (legalmente).

Considera que a construção de túneis no interior da cidade é um factor positivo para o fluir do trânsito automóvel e, portanto, deve ser implementada?

A construção de túneis intra-urbanos é parte de uma visão brutalista e miope da mobilidade urbana. Oferecer duplicações de vias através de desnivelamento é atraír mais trânsito. Dado que o trânsito funciona como o sistema sanguíneo do corpo, os túneis são como by-passes que vão recriar a juzante novas escleroses. Em termos de circulação pedonal, os túneis rodoviários são equipamentos agressores que impedem a fluidez das travessias de zonas nobres (entre o Campo Pequeno e Entrecampos, por exemplo, não é possível atravessar a Av. República, numa extensão de mais de 500 metros).

Sim, a construção de túneis espelha a visão "automobilistica" de cidade que os seus promotores têm - aqui não há diferenças entre Sampaio, Soares, Lopes e Carmona. O resto é demagogia. Antes da sequência de túneis Campo Pequeno-Entrecampos já existia a mesma dificuldade em atravessar a Av. da República. E a existência do túnel do Campo Pequeno melhorou substancialmente a circulação pedonal à superfície na zona - não é mais fácil agora atravessar a avenida em fente à praça de touros do que seria sem túnel? E há três passagens subterrâneas entre a Av. Berna e Entrecampos, para além de alguns semáforos. A situação do atravessamento pedonal era melhor antes?

Na sua concepção, Lisboa seria uma melhor cidade com mais área de estacionamentos no seu interior ou com mais parques dissuasores nas entradas da cidade? Onde ficariam situados esses parques – nos concelhos vizinhos ou na cidade? Concretamente em que locais? Com que dimensão? Qual o modelo de execução e gestão – concursos para concepção/construção/exploração? Abertura a propostas originárias de privados? Parcerias publico-privadas ou equivalente?

Os parques dissuasores não devem sequer ser construídos à entrada da cidade mais nos pontos de origem das grandes vagas de tráfego, ou seja, nas autarquias suburbanas. As ligações devem ser maioritariamente feitas de transporte público (comboio, autocarro). Complementarmente, mas só complementarmente, devem ser fomentados parques dissuasores nas entradas da cidade,Este tipo de decisões está dependente de concertação ao nível da area metropolitana, e de uma Autoridade Metropolitana de Transportes, que continua por nascer. O problema é que Lisboa não tem, neste momento, clout negocial face às autarquias suburbanas. Daí o interesse e a importância destas eleições: por uma vez, os destinos da cidade podem ser tratados sem cálculos demagógicos para captar o voto partidário das periferias. Nos próximos dois anos, Lisboa pode retomar, através de medidas de restrição à entrada de excesso de carros na cidade, uma posição negocial forte, de modo a suscitar multimodalidade no transporte, e futura – e imprescindível – multipolaridade de centros, nas áreas limítrofes.A atractibilidade de Lisboa, e o seu repovoamento, aumentará à medida que quem hoje prefere viver na periferia mas vir trabalhar na cidade de automóvel perceber que é mais simples passar a viver na cidade, e prescindir do automóvel.

Se houvesse mercado imobiliário de arrendamento, não tenho dúvidas de que a visão de MJR se poderia concretizar. Só que as casas foram compradas, estão hipotecadas e, neste momento, o mercado está em retracção. Do perceber que é mais simples viver na cidade ao vir viver para a cidade vai o "pequeno" salto de conseguir fazê-lo. Vende a casa do subúrbio a quem? Por que preço? E compra em Lisboa onde? Nos bairros históricos? E a gentrificação? Decide viver numa casa sem elevador, sem estacionamento e vende o carro? Quantos portugueses estão dispostos a largar a sua pobre classe média para retornarem ao lumpenproletariado?

Concorda com a introdução de portagens na entrada da cidade? No interior – restringindo o trânsito no centro? Extensivas a todos os que entram na mesma ou com excepção dos moradores?

As experiências com portagens têm sucesso misto. As “portagens” – ou condicionamento do tráfego por taxação da circulação em vez de taxação do estacionamento – funcionaram bem no centro desertificado da City de Londres, mas tem-se revelado problemático o seu alargamento ao West End. Londres estudou a questão durante 30 anos. Lisboa não produziu ainda uma linha sequer de estudos. Por outro lado, não é possível comparar os problemas de mobildiade numa megapoliscom 15 milhões de habitantes e que funciona em anéis concêntricos com uma conglomoreção de 3,5 milhões de habitantes, centrada numa cidade ribeirinha com apenas duas travessias do Tejo (que já são portajadas), e com formato de meia coroa.A decisão de fazer portagens parece ser uma solução miraculosa para evitar pensar de forma criativa, negociada e participada, na resolução do problema da insustentabilidade da invasão do trânsito automóvel pendular. Mas criar portagens onde? Na Baixa? No centro histórico? Ou estender o condicionamento às Avenidas Novas? Nunca ninguém pensou no assunto. Limitar o número de vias, aumentar a oferta e a qualidade do transporte público, criar alternativas razoáveis para o trânsito pedonal, e eventualmente aumentar o custo do estacionamento – com proibição de recarregamento do parquímetro para evitar o trânsito pendular – são para já alternativas que ainda não foram experimentadas e que são incomparavelmente mais baratas, menos controversas e menos complexas que as “portagens”. Mas qualquer decisão deve começar por ser informada, e actualmente não há informação suficiente sobre custos, eficácia e benefícios da introdução de um tal sistema.

Parabéns pela franqueza. Sabe bem, no meio de uma campanha cheia de candidatos cheios de frases pomposas sem a menor base de sustentação.

Concorda com a existência de empresas municipais? Porquê? Concorda com a manutenção das empresas municipais existentes? Quais?

A extinção da EMEL é uma possiblidade que deve ser estudada com o cuidado necessário para que o trânsito de Lisboa não volte à situação do início dos anos noventa, em que o estacionamento em segunda fila e sobre os passeios era uma tortura para os lisboetas.Tal como existe hoje, a EMEL é uma empresa municipal ineficiente, com má imagem pública, com um quadro financeiro e de gestão iníquos. Mas é possível reabilitá-la, desde que limpa do funcionariato partidário, e saneada financeiramente.

Não sei como é que vai conseguir despedir tanta gente mas força, tem o meu apoio.

Manuel João Ramos
11/06/07

14 comentários:

Anónimo disse...

Caro Pedro,

As suas contribuições são preciosas e esta resposta (esperemos que venham mais..) tb o são.

Interrogo-me sobre quantas pessoas conhecerão estas "visões" em cada uma das candidaturas. quantas lerão os programas eleitorais. Mesmo sabendo que o que se diz em campanha pouca ligação terá com a realidade...

Nesta resposta concreta, o que me assusta é a falta de consideração pelas pessoas em prol de uma visão "higienizada" da cidade.

Esta falta de consideração pela vida de milhares de pessoas das àreas suburbanas é, agora, extensivel a quem vive fora do que alguem considera o "centro". Descobri que morar no Lumiar ou em Benfica é um crime que deve ser penalizado, fazendo a minha vida num inferno. Como moro na Alta, tenho os meus filhos a estudar em Benfica e trabalho na Expo...vou passar a fazer este percurso de autocarro (devem ser prai umas 10 mudanças de autocarro..).

Concordo com a necessidade de ter planos que aumentem a qualidade vida das pessoas na cidade, que a tornem sustentavel e respiravel.

Mas as ideias miopes que imaginam que uma cidade é só dos seus habitantes e não de todos os que a "frequentam" e...só de alguns habitantes, que tenham um codigo postal inferior a 1500 (?)... são profundamente chocantes e terão a resposta que merecem.

No que diz respeito aos habitantes das zonas referidas por este senhor (benfica, lumiar, marvila, olivais) e que votam em Lisboa... ficam a saber o que os espera. Ou mudam para a Lapa ou estão lixados.

Melhores cumprimentos,
Miguel

Tiago disse...

1. Não li nada ainda muito aprofundado sobre a OTA e sobre a crise petrolífera; tudo o que tenho ouvido é o restolho do debate, nem sempre muito esclarecido e pouco menos esclarecedor. Mas a teoria do ocaso do petróleo afectar a breve termo (20, 30 anos) os transportes aéreos não é nova, e, há que concordar, faz no mínimo algum sentido. Mesmo que não acabem por completo os poços de petróleo, diz-se que este combustível será a curto prazo tão requisitado que a capacidade de extracção jamais a conseguirá satisfazer, o que irá fazer disparar os preços, pela lei de oferta-procura. O que te faz dizer que isto é alarmismo e não previdência? Que combustível alternativo existe que irá manter os aviões no ar?


2. Quer repovoar-se o centro de Lisboa acreditando que todos os que o farão são activos e convictos utilizadores de meios de transporte públicos bicicletas. É bonito, eu também gostava de rever Lisboa com muito menos automóveis, como há 30 anos, mas nos dias de hoje seria melhor tentar encontrar soluções que tornassem as ruas mais desfrutáveis, sem estacionamento de superfície, construindo silos ou parques, do que continuar a ver prédios apodrecer por falta de uso. Para minimizar a necessidade de utilização de automóvel seria melhor discutir planeamento urbano para que os pólos habitacionais fossem auto-sustentáveis. Mas para isso era necessário que em cidades-dormitório, como por exemplo a Alta de Lisboa, houvesse escritórios, mais escolas, centro de saúde. E que a produtividade e mobilidade laboral permitisse facilmente uma pessoa mudar de emprego para mais perto da residência.

3. Outro papão que não percebo. Se nascem menos crianças hoje do que há 20 ou 30 anos, como se mantém o centro da cidade habitado sem a vinda de novas pessoas? E qual é o medo da chegada de habitantes vindos de outros lugares? Um medo tipo PNR de que sejam só imigrantes? Ou o horror à classe média-burguesa? Essa que vá toda para as Altas de Lisboa? Medo dos automóveis? Por acaso não há famílias autóctones no Bairro Alto, Alfama, Mouraria, Madragoa que têm 2, 3 e às vezes 4 carros? E não há cada vez menos lugares de estacionamento, apesar de haver cada vez menos gente a residir no centro e cada vez mais prédios vazios?

4. Mais uma vez o raciocínio aplicado nos pontos 2 e 3. Francamente continuo sem perceber se bastaria construir edifícios de escritórios para tornar os pólos habitacionais auto-sustentáveis esperando que a população incentivasse o comércio e conseguisse trabalhar no bairro. O Parque das Nações tem imensa habitação, imensos escritórios, imenso comércio e nem por isso menos trânsito e fluxos bi-diários.

5. As principais vias de escoamento automóvel previstas na Alta de Lisboa são o Eixo Norte-Sul e a Av. Santos e Castro. O Eixo Norte-Sul já não vão a tempo de impedir. É considerado um desígnio nacional e está a meses da conclusão. (agora cocei ligeiramente a barriga por me lembrar do Mário Lino e do Carmona a garantir muito convictamente, ainda no início do 2007, que em Abril passado já se poderia circular no ENS). Quanto à Santos e Castro é um problema mais complicado. Com o ENS fará assim tanta falta uma segunda ligação entre esta e a 2ª circular? Estando completamente dependente da CML, na expropriação dos armazéns Ruela e no desembrulhar do nó da 2ª circular, irão algum dia os cerca de 3km já construídos ser ligados ao resto da cidade com os 500metros que faltam? E como justificar todo o dinheiro já investido pela SGAL, parceira da CML na Alta de Lisboa para uma obra que foi anunciada para Dezembro de 2004 e que pode afinal nunca vir a ser concluída? O que fazer do troço já construído? Mandar abaixo? Criar uma gigantesca ciclovia? Será isto o fim da SGAL e abandono do projecto da Alta de Lisboa?

6. e 7. Concordo plenamente com MJR. Construir auto-estradas no centro da cidade mata-a esteticamente, torna-a inabitável e, não resolvendo o problema, aumenta-o. É preciso dar a possibilidade às pessoas de utilizar os transportes públicos, criando uma rede que abranja a maior área possível, e dar possibilidade aos transportes públicos de serem eficazes, criando, sempre que possível, faixas BUS exclusivas e invioláveis.

8.  Pois é, pois é…

9. De repente ao ler a resposta do MJR pensei que fosse já um comentário à resposta. Que toda a discussão dos problemas fosse feita assim.

10. Porque é que a EMEL deve ser extinguida? O que funciona mal e poderia funcionar melhor? Para quando a responsabilização judicial da má gestão das contas públicas?

Resta agradecer a Manuel João Ramos a resposta às perguntas. Esperemos que as outras candidaturas lhe sigam o exemplo.

Anónimo disse...

Boa noite,

Queria informar que o meu comentário foi feito a título individual, ainda que com conhecimento óbvio das opções que a candidatura Cidadãos Por Lisboa tomou.
Sendo um comentário feito a "quente" (não quis deixar de responder imediatamente, logo que soube do vosso pedido de respostas), assumo que as posições sejam pouco "limadas" e politicamente pouco correctas.
Quanto aos comentários feitos à minha visão lírica e sem consideração pelas pessoas que vivem na coroa exterior: é manifesto o império do automóvel privado em Lisboa, que tem destruído paulatinamente a sustentabilidade e a qualidade urbana e humana da cidade e região de Lisboa.
Não estando propriamente preocupado em ser eleito ou captar votos demagogicamente, aceitei o convite feito pela candidatura Cidadãos Por Lisboa por ser uma oportunidade para alertar para os efeitos desta insustentabilidade.
A crise petrolífera não é um mito e o futuro vai ser doloroso para as grandes urbes. Há sempre opções divergentes: ou pensarmos em planear e prever as modificações que tal crise vai trazer, ou assobiar para o lado, continuando a manter um namoro perverso com o automóvel, e deixar nas mãos das próximas gerações a resolução de problemas que não se esfumam, mas se adensam, de dia para dia.
Pessoalmente, quando não ando a pé, circulo de scooter por todo o lado em Lisboa porque, apesar de perigosa devido à falta de condições (que resulta do número reduzido de motociclistas na cidade), parece-me o meio de transporte mais eficiente nas circunstâncias actuais da cidade. Noto que tanto Milão como Barcelona têm tantas motorizadas quantas há em Portugal inteiro. E transportes públicos de muito melhor qualidade e maior quantidade.
O problema do carro é que o seu condutor acha sempre que morre sem ele, e que são os outros condutores que devem prescindir do seu uso. Por isso, reenvio-vos a acusação: são as "pessoas" que não pensam nas "pessoas".
Quanto ao mais, é um prazer participar em discussões sobre Lisboa, seja em blogs ou outros meios. Só lamento não ter muito mais tempo para o fazer.
Já agora convido-vos a ir a uma iniciativa para a qual fui convidado, lançada pelo Nuno Artur Silva, das Produções Fictícias, no Teatro S. Luiz, no próximo dia 19 Jun, a partir das 18h: chama-se "Um Dia Por Lisboa".
E já agora que a divulguem.
Remeto abaixo o programa.
Com os melhores cumprimentos
Manuel João Ramos


UM DIA POR LISBOA
Fazer e Não Fazer
Teatro São Luiz, 19 de Junho

“Ninguém poderá conhecer uma cidade se não a souber interrogar,
interrogando-se a si mesmo”
José Cardoso Pires

Envolta numa ‘crise de destino’, a nossa Lisboa encontra-se num momento de encruzilhada. Todos sentimos como tem sido crescente a distância entre os espaços da política e os espaços da cidade – e os espaços da cidadania. Todos sentimos, também, que estes deveriam andar bem mais próximos.

Na próxima Terça-Feira, dia 19 de Junho, no Jardim de Inverno do Teatro São Luiz, ao Chiado, decorrerá uma sessão contínua (das seis da tarde à meia-noite) de expressão da cidadania. Convidámos vários cidadãos, entre eles alguns peritos, para virem falar sobre o que SE DEVE FAZER, e o que acham que absolutamente NÃO SE DEVE FAZER em Lisboa.

Cada convidado terá um máximo de dez minutos para fazer a sua declaração. Entre cada bloco de quatro ou cinco declarações será feito um ponto de situação/resumo das intervenções, por elementos do grupo coordenador. As intervenções estarão balizadas por cinco grandes temas:
Respirar (Ambiente e Paisagem), Relacionar (Vida Urbana e Quotidiano), Mover (Mobilidade e Estacionamento), Projectar (Urbanismo, Construção e Reabilitação) e Governar (Administração, Transparência e Participação).

Em simultâneo, convidamos todos os cidadãos residentes e utentes de Lisboa para virem também dizer o que FAZER E NÃO FAZER nos “speakers-corner”, cabines com sistema de gravação, que serão instalados no S. Luiz. Os depoimentos de especialistas e de cidadãos serão posteriormente tratados, sistematizados e divulgados. Poderão também ser vistos na PF tv (http://pftv.sapo.pt).
Do grupo que promove e coordena a iniciativa fazem parte nomes como: António Câmara, Elisa Vilares, Isabel Peres Gomes, João Seixas, Jorge Barreto Xavier, José António Pinto Ribeiro, José Calisto, Lia Vasconcelos, Leonor Cintra Gomes, Luísa Schmidt, Nuno Artur Silva, Pedro Almeida Vieira, Pedro Matos e Rui Tavares.

Este grupo de cidadãos de Lisboa, não vinculado a qualquer das actuais candidaturas, pretende provocar discussões abertas, desmistificadoras e – sobretudo – motivadoras, em torno da nossa condição de cidadãos de uma cidade tão fascinante, intrigante, desejada e mal tratada. Assim, promove a sua primeira iniciativa – colectiva – em plena maré do período eleitoral, ciente de que compete a todo o cidadão, o direito e a responsabilidade de pensar e de actuar sobre a sua cidade. Sendo direito e responsabilidade permanentes, outras iniciativas se seguirão, no futuro.

Em breve divulgaremos a lista dos intervenientes.
Quaisquer informações podem ser esclarecidas pelo telefone 213864554.

Pedro Cruz Gomes disse...

Manuel João,

Antes de mais quero dizer-lhe que gostei da sua resposta! Deixe-me esclarecer-lhe que a minha acusação de lirismo não era genérica, antes dirigia-se a aspectos concretos da sua argumentação, designadamente no que respeitava à gentrificação e à sua defesa de uma politica "zero carros" para os bairros históricos - lirismo é entender que, dificultando ainda mais o acesso automóvel se conseguirá o repovoamento dessa zona da cidade - pelo menos por uma população que assegure minimamente a auto-sustentabilidade dos mesmos.
Quanto ao resto - ao que agora escreveu - comungo da sua visão negra quanto ao futuro e da sua perspectiva quanto à necessidade de reduzir a dependência energética do país, ainda que entenda que as multinacionais do sector estarão mais que aptas a lançar combustíveis alternativos quando os actuais se esgotarem.
E deixe-me dizer-lhe que só algúém que aceita candidatar-se nas condições em que o Manuel João se candidata poderá ter a coragem de exprimir as suas opiniões sem o filtro calculista e necessariamente politicamente correcto que se usa nestas ocasiões - pelo que o parabenizo pela postura.
Mas agora pense lá um bocadinho comigo (e ignore o eventual tom paternalista que este convite possa aparentar): se, em vez de condicionar as suas respostas unicamente ao que defende para a circulação, adicionar a esta mais umas quantas variáveis, não acha que chegaria a valores igualmente justos mas mais aplicáves? Não ficaríamos todos a ganhar?
Dou-lhe um exemplo: se em vez de "condenar" os moradores da periferia da cidade (que são a maioria) a complicados transfers públicos pela cidade apresentasse modos de rehabitar essas mesmas pessoas no centro da cidade (diminuindo assim os percursos a efectuar) não ficaríamos todos a ganhar com menos sacrifícios? Como? Ora, aí é que está a dificuldade. Não quer pensar connosco (já que, por aqui, estamos todos imunes a demagogias para ganhar eleições)?

Anónimo disse...

Caro Manuel João Ramos,

Embora os seus comentarios sejam interessantes revelam, pelo menos, que não se consegue afastar dos sus dogmas para entender que as pessoas actuam em função dos incentivos que têm.

As pessoas usam automoveis porque é o meio e transporte mais comodo que têm. Moram fora de Lisboa (na sua óptica isto inclui Lumiar, olivais, etc..) porque é onde podem pagar as casas. Trabalham em Lisboa porque é onde encontram trabalho.

O Manuel João considera que as pessoas se comportam assim por ignorância, falta de civismo ou qq coisa do género. Se olhasse com mais atenção veria que é apenas porque durante anos foram estes os incentivos criados.

Qual a sua solução..bem...proiba-se! proibam-se os carros, proiba-se a entrada em lisboa, proiba-se o estacionamento, etc..

Esses selvagens vão perceber que podem andar de scooter! a bem ou a mal.

Será que já pensou durante um segundo que se "alguem" tivesse tido a brilhante ideia de incentivar a instalação de empresas na Alta de Lisboa, uma parte das pessoas não necessitaria de carro para ir para o emprego, porque morava perto? Não deve ter pensado...

Por acaso nos seus passeios de sccoter já reparou que quando começam as ferias escolares o transito se reduz muito (muitissimo!) significativamente ? porque será?

Por acaso já pensou que no momento em que os transportes publicos forem verdadeiramente atractivos em conforto, percurso, periodicidade e preço..mais pessoas os utilizaram?
Já andou na linha de sintra de manhã? e nos autocarros?
è que, provavelmente, alguem concluiu que a linha so é rentavel se tudo parecer uma lata de sardinhas malcheirosa...

de facto só começamos a pensar nestas coisas qd deixamos de olhar para o nosso umbigo e a esperança que isso aconteça nestas eleições é pouca, de facto.

Não quer isto dizer que não aprecio o facto de vir aqui e até dar a sua opinião. Quer apenas dizer que discordamos.

Miguel

Mario J Alves disse...

Antes de mais parabéns aos autores do blogue pelas perguntas e ao Manuel João pelas respostas. Há debates que fazem falta.

Escolho só alguns tópicos para comentar.


A Gentrificação, o estacionamento, a classe média e os centros históricos:

Antes de mais, não me parece que o Manuel João esteja contra a gentrificação, como diz o Pedro o mundo é composto de mudança. Há no entanto politicas públicas que podem acautelar mudanças negativas e incentivar mudanças positivas. O que o Manuel João diz são duas coisas: 1)....a gentrificação pode ser traumática para a vida da cidade. 2) a gentrificação tem implicado a criação de mais estacionamento automóvel nos bairros históricos, o que é um erro dramático.

Sobre o 1) Aqui a palavra "pode" é fundamental. A gentrificação, como qualquer fenómeno urbano, pode ser positiva, quando acontece com contra-peso-e-medida ou pode ser traumática quando é feita como especulação imobiliária desenfreada - como é alias comum acontecer. Sobre isto parece que é obvio. Podemos é discordar quais são as medidas e quais os limites a partir dos quais a gentrificação é traumática.

Sobre o ponto 2) já é um assunto mais confuso e com muito mitos associados. O Manuel João acredita que quando a gentrificação implica a criação de mais estacionamento nos bairros históricos é um erro dramático. O Pedro parece acreditar que para repovoar os centros históricos é precisos criar mais estacionamento e que "lirismo é entender que, dificultando ainda mais o acesso automóvel se conseguirá o repovoamento dessa zona da cidade".

Esta teoria do Pedro está de tal forma generalizada entre quem pensa sobre a cidade de Lisboa que acho muito importante discutir muito bem.

Eu aceitaria esta opinião se os preços por metro quadrado das zonas históricas fossem as mais baixas do país, sinal que as zonas históricas estavam em profunda crise e ninguém queria lá habitar sem ter um pópó à porta de casa. Antes de mais uma informação: as áreas históricas da Europa e de Portugal têm, na generalidade dos casos, os preços mais altos por metro quadrado dos respectivos países. Se a teoria económica funciona, isto quer dizer apenas duas coisas: ou a procura é elevada ou a oferta de fogos reduzida. Ou, o que é exactamente a mesma coisa, as duas coisas ao mesmo tempo.

Em relação à oferta, sabemos todos que há demasiados prédios devolutos em Lisboa - especulação imobiliária associada à ausência de impostos até há pouco tempo (IMI penalizador de fogos devolutos). Não é porque as casas estão degradadas. Segundo estudos, 2/3 dos fogos devolutos, em Lisboa, têm condições de habitabilidade. Já agora - alguns conceitos úteis a discutir sobre reabilitação:

* o que reabilita um edifício é a existência de pessoas, de preferência jovens, lá dentro

* esta forma de reabilitar é preferível porque é rápida, mínima, progressiva e orgânica

* salvo algumas excepções, não é necessário operações de de reabilitação de quarteirões inteiros que aumentam demasiado os preços do metro quadrado reabilitado. É o sintoma que há especulação imobiliária.

* a cidade criativa precisa de casa velhas, médias e novas. Um galeria de arte que aposte em artistas de risco, um empresa de software acabada de criar, precisa de ocupar casas velhas com rendas baixas.

Em relação à procura:
Se neste momento os bairros históricos têm os preços que têm sem estacionamento (aparentemente afastando as classes médias), não entendo como a criação de estacionamento levará para lá a classe média, uma vez que um aumento da atractividade levará necessariamente a que o preço por metro quadrado atinja valores ainda mais altos.


Conclusões:
Para a pouca oferta que têm, os bairros históricos têm uma procura intensa (sem estacionamento e deitando por terra a teoria do Pedro).

A oferta dos bairros histórica é pela sua própria natureza cada vez mais apetecível (porque nunca mais se vai construir outra Baixa Pombalina ou Alfama) e a tendência natural é que os preços subam cada vez mais (sem parques de estacionamento) fazendo com que se tenha de facto ter cuidado com a gentrificação excessiva e traumática. Se construirmos silos, mais apetecíveis eles serão, e mais altos serão os preços e mais probabilidade haverá de gentrificação traumática dos centros históricos. Já nem falo aqui das questões ambientais gravíssimas desta opção.

Estas conclusões não são teóricas, são o resultado da observação de várias estratégias adoptadas para vários centros históricos da Europa.

As cidades históricas por questões de espaço físico de estacionamento e circulação, não devem ter muito mais dos 200-300 carros por mil habitantes que já têm agora. Metade que o Parque das Nações, por exemplo. Caso contrário temos, por exemplo, problemas de descaracterização (silos), ambientais em relação aos aquíferos e ilhas de calor (caves), e problemas de tráfego.

E quem são estas pessoas que estão preparadas para pagar uma fortuna para viver sem pópó à porta de casa?

As cidades históricas bem geridas - isto é, que não são destruídas criando demasiado estacionamento, para também não encarecer demasiado os fogos, não deixam que a especulação imobiliária dite as regras do mercado, têm medidas fiscais para desincentivar fogos devolutos, acabam por atrair uma variedade de populações de todos os extractos sociais:

* Estudantes
* Emigrantes
* Jovens
* Gays
* Idosos
* Solteiros a viver sozinhos
* Vários jovens a viver juntos

Todos estes grupos têm só uma coisa em comum, como não têm filhos podem viver perfeitamente sem carro. E assim até é possível haver nos centros históricos alguns casais com filhos e com um carro. Porque em parte alguma o Manuel João falou em opção zero, como alguém exagerou nos comentários.

O Pedro pergunta: e o facto de as pessoas estarem presas às suas casas? É de facto uma pergunta interessante.

Isso leva-me ao último assunto.

o "doloroso":


O Manuel João bem avisou que será doloroso.

Notei em alguns dos comentários alguma má disposição de quem é tratado como "periférico" e que terá necessariamente que mudar de hábitos - aqui não estou a dar a minha opinião, mas a constatar um facto. Se os programas de TODOS os candidatos forem para cumprir, haverá um combate cerrado ao uso do automóvel, principalmente aos que entram na cidade - se o código postal incluirá a Alta de Lisboa ou não, é um debate a fazer. Mas não tenham ilusões, com as restrições ambientais, quer os habitantes das cidades como fora delas, verão no futuro ser aplicadas fortes medidas de restrição ao automóvel. Isto já nem é discutível.

Quando se diz que a classe média não consegue comprar casa no centro de Lisboa por ser demasiado caro, o que se quer dizer com mais precisão é que a classe média prefere (com a legitimidade do desejo) comprar casa com mais metros quadrados na periferia, com menos transportes públicos e viajar mais de carro para o centro. Uma opção de um conforto por outro desconforto.

Para terminar, um extracto da entrevista do psicólogo Daniel Gilbert ao público:

Acha que existem políticas específicas que os governos poderiam pôr em prática para aumentar o nível de felicidade dos seus cidadãos?


Isso parece-me verosímil. Por exemplo, nos EUA, sabemos que as pessoas tendem a mudar-se para fora das cidades porque querem ter casas maiores e que, pelo mesmo dinheiro, quanto mais se afastarem da cidade, mais metros quadrados vão ter. Mas depois começam a ter todos os dias o problema do transporte. E uma das coisas que sabemos é que as pessoas se adaptam muito depressa ao tamanho das suas casas, mas não às deslocações quotidianas. O que isto significa é que o facto de mudar para os subúrbios para ter uma casa maior vai provavelmente fazer diminuir e não aumentar a nossa felicidade. Como nos habituamos depressa a uma casa maior, isso vai deixar de nos proporcionar prazer - mas como não nos habituamos às deslocações, quanto mais tempo a situação se mantiver, mais negativo será o seu impacto emocional e nunca nos adaptaremos a isso. Nos EUA, onde as pessoas usam o carro como meio de transporte, guiar durante 45 minutos por dia torna a vida mais difícil do que guiar 15 minutos. Portanto, os governos poderiam ter em conta este pequeno pormenor da vida urbana quando desenvolvem sistemas de transporte, quando criam incentivos para as pessoas viverem dentro ou fora das cidades, etc. E este é apenas um dos milhares de factos que as pessoas que estudam a felicidade descobriram. Por que não usar cada um destes factos para tentar desenvolver políticas sociais que tornam a vida das pessoas mais feliz?

Anónimo disse...

Caro Mario Alves,

Gostei da sua classificação que inclui categorias como "estudantes", "jovens", "idosos", "emigrantes" e..."gays" ?!? Gays ??

E usa esta "classificação" para identificar os grupos que não têm filhos... brilhante.

E a qualidade e consistência deste argumento é ilustrativa do resto que escreveu.

Para terminar, caro Mario Alves, eu tenho a educação de o tratar pelo nome. Coisas que me ensinaram em pequenino...

Miguel

Mario J Alves disse...

Caro Miguel,

De facto, deveria ter dito "grupos que demograficamente se podem caracterizar por ter um menor número de filhos menores". É que estava a comentar um blogue, não a escrever um texto académico. As minhas desculpas se fui mal entendido.

Em relação ao nome, não faço ideia onde quer chegar. Mas imagino que não tenha importância. Se o ofendi de alguma forma também, desde já, as minhas desculpas.

Mário

Pedro Cruz Gomes disse...

Olá Mário, bem-vindo ao debate.
Em primeiro lugar cuidado com essa extensão do exemplo europeu ao português - então o preço por metro quadrado de Alfama e da Mouraia é o mais caro de Portugal? Olha que bem, trabalhei lá uma data de anos e não tinha reparado. (Mas... se assim é, como é que os seus estudantes têm dinheiro para lá morar?)
Depois lá generaliza outra vez. Admitindo que 2/3 dos fogos devolutos têm condições de habitabilidade - do que eu discordo até me explicar o que entende por habitabilidade - de maneira nenhuma 2/3 dos edifícios devolutos dos bairros históricos têm condições de habitabilidade! Nem a maior parte dos habitados a tem! E não preciso de grandes argumentos: basta a existência de uma direcção municipal exclusivamente virada para a reabilitação urbana (dos bairros históricos) para o provar.
Eu não sei qual é a sua formação profissional mas pretender que o que reabilita um edifício "é a existência de pessoas, de preferência jovens" é transportar a discussão para o domínio da poesia. Um edifício de um bairro histórico é uma entidade frágil, atingida pela incúria de muitas dezenas de anos, sofrendo de patologias graves e num processo de degradação que pode estar próximo da irreversibilidade. Pretender que basta o riso das crianças, a alegria dos jovens ou o uso dos adultos para miraculosamente se recuperar... é acreditar que o poder curativo da amor se estende às estruturas e os materiais.
Vou passar por cima da sua afirmação taxativa de que"salvo algumas excepções, não é necessário operações de reabilitação de quarteirões inteiros que aumentam demasiado os preços do metro quadrado reabilitado. É o sintoma que há especulação imobiliária." É que, na ausência de uma sua explicação para tão notável conclusão, teria de ser ofensivo. Vou considerar que se deixou levar pelo entusiasmo e disse o que mesmo você não acredita.

De facto nas cidades há espaço para casas com diferentes características, a estrear, usadas, bem situadas, mal situadas, a precisar de obras, a precisar de ser interditadas. Pois há. Mas acha mesmo que também há espaço para casas com graves problemas de insalubridade ou de instabilidade estrutural? Se calhar...
Não sabe como é que a classe média poderia ocupar os bairros históricos com a criação de estacionamento? Eu explico. A CML é dona de uma área extensa de habitação nos bairros históricos. A CML tem instrumentos de gestão urbanística e legal que lhe permitem controlar os níveis de preços - quer introduzindo no mercado produtos com rendas baixas, quer fazendo contratos programa com os promotores (como fez, por exemplo com a SGAL no Alto do Lumiar) de modo a garantir a existência de produtos escalonados em termos de preços e, deste modo, assegurar uma variabilidade social que, por exemplo, a sua visão não contempla.

Eu não sei de que bairros históricos está a falar quando diz que a procura é imensa e os preços já são altos - onde fica esse mundo idílico em que a procura tem produtos disponíveis que lhe agradem e a oferta não tem mãos a medir com a quantidade de novos produtos que produz? Em Alfama? Na Mouraria? Na Madragoa? Há filas intermináveis de "estudantes, gays, solteiros" à espera de obter casa? Idosos a querem mudar-se para Alfama? Acima de tudo idosos dispostos a mudarem-se para edifícios com escadas de tiro implantados em ruelas inclinadas sem espaço para acessos automóveis designadamente de ambulâncias?
Eu acredito que não tenha falado de cor, mas estaremos a falar dos mesmos bairros?
E onde é que há espaço nestes bairros para carros à porta de casa? Quando eu defendo a construção de espaços de estacionamento no interior destes bairros estou a defender carros perto de casa, a uma distância que viabilize um mínimo de conforto para as famílias de classe média, de modo a tornar o bairro apetecível para todos. Todos! É que denoto uma espécie de exclusivismo nessa sua argumentação de que há muita procura por parte de alguns estratos da população - aceitar que a situação actual é aceitável e não carece de alterações porque já há solteiros, gays, estudantes e etc. com vontade de lá habitar é... sei lá um pouco elitista para dizer o mínimo.
Por outro lado esta redução de todos os problemas ao demónio automóvel demonstra uma miopia preocupante. "As cidades históricas bem geridas - isto é, que não são destruídas criando demasiado estacionamento"? Então a avaliação de uma boa gestão reduz-se ás medidas tomadas para evitar o estacionamento???
E só quem tem filhos necessita de automóvel?
E "combate"? Mas isto é uma guerra entre os puros que andam de bicicleta e a pé e os malandros que teimam em usar o automóvel? E os automóveis eléctricos - podem-se utilizar? E se, por absurdo, toda a população dos bairros periférios passasse a utilizar carros a hidrogénio - continuavam a ser diabolizados ou já seria pacífico aceitar a sua circulação?
Quanto ao seu argumento da procura de áreas maiores. Lamento que não tenha tido a capacidade de saber adaptar as suas leituras estrangeiras às características portuguesas. A nossa classe média quando vai para os subúrbios não vai comprar a vivenda com dois pisos e jardim à frente com garagem para dois carros que vemos nos filmes americanos... Vai, na maior parte dos casos, para um T2 com má construção e com as áreas mínimas previstas no RGEU (com excepção da sala, diga-se). Se quiser uma coisa pelo mesmo preço nos bairros históricos tem uma coisinha típica disfarçada de reabilitada, com áreas míseras, sem elevador, sem estacionamento, sem grande variedade de comércio e sem grande serventia de trasnportes públicos. Vale a pena?
Quanto ao último parágrafo, devo depreender que defende que as políticas urbanas que os Governos devem implementar são as que proibem o uso de automóveis e obrigam as classes médias a viver em espaços apertados em nome da sua felicidade (já que elas depressa esqueceram o desconforto do espaço e valorizarão as pequenas deslocações)?
Por último deixe-me dizer-lhe que acho muito legítimo que os problemas que a expansão da circulação automóvel comporta devem estar bem presentes na mente das equipas de gestão dos bairros históricos aquando da definição de uma nova política de reabilitação urbana. Por isso é que - leu o meu texto sobre a RU? - defendo que se devem criar, para além de espaços de estacionamento no interior dos bairros históricos, circuitos de circulação interna que não sirvam de atravessamento, carreiras de transporte público interno e o reforço dos transportes públicos existentes na periferia, especialmente os eléctricos. O que é fundamental, no entanto, é ter a noção de que é indispensável o retorno de uma população diversificada aos bairros históricos e que esta só voltará se tiver disponíveis produtos imobiliários mais apelativos do que os existentes na periferia ou nos subúrbios. Não perceber isso é condenar Lisboa à situação actual. Gosta-se dela?

Anónimo disse...

Caros SRs, SRAs, LGBTs, quem estiver presente, boa noite.
Belo debate, a que juntarei os comentários pessoais que estes me suscitaram mal durma umas horas.
Quero só deixar uma explicação ao Pedro para um mail que voltou a enviar para a candidatura dos Cidadãos e que ficou (por enquanto) mais uma vez sem resposta. O mail foi para o geral, Pedro, que é gerido por outro grupo que não o meu,(gere os mails de todos os cidadãos que nos escrevem, com as mais variadas questões, que não entrevistas que é no fundo o que está a enviar...) e só hoje chegou por reenvio ao meu, o de imprensa. (O mail correcto de imprensa está no seu mail pois eu estou a enviar comunicados). E, como tenho mais uns quantos que hoje chegaram de outros blogs da Alta, ou zonas periféricas de Lisboa, com questões semelhantes, proponho o seguinte: reunir todos, e procurar (oficialmente) que haja uma resposta semi conjunta, visto que demora o seu tempo responder, e com uma campanha tão curta tenho uma candidata com uma agenda a transbordar. Até breve, (oficialmente) Luisa

Mario J Alves disse...

Olá Pedro,

Obrigado pela resposta longa e cuidada. É sempre um prazer debater Lisboa. Ninguém é dono da verdade. Ainda bem que resistiu à vontade de me insultar e me ter dado, por vezes o beneficio da dúvida. Como é óbvio não pude explicar tudo, por óbvias questões de espaço, nem citar as fontes, porque achei que não valia a pena.

No entanto, se quiser os detalhes dos dados de que falo, poderá encontra-los em várias obras publicadas recentemente sobre reabilitação urbana em Lisboa. Destaco o excelente: Habitação e Mercado Imobiliário na Área Metropolitana de Lisboa, Colecção de Estudos Urbanos - Lisboa XXI.

De facto, as áreas históricas têm em Lisboa os mais altos preços por metro quadrado do país - não vou discutir isto ao milímetro, nem interessa, haverá obviamente zonas, em Telheiras, Parque das Nações, Quinta da Marinha, etc, que têm por vezes preços mais altos. Mas Pedro, compreende que é um mercado difícil de comparar, sem entrarmos em pormenores estéreis. Para não nos agarramos a pormenores, diremos que as zonas históricas de Lisboa têm dos preços por metro quadrado mais alto do país e da AML. O Prof Nuno Portas, numa entrevista à revista Arquitectura e Vida afirma isto mesmo.

Os estudantes, jovens e outros grupos demográficos podem lá viver dividindo rendas e esta flexibilidade para o arrendamento deveria acontecer mais se não houvesse tantos fogos devolutos. Aliás qualquer cidade histórica além Badajoz funciona, também assim, e é frequente pessoas em certos ciclos de vida, dividirem uma casa. Isto é só um exemplo e não gostaria que na resposta me diga que eu acho que os centros históricos são para ser habitados por pessoas a dividir casas. :-)

Sobre os 2/3, sugiro que, por exemplo, acredite no João Seixas do Centro de Estudos Territoriais do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) e o coordenador do estudo que acima citei. E de facto precisa de melhores argumentos: a existência de uma direcção municipal exclusivamente virada para a reabilitação urbana (dos bairros históricos) não chega para o provar que eu e o João Seixas estamos errados - 1/3 dos edifícios já dá pano para mangas a esta direcção por muitos anos.

Se ler com atenção o meu texto, os pontos sobre a reabilitação urbana, apresentei-os como pontos "a discutir". Não são obviamente teorias minhas, mas presentes na maior parte da literatura sobre o assunto. Pode-me escrever e eu dar-lhe-ei uma extensa bibliografia.

E já que falamos de generalizações: "Um edifício de um bairro histórico é uma entidade frágil, atingida pela incúria de muitas dezenas de anos, sofrendo de patologias graves e num processo de degradação que pode estar próximo da irreversibilidade." Cada caso é um caso. Eu estava a falar-lhe de dados e levantamentos.

Nunca pretendi que bastava o riso das crianças nem no poder do amor para reabilitar um edifício. Ridicularizar os argumentos de alguém nunca é uma boa táctica. O que pretendia com aquela frase, para discutir, era alertar que a existência de um proprietário ou arrendatário com apoio institucional pode, primeiro parar a degradação do edificado (até por actos muito simples como fechar as janelas e colocar umas telhas) - não sei se já reparou mas é vulgar alguns proprietários que obviamente não habitavam o edifício e que têm uma estratégia de degradar o mais rápido possível para deitar a baixo, deixar as janelas abertas e retirar algumas telhas. Depois, com a presença de pessoas dentro dos edifícios é possível, em muitos casos, proceder a requalificações com apoio institucional e financeiro. Este tipo de requalificação é bem mais saudável se for feita de uma forma orgânica e aproveitando a energia de quem gosta e cuida dos edifícios. Vem nos livros.

Nos casos em que há graves problemas de insalubridade ou instabilidade estrutural deverá haver, ai sim, uma actuação de emergência. Existem diversos mecanismos, já testado em muitos países, para actuar nestes casos.

Estamos de acordo que é necessário criar «um mercado de preço protegido», para as classes médias. Existe muita coisa escrita sobre as vantagens e os perigos deste tipo de mecanismo. Não precisa de explicar.

Tive o cuidado de notar que os grupos que descrevi sem grandes cuidados descritivos, por falta de tempo e espaço, são muito variados - socialmente, economicamente, etnicamente, etc. A única coisa que disse foi que, como a cidade histórica não pode, por questões de espaço, oferecer o mesmo numero de lugares de estacionamento por fogo que, por exemplo as Avenidas Novas, acontecerá naturalmente que terá menos apetência a albergar certo tipo de hábitos de consumo. Tal como outro tipo de urbanização como a Alta de Lisboa não tem apetência para albergar outros hábitos de consumo. Não defendi exclusivismo. Nem sequer uma espécie. Até quis deixar claro no meu texto que haverá espaço para todos. Não há é espaço para todos terem carro.

Apesar de existir uma inflação artificial por expectativa, acredite que a sustentação de preços muito altos é sinal que existem sinais de mercado que demonstram que existem compradores dispostos a pagar estes preços. O mercado do imobiliário é muito complexo, mas existem estatísticas fiáveis em relação aos preços praticados. Aliás, se falar com alguém que trabalha numa imobiliária, ficará a saber que os poucos (relativamente) fogos em áreas históricas que são postos à venda, são os primeiros a ser vendidos.

Há de facto muitos grupos demográficos que gostariam de viver na cidade e têm dificuldade de o fazer por causa do valor do preço por metro quadrado. Outros ainda, que não gostam de viver numa rua com escadas. As urbes modernas têm inúmeros mercados e temos que deixar de pensar que todos os bairros têm que servir um mercado em que todos sejam médios.

Talvez noutra ocasião e com mais tempo, possa explicar os fenómenos demográficos que levam ao desejo, muitas vezes frustrado, de retorno à cidade.

A situação actual está longe de ser aceitável. Acho que já expliquei quais são as patologias que existem nos bairros históricos de Lisboa. A situação carece de facto de muitas alterações. Só afirmei que aumentar o estacionamento não é uma delas.

Quando disse que eu disse "As cidades históricas bem geridas - isto é, que não são destruídas criando demasiado estacionamento" (cortou-me a frase no inicio onde eu continuava a dar vários exemplos do que é que significa uma boa gestão e depois pergunta: "Então a avaliação de uma boa gestão reduz-se ás medidas tomadas para evitar o estacionamento???" Eh pá! Essa foi à traição! :-) Também, não disse em lugar algum do meu texto que só quem tem filhos necessita de automóvel. Por isso admito que nesta fase já estivesse cansado de me responder. :-)

Não, não é uma guerra entre os puros que andam de bicicleta e a pé e os que teimam em usar o automóvel. São politicas de equilibro de gestão da mobilidade multimodal.

Eu não diabolizei, ninguém, nem qualquer uso da cidade. Mas chamei à atenção para os limites espaciais e ambientais que parecem ser agora relativamente consensuais. Até há directivas europeias que estabelecem vários limites mensuráveis (por exemplo poluição atmosférica, ruído, etc.) e que estão a ser constantemente ultrapassados.

Já que estamos em vocabulário bíblico, devo acrescentar que se amanhã por milagre tecnológico os quase meio milhão de carros que entram em Lisboa diariamente fossem movidos a hidrogénio, o tráfego de Lisboa continuaria a ser um inferno.

Quase no final, pergunta-me se valerá a pena comprar um T2 mínimo na periferia ou um fogo mínimo numa zona histórica. É de facto a pergunta interessante. Esqueceu-se de por na equação que num dos casos é natural que vá para o emprego de metro em 20 minutos e no segundo pode ter que ir de carro no para arranca durante uma hora.

O último paragrafo não era meu, era do psicólogo Daniel Gilbert. Não dei a minha opinião. Nem ele próprio é taxativo sobre o assunto. Cito-o para meditarmos todos um pouco. O fenómeno de afastamento do centro para adquirir mais metros quadrados não é um fenómeno americano, assiste-se todos os dias no mercado imobiliário da AML.

Ainda bem que acha legitimo a gestão dos limites da circulação automóvel nos bairro históricos. Para resumir e fechar, podemos concluir que em relação aos carros, onde estamos em desacordo é na imposição de limites em relação ao estacionamento. Um dia, com mais tempo, poderei demonstrar-lhe que nenhuma área histórica da Europa consegue suportar os níveis de motorização que são habituais na periferia. Se quisermos fazer essa oferta destruiremos os bairros históricos - das mais diversas formas.

Não li o seu texto sobre RU.

Sobre o retorno à cidade, acho que já percebemos os argumentos de um e de outro. Mas olhe que literatura sobre o assunto não falta.

Acho que gostamos os dois de Lisboa.

Pedro Cruz Gomes disse...

Olá Mário,

Parabéns pela sua cultura livresca, é sempre bom saber que os nossos interlocutores leram os estudos dos outros antes de perourarem sobre os assuntos! Infelizmente não tenho fontes para lhe indicar para além do que apreendi durante a minha vida profissional, mas vou tentar responder-lhe, pedindo desde já desculpa por não poder citar mais nenhum autor para além... de mim.

Registo que admite que, por vezes, há zonas em Lisboa que têm preços mais altos que nos bairros históricos - ainda estamos a falar da Mouraria, de Alfama, da Bica, certo? - mas que isso é só um pormenor que não interessa nada quando contraria o estudo que cita ou a entrevista de Nuno Portas. Está bem. Não me parece que seja importante porque, apesar do pormenor de não concordar que são os mais altos do país, eu tambem acho que os preços por metro quadrado são muito elevados nos bairros históricos. Custam muito mais do que o que valem, a boa localização ou as boas vistas não apagam a deficiente qualidade dos materiais ou a insegurança estrutural (deixando de fora, obviamente, os edifícios contemporâneos).

O que nos leva à questão dos 2/3: pegue lá no seu estudo e explicite-me o que nele se entende por habitabilidade. Que padrões de habitabilidade foram considerados: os definidos no RGEU? Outros? Quem os definiu - sociólogos, engenheiros, arquitectos? Foram considerados factores tão díspares como a segurança estrutural, o estado de conservação das redes de infra-estruturas, a salubridade, o conforto térmico? O que foi considerado como "habitável" - tudo o que não precisava de obras? Tudo o que podia ser ocupado sem cumprir a legislação existente? E os dados desse estudo foram recolhidos pelos autores in situ ou foram fornecidos pela CML?
Devo depreender que, no conceito do estudo, tudo o que não estiver instável estruturalmente ou fôr insalubre é habitável? É muito pouco.

Se não pretendeu dizer que "o que reabilita um edifício é a existência de pessoas, de preferência jovens, lá dentro" e que" esta forma de reabilitar é preferível porque é rápida, mínima, progressiva e orgânica" porque é que o disse? Admito que estivesse a pensar noutra coisa quando o escreveu e que isto fosse de alguma forma uma imagem mas tivesse então escrito o que explicou agora! É que pretender que uma reabilitação se faz melhor com as pessoas a habitarem o edifício é estar a pensar numa intervenção que não passa de maquilhagem. E perante uma afirmação destas ou só posso concluir que quem a escreveu não percebe nada de reabilitação de edifícios - antes de estatísticas, inquéritos, estudos de mercado... Não se reabilita um edifício em profundidade com gente a habitá-lo - é fisicamente impossível. Do que você quer falar é de processos que evitem a degradação e da pressão dos habitantes para verem a sua casa "arranjada", mas isso é tão óbvio! Há quem discorde de que a presença de habitantes evita a degradação propositada? E há quem discorde de que, apesar da presença de habitantes os prédios se degradaram profundamente nos bairros históricos (todos, uns mais acentuadamente do que os outros)?

Concorda comigo no que respeita aos casos de insalubridade e de instabilidade estrutural. Concorda, aliás, com a CML. Mas, e nos outros casos? Dever-se-à ignorar a fragilidade estrutural que todos (acredite em mim que são todos, se quiser contacte-me, vamos beber vários cafés e, em vez de lhe dar uma lista de publicações, eu demonstro-lhe, cientificamente se entender necessário, que todos os edifícios dos bairros históricos têm fragilidades estruturais) apresentam? As deficientes condições das infraestruturas?

Quanto ao mercado imobiliário: eu não preciso de acreditar em si, eu sei de experìência própria, porque também por lá passei. E também sei que, de uma maneira figurada o mercado imobiliário português se assemelha à bolsa nacional: não são precisos muitos para fazer subir um preço e, nas grandes e tardias palavras do primeiro-ministro da altura, há muita gente a comprar gato por lebre.

De que fogos nos bairros históricos está a falar quando refere que são os primeiros a ser vendidos - os que Siza Vieira projectou para a rua do Alecrim? Esses concerteza. Aquele quarteirão novo do Bairro Alto? Também. Apartamentos num edifício com escada de tiro, áreas mínimas e mal reabilitado? Mais dificilmente. Ainda que, sim, haja uma apetência ignorante por este tipo de espaços (conheço casos concretos de pessoas com formação universitária na área que se deixaram levar pela emoção e enfiaram um barrete tão grande que só por sorte não se arruinaram no processo) e, portanto, de alguma forma - e voltando ao início da nossa conversa - os preços nos bairros históricos sejam elevados e reservados a uma minoria. O que, do meu ponto de vista deve ser contariado para que se obtenha o máximo de variedade social nestes bairros. E daí a minha defesa de que se devem criar condições - designadamente de estacionamentos - para que uma parte dos fogos seja apetecível para a classe média. Note que eu escrevi uma parte e não todos.

"(...) temos que deixar de pensar que todos os bairros têm que servir um mercado em que todos sejam médios". Isto quer dizer o quê - vivam os bairros para os que não são médios? O que é isso? Você considera-se acima ou abaixo de médio? Considera-se médio? O que é ser médio - é ter uma casa na periferia e protestar quando lhe tiram o carro da frente da porta de casa? Ora adeus, você consegue melhor do que isso. Há bairros que não são feitos para a classe média, é isso? E isso é aceitável? Não é exactamente esse o fulcro da questão - de que à CML cabe criar condições para que haja um "mix" social o mais diversificado possível?

Se escreveu que quem não tem filhos dispensa o automóvel (mais precisamente "como não têm filhos podem viver perfeitamente sem carro") não posso concluir que entende que o automóvel é apenas indispensável para quem tem filhos?

No caso do hidrogénio, o trânsito continuaria um inferno mas a emissão de gases não. Qual seria então o argumento para proibir a circulação automóvel?

Não faça a maldade de considerar que os mínimos do T2 da periferia e de um bairro histórico se equivalem. Não se equivalem. Se fossem iguais o mercado seria ainda mais ilógico do que já é.

E, para fechar, a menos que você defenda a proibição total do estacionamento nos bairros históricos, nem sequer é a imposição de limites em relação ao estacionamento que nos separa. Um pouco de excesso na dependência da bibliografia de terceiros em detrimento da prática no seu caso, o inverso no meu, talvez. Não precisa aliás de demonstrar o que quer que seja em relação à capacidade das áreas históricas da Europa porque nunca me viu escrever em lado nenhum que defendo uma sub-urbanização dos mesmos - apenas que nas politicas de reabilitação devem ser incluidas medidas que promovam o acesso de todas as classes e não apenas àquelas politicamente correctas - há uma diferença não há?

E sim, gostamos ambos de Lisboa, fica por esclarecer se algum de nós gosta dos lisboetas.

Muito cordialmente (e não, não estou a ser português suave, estou a gostar desta troca de pontos de vista)

Pedro CG

Mario J Alves disse...

Caro Pedro,

Com a sala vazia ou a dormir profundamente, podemos continuar. Quando eu disse que tenho prazer no debate tb não estava a ser português suave. Aprende-se sempre muito a conversar. Connosco e com os outros. Não vou responder a todas as suas perguntas - algumas das quais retóricas - porque senão nunca mais saímos daqui. Vou fazer um esforço para começar a fechar e concentrar-me no essencial. Tentarei desta vez, não ter cão, isto é não citar fontes que é para não parecer "livresco". :-)

Já chegamos pelo menos a um sítio comum. Podemos não nos entender no pormenor, mas no essencial os dois concordamos que neste momento: "os preços nos bairros históricos sejam elevados e reservados a uma minoria." Basta isto mesmo para a essência do meu argumento inicial:

O mercado imobiliário dos Bairros Históricos não está em crise, antes pelo contrário, está a ser já tomado pela especulação imobiliária. Se os preços são altos há mercado.

Portanto o essencial, quanto a mim, são mecanismos, fiscais e outros, para reduzir quanto antes e consideravelmente fogos devolutos - que contrariamente ao que se pensa, a maior parte pode ser habitada com pequenas medidas de reabilitação, aqui não estamos de acordo.

A ocupação de fogos devolutos, em conjugação com mecanismos de apoio, criaria uma energia sem precedentes porque não seria uma reabilitação institucional de de cima-para-baixo. Seria um fenómeno emergente e com muito menos investimento público. Os mecanismos de apoio, poderão ser de financiamento (micro-crédito), mas essencialmente desburocratização, apoio técnico e institucional.

Não faz sentido que os fogos das Zonas Históricas cumpram o RGEU. Não cumprem, nem felizmente cumprirão no futuro. O que é também importante perceber é que a indústria criativa precisa de casas de renda barata. Isto é, uma galeria que aposta em artistas de risco, ou um grupo de teatro alternativo, prefere ter um balde na casa de banho a aparar agua, que pagar a renda de um edifício reabilitado pelo Siza Vieira com garagens para estacionamento.

Os bairros históricos nunca satisfarão o consumidor médio (a definição é simples e absurda: uma média aritmética das características demográficas do comprador de casa na AML, X,x filhos, Y,y carros, etc.). Isto é mais evidente nos bairros históricos, mas tb é verdade em relação a qq zona da cidade. A invenção do conceito foi instrumentalmente útil para dimensionar urbanisticamente a produção em massa do mercado imobiliário periférico, mas neste mundo pós-industrial o Homem Médio acabou - de facto, nunca existiu.

Pergunta se pode concluir concluir das minhas palavras que automóvel é apenas indispensável para quem tem filhos. Não. Num paragrafo há algo que se chama contexto - estava a referir-me aos grupos demográficos que tinha acabado de mencionar na frase anterior e que escolheriam hipoteticamente viver num bairro histórico. Um jovem a viver em São João das Lampas precisará mais de carro, mesmo que seja gay, não tenha filhos e fume Marlboro.

Pergunta qual seria o argumento para proibir a circulação automóvel se 100% dos automóveis fossem movidos a Hidrogénio. Primeiro, não disse em lado nenhum que se deveria proibir a circulação automóvel. Falei sempre em medidas de restrição à circulação de forma a que seja possível todos nós termos uma possibilidade de vida mais saudável - cumprir por exemplo a legislação nacional em relação ao ruído e poluição e os limites estabelecidos pela UE. Mas como a pergunta encerra um assunto interessante, eu retomo-a de forma menos acintosa: Qual seria então o argumento para restringir a circulação automóvel se 100% dos automóveis fossem movidos a Hidrogénio? Muitos. A poluição atmosférica e os Gases de Efeito de Estufa, é só um dos factores que levam a que o uso e o abuso do automóvel em zonas urbanas torne a vida miserável para todos, inclusive para quem o usa. Ruído, ocupação excessiva do espaço público pelo estacionamento, necessidade infra-estruturas de circulação brutalistas tais como viadutos, túneis, avenidas de 8 faixas, etc., segurança rodoviária, disfunções sociais várias, custos de congestionamento. Este último poderá ser difícil perceber para quem não tenha formação nestas áreas, mas acredite que é um dos custos sociais do uso do automóvel mais gravoso em termos económicos para toda a sociedade. Por isso mesmo é urgente alterar o paradigma e não pensar que a tecnologia associada aos automóveis vai resolver os nossos problemas.

Agora a vaca-fria:

Já que concordamos que os preços nos bairros históricos sejam elevados e reservados a uma minoria, será um passinho concordar que a construção de mais estacionamento as fariam mais apetecíveis ainda. Se as leis do mercado estão correctas, tornando-as mais apetecíveis, a tendência natural seria a que os preços ainda subiriam mais. Pode argumentar que os dois concordamos com a existência de mecanismos de contenção de preços. Certo, mas estes mecanismos são sempre muito mais fáceis de por em prática se por outro lado não estamos a ter politicas que agravem a diferença entre o preço que queremos que se pratique e o preço que teriam os fogos em mercado livre - seria precisamente isso que faria uma politica de aumento do estacionamento nas zonas históricas.

E repare, estou a deixar de lado a impossibilidade física de aumentar o número de estacionamentos em zonas históricas sem as descaracterizar e criar problemas ambientais muito graves. Este limite físico é mesmo o determinante.

Porque é que é importante consultar livros e estatísticas? Porque se não, vemos a realidade com os nossos óculos, coloridos pelos sítios onde vivemos, a educação que temos, os grupos sociais em que navegamos - não me exclui aqui. Gosto de surpreender os amigos, dizendo-lhes que mais de 70% dos Lisboetas não tem carro. Se não caiu da cadeira, devo já dizer que confio perfeitamente neste número (não cito o estudo, para não parecer livresco :-) e como é a minha área de trabalho nem sequer me espanta. Espanta obviamente e naturalmente a quem vê a realidade com os óculos que tem.

Neste momento, as taxas de motorização (automóveis por mil habitantes) nas zonas históricas são muito baixas (por exemplo: Bairro Alto - 164, Castelo - 162, Santa Marta 231, Baixa - 227). E já nestas zonas é visível uma degradação imensa do espaço público ocupado pelo automóvel (isto não é uma critica a quem lá estaciona, mas uma apreciação subjectiva de quem conhece como são outras zonas históricas europeias). Como refere, são ruas ocupadas de lata, portas com carros a vedar as entradas de casas, problemas com os bombeiros e serviços de emergência, etc.

Antes de pensarmos se é de facto necessário aumentar a oferta de estacionamento nestas zonas (eu acho que não, vc acha que sim) temos que admitir que já é um problema muito complexo de como resolver este problema de agora. É obvio que a resolução deste problema terá que passar pela construção de silos (para tornar os espaços públicos mais aprazíveis - e não haja ilusões, só isso já vai puxar os preços dos fogos para cima). Mas estes silos devem ser construídos para retirar uma percentagem de carros que agora degradam estas ruas e por isso mesmo devem ser acompanhados de operações de requalificação de espaço público nas áreas adjacentes ao silo. É um problema complexo porque é politicamente difícil levar a que pessoas que durante décadas estacionaram de forma selvática mas gratuita (não é um julgamento), serem impedidos de o fazer e começem a pagar XX euros por mês para estacionar o carro num silo. É complexo porque serão necessários mecanismos financeiros (eventualmente parcerias público-privadas) para realizar estes silos. Mas estes silos são para resolver o estacionamento dos carros que já lá estão. Mais estacionamento do que isto, e já não é pêra doce, é um erro estratégico com consequências ambientais e patrimoniais muito graves.

Para finalizar uma palavra de esperança, não se preocupe com as zonas históricas, serão uma história de sucesso neste século. Depois de anos a recusar "soalho" e procurar "placa" haverá um desejo tão intenso pelo "soalho" (emocional ou racional não interessa agora discutir) que o perigo da zonas históricas é precisamente os preços dispararem (sem lugares para estacionar). A minha preocupação vai mais para as periferias, que com pouco transporte público e densidades mais baixas são muito dependentes do automóvel e poderão ficar numa situação muito complicada com a penúria do petróleo e a internalização dos Gases de Efeito de Estufa.

Sugiro terminar esta conversa no UM DIA POR LISBOA - Fazer e Não Fazer. No Teatro São Luiz, 19 de Junho

Cordialmente,
Mário

Pedro Cruz Gomes disse...

Olá Mário,

Isto está a ficar muito consensual, um dia ainda acabamos a cantar fados e a comer sardinhas num dos bairros históricos do nosso (des)conserto. Mas vamos lá tentar continuar a esclarecer os nossos pontos ainda divergentes.

Primeiro ponto: os preços nos bairros históricos. Ensina a experiência que, para além da, como muito bem lhe chamou, inflacção por expectativa e que é uma das duas doenças principais do nosso mercado imobiliário (sendo a segunda o amadorismo da esmagadora maioria dos compradores) e de uma certa imobilidade dos operadores, o aumento da oferta de produtos num determinado local acabará por levar à descida dos preços ao fim de um certo tempo. Essa é uma regra que é independente dos locais e só não se tem verificado nos bairros históricos porque precisamente a oferta continua teimosamente baixa. E continua teimosamente baixa por três ordens de factores: o elevado preço da reabilitação de imóveis (porque prevalece a reabilitação sobre a reconstrução), a propositadamente pesada estrutura de licenciamento da Câmara aos promotores privados que dificulta proporcionalmente à inovação das propostas o seu licenciamento e a ausência de uma política de lançamento de fogos para venda ou arrendamento por parte da autarquia. Bottom line (não se ponha com piadas ao anglicismo; esqueci-me do equivalente em português): se o aumento de estacionamento se fizer em paralelo com o aumento da oferta de fogos para venda ou arrendamento os preços não subirão.

Mas não é por aí que eu quero ir. O que eu defendo é, face à que eu considero imprescindível necessidade de aumentar a população dos BHs e da a tornar o tão heterogénea quanto possível, a criação de fogos que sejam apetecíveis para a classe média o que, como tal, implica a criação, entre outras características de parques de estacionamento na proximidade - não à porta de casa, não na rua. Aliás seria um pouco difícil criar estacionamentos nas ruelas de Alfama ou da Mouraria que têm menos de 2 metros de lado, não concorda? No que nós discordamos é na vocação de heterogeneidade social dos BHs. Parece-me que acha inevitável que, para sobreviverem, eles devem ser reservados a uma elite que dispensa, por desnecessidade ou por opção, o automóvel e a uma minoria lumpen que já não tem capacidade para emigrar. Pelo contrário, eu acho que é assim que eles não irão sobreviver. Aliás, eu entendo que, continuando esse caminho, e face aos preços elevados será mesmo à clássica gentrificação que eles se estão a candidatar: uma substituição pura e dura dos habitantes existentes (por abandono dos mais novos, por morte dos idosos) por uma nova classe, pouco diferenciada em termos sociais, culturais e económicos. É este cenário que deseja? Pois olhe que é este que vai ter.

E desculpe-me lá a frontalidade: que raio de frase feita é essa do "O mercado imobiliário dos Bairros Históricos não está em crise, antes pelo contrário, está a ser já tomado pela especulação imobiliária."? Então especulação imobiliária não é o que faz qualquer promotor imobiliário? O que é especulação imobiliária - vender com lucro? Vender com lucro elevado? Vender com lucro obsceno? Vender por um valor acima do valor "real"? Tudo (tirando casos particulares de necessidade ou "nabice") que é vendido em Portugal em termos imobiliários é vendido acima do que vale (e, noutro lado, noutro tempo, com calma, explico-lhe porque é que tenho razão)... Excepto se quiser que este "vale" signifique o que o mercado entende. Mas se me diz que as coisas devem ser vendidas pelo valor justo e o valor justo é o valor de mercado, então não há especulação porque é o mercado que faz estes preços! Pode ainda argumentar que especulação é a que resulta da compra de apartamentos para revenda: isso é verdadeiro e aconteceu por Lisboa toda pelo menos desde os tempos de redescoberta do novo-riquismo na segunda metade dos anos oitenta. Aconteceu nas Amoreiras, aconteceu no Parque dos Príncipes, aconteceu no princípio da Alta de Lisboa, aconteceu em tudo quanto foi grandes promoções e loteamentos imobiliários. Nos BHs não tenho conhecimento para além de, eventualmente, nos casos pontuais do Bairro Alto (ainda que duas andorinhas não façam a Primavera). Concluir que, por haver preços altos a especulação imobiliária já está a tomar conta do mercado não faz sentido. E que, se os preços são altos há mercado também não. Os preços podem ser "baixos" e haver mercado. Basta que a margem de lucro seja alta. Como é que se faz? Reabilitando mal e barato prédios comprados por tuta e meia. É claro que se podermos vender esses mesmos fogos por dez tutas e meia, melhor. Mas isso é culpa dos parolos novos-ricos que querem comprar caro o que nem barato deveriam fazer, não do promotor...

E Mário, não insista: a maior parte dos fogos devolutos dos BHs NÂO pode ser bem reabilitada com pequenas medidas de reabilitação. Tendo aproveitado o fim-de-semana para seguir o seu m.o., consegui descobrir documentação da Direcção Municipal da Reabilitação Urbana (que entretanto já mudou de nome numa daquelas mudanças da treta que o SLopes inventou para lisboeta ver e que eu nunca me dei ao trabalho de memorizar) que me confirmou um dado que eu aqui já tinha exposto. E o que diz ela? Que, em 1995, 66% dos edifícios existentes nos BHs precisavam de uma intervenção média a profunda. Repare, 2/3 do total dos edifícios, não dos edifícios devolutos! Agora, como dizia o outro senhor, é fazer as contas. Mesmo não considerando que a taxa de degradação dos edifícios foi superior nestes 12 anos à da recuperação empreendida por públicos e privados, o que levaria a um aumento desta percentagem e não considerando que a percentagem de fogos fechados por falta de condições é superior à dos fogos habitados, serão, mantendo a proporção, 2/3 dos fogos devolutos que precisam de intervenções médias a profundas. Baratas? Rápidas? Eficazes?
Eu até admito que haja quem se preste a viver com um balde a amparar a água que pinga do tecto e em risco de morrer electrocutado ou nos escombros de uma derrocada, mas serão assim tantos que preencham um bairro? Deverá a autarquia em nome do preenchimento de habitantes licenciar o que não é passível de ser licenciado? Deverá ignorar a lei? Deverá mudar-se a lei? Imagina as situações que esta generalização criaria designadamente no alojamento das populações mais carentes, designadamente nos imigrantes (que aliás já acontecem "ao pontapé" na Mouraria)? Mário, não faz sentido.
E não acredite que com pouco dinheiro se pode fazer boa reabilitação. Fazem-se tugúrios, barracas em forma de prédios - é isto, só isto que faz sentidos para os BHs? Uma espécie de bairro de okupas? Pobretes mas alegretes?

Se não faz sentido que os fogos dos BHs não cumpram o RGEU onde traçamos o limite - ou não traçamos o limite? Serão aceitáveis casas sem instalação sanitária? Sem cozinha? Sem ventilação? Sem salubridade? É que o RGEU não é só áreas... E, mais uma vez: deverá a autarquia, em nome de uma opção de algumas comunidades, aceitar a proliferação de casos de exploração das comunidades mais desprotegidas?

Só lhe perguntei por mais argumentos para a proibição da circulação automóvel para além da poluição do ar para perceber como pensava e o que pensava. Tenha a bondade de conceder que, mesmo os que não são da área têm a inteligência suficiente para se aperceberem dos factores que menciona. Mas deixe-me lembrar-lhe que mesmo nas urbes onde a maioria da população se desloca por transportes públicos cuja circulação não é afectada pelo congestionamento do trânsito automóvel (comboio e metro), como Tóquio ou Nova Iorque esses problemas não se apagam - as pessoas continuam a passar demasiado tempo em deslocações, continuam a ser stressadas, continuam a ter o seu rendimento laboral afectado. Ou seja: o problema não o deslocamento ser em transporte individual ou público, o problema é o deslocamento. O problema é o do tamanho da megapolis que obriga muitos a viverem afastados do centro, o problema é do mau ou ausente planeamento da mesma, o problema é o do desenvolvimento económico. O que quer dizer que o problema vai muito para além do automóvel e que não é a erradicação da circulação do mesmo que o irá resolver. Ou seja: retire o automóvel aos periféricos e suburbanos e eles ainda passarão tempo demais nas deslocações. Coloque as pessoas a viver mais perto do centro ou, inversamente ou em simultâneo, coloque mais centros à disposição das pessoas, e estará mais perto da solução.

Passando à fria vaca: é precisamente mais apetecibilidade que defendo para as zonas históricas, ou seja uma apetecibilidade mais democrática. Você também. Você acha é que as pessoas devem ser mais pobrezinhas no querer e eu acho que existem modos de controlar esse querer.

O caminho da "descaracterização" é um caminho perigoso porque implica tomar uma posição de escolha que não é isenta de subjectividade. E quem garante a objectividade dessa subjectividade? Conhece a acção da DGEMN nos anos 40? Ela também achou que teria de se limpar a tralha apócrifa dos monumentos nacionais... e retirou todas as intervenções que considerou posteriores ao "espírito" inicial da construção... criando assim obras ainda mais apócrifas do que as anteriores como o Castelo de S. Jorge ou a fachada da Sé - felizmente que não tocou na fachada barroca do descaracterizado e gótico Convento de Alcobaça! Pois o que seria então descaracterizar um BH? Cristalizá-lo tal como está? Impedir a construção de novos edifícios em lugar dos demolidos? Obrigar à reconstrução exacta dos edifícios derrocados, com os mesmos materiais, as mesmas soluções construtivas? Seria antes manter o "ar", o "espírito", o "pitoresco" (como já vi escrito em documentos camarários dos anos... 40?) Cuidado Mário, com as frases feitas. Eu aposto consigo em como seria possível aumentar o número de estacionamentos nos BHs sem um desastre ambiental grave e sem que a "descaracterização" lhe arruinasse a identidade.

Porque é que havia de me espantar que 70% dos habitantes de Lisboa não têm carro? Basta fazer contas! Se considerarmos as percentagens de crianças e de idosos, de reformados com pensões mínimas, de famílias com um único carro, temos um bom começo. Se considerarmos ainda os rendimentos per capita dos habitantes do centro, temos uma boa continuação. E por aí fora... Se ainda extrapolar a minha situação, em que só 33% das pessoas que moram nesta casa têm carro, posso dizer-lhe que não me espanto mesmo nada :-)

E quanto aos parágrafos finais: em Alfama e na Mouraria a percentagem de carros parados à porta é muito baixa porque nem sequer há acesso automóvel à porta da maioria dos edifícios. Os problemas com os bombeiros existem não por causa dos carros mas porque não há espaço para as viaturas de socorro passarem... Está a ver porque é que valeria a pena repensar as circulações automóveis no interior de bairros como estes?

E pronto, demos a volta e você já concorda com a necessidade da construção de espaços alternativos de estacionamento e eu com as restrições à circulação automóvel. E não é preciso obrigar as pessoas a pagar directamento XX euros por mês para um estacionamento. Podem perfeitamente agregar-se estes custos à construção dos novos edifícios e considerá-los incluídos na propriedade horizontal. Sem que isso aumente os valores de venda. Basta que sejam construidos pela demoniaca EPUL, por exemplo. E sim, defendo uma intervenção quarteirão a quarteirão, com a demolição daqueles que não sejam considerados de referência e com a construção de novos edifícios com projectos consentâneos com a envolvente.

A que consequências patrimoniais se refere e que serão maiores do que deixar os edifícios no estado péssimo de conservação que parece defender?

Apesar de gostar muito de soalho, deixe-me dizer que essa procura acabará no dia em que o vizinho de cima, a banheira do vizinho de cima, a estante carregada de livros do vizinho de cima lhe cairem em cima em virtude da cedência dos materiais ou do colapso da estrutura em virtude do sismo mais violento. É que o "soalho" pode parecer uma opção natural a quem vê a realidade com os óculos que tem mas acredite que, para quem como eu que faz disso a sua área de trabalho, a escolha cega do que é antigo sem a perspicácia de tentar perceber se é seguro ou não se assimila muito a um suicídio a prazo... sem assistência.

E sim, continuaremos com certeza a conversa no próximo dia 19. Ah, e aproveite para levar o estudo do ISCTE que refeiu para mo emprestar

Cordialmente,

Pedro CG