quarta-feira, 6 de junho de 2007

Lx2007 - Cidadania (II)

E para não serem só perguntas sem resposta, eis uma possível resposta para algumas das perguntas...

PROPOSTAS PARA UMA CAMPANHA ELEITORAL

REABILITAÇÃO URBANA


Defina-se em primeiro lugar qual o âmbito em que iremos tratar a “reabilitação urbana” já que, no seu sentido mais lato, reabilitação urbana será qualquer tipo de intervenção de requalificação que se faça numa cidade. Assim, de que falamos, quando falamos de reabilitação urbana em Lisboa? Especificamente, estamos a referir-nos à actuação do poder público na definição e na execução de políticas que eliminem as patologias urbanas (sociais, arquitectónicas, económicas) e as causas a elas associadas de que enfermam os denominados bairros históricos da cidade (concretamente Alfama, Mouraria, Madragoa, Bairro Alto, Bica). Em linguagem mais pragmática: que procurem reconduzir estes bairros a patamares de vivência que já tiveram, com diversidade etária, social e económica e com capacidade de gerar, sem auxílio externo, condições para que esses níveis se mantenham.

Demasiado críptica a intenção? E que tal, em português mais directo: que se criem condições para que saiba bem lá viver?

Esta dificuldade aqui expressa de definição de um objectivo que, à partida, pareceria tão fácil de definir, é um espelho das dificuldades que as várias forças (na verdade foram só duas: o PCP e o PSD) no poder tiveram para, mais do que saber o que queriam, concretizar o que queriam para a parte antiga de Lisboa.

Tentemos então sistematizar ideias.

Quais são então os principais factores para “criar” qualidade de vida” num bairro? Resumidamente,

- A arquitectura (das fachadas aos espaços interiores)
- O urbanismo (no que respeita à “disfrutabilidade” dos espaços)
- A facilidade de acessos, de circulação automóvel, de estacionamento
- A proximidade dos equipamentos e serviços
- A proximidade de transportes públicos
- A existência de espaços de lazer e a sua agradabilidade

Penso ser do senso comum concordar que estes factores tanto funcionam para as novas urbanizações como para as existentes. Se assim é, então para que exista uma efectiva reabilitação do bairros históricos lisboetas é necessário garantir que neles estes factores existam ou voltem a ser oferecidos – não é pela lágrimazinha furtiva que emitimos quando por eles passeamos, ou quando a sardinheira no varandim, o candeeiro antigo na fachada ou as ruelas perfumadas pelo manjerico nos captam a atenção que mais população decidirá voltar a habitá-los.

Não é pelos seus lindos olhos que os bairros históricos passarão a ser atractivos o suficiente para motivar o aumento da sua população.

Mas é mesmo o aumento da população que o poder camarário quer para os bairros históricos?

Pelo que fez e disse através dos responsáveis da altura, ao PCP (e, por força da coligação ao PS) isso não interessava: objectivo fundamental era o de criar condições de habitabilidade à população residente, evitando, num equilíbrio precário, a sua fuga mas também a gentrificação dos locais, numa espécie de nunca assumido, parque temático socialmente correcto. Em simultâneo, defendia-se a necessidade dos bairros criarem a sua própria sustentabilidade e a vontade dos mesmo não se gentrificarem (ou seja que não se alterasse a sua composição sociológica) o que, perante uma população que tinha demonstrado à saciedade não ter recursos para tal (daí a necessidade de intervenção camarária na reabilitação dos edifícios), nunca ninguém soube ou pode explicar como. Também o PSD, por omissão – já que nunca contestou a política anterior, antes a anunciou mais eficazmente gerida -, pareceu concordar com esta ideia (o que ideologicamente parece também fazer sentido: à média burguesia as urbanizações limítrofes, aos pobrezinhos o depauperado centro para turista ver). Quanto aos restantes partidos, para além das bondosas frases de circunstância em defesa do politicamente correcto, nada de mais específico se ouviu.

E será o aumento da população nos bairros históricos o que Lisboa precisa? Como?

Do meu ponto de vista, essa necessidade é uma evidência.

Porque não faz sentido – urbano, económico, social – ter uma cidade esvaziada no centro, tomada pela pobreza e/ou pelos serviços, e superlotada na periferia.

Porque Lisboa precisa de massa crítica populacional de modo a viabilizar toda uma gama de pequenos serviços que servem para dar tessitura a uma cidade – o comércio de proximidade, os serviços de apoio aos moradores, por exemplo.

Porque, como já foi referido, os bairros precisam de auto-sustentabilidade de modo a suportarem-se por si próprios, numa sempre activa regeneração que cria actividade, gera riqueza, aumenta o nível de vida das populações.

Porque, mesmo para consumo turístico, uma zona viva, pujante, activa, gera mais riqueza e mais oportunidades para todos, do que uma relíquia que apenas tem para oferecer os sinais da decadência e de um passado morto.

Porque a democracia se constrói com gente activa e não com uma população decadente e sem futuro, porque uma cidade se constrói em evolução e não em involução.

Se então se torna claro que o aumento da população é uma necessidade, onde buscar essa população?

Nos últimos 30 anos Lisboa encontra-se num ciclo claramente regressivo de população. Há uma fuga clara para os concelhos limítrofes que anula os efeitos da imigração interna do interior do país para a capital e da imigração vinda do exterior, fruto, não da oferta de melhores condições de habitação mas de uma melhor relação preço/qualidade da habitação. Há uma fuga para as novas urbanizações da periferia da cidade pela mesma razão.

Perante esta realidade, ou se seduz a população já residente na cidade ou se procura o regresso dos que emigraram para os concelhos vizinhos. Ou se depaupera ainda mais o interior do país.

A primeira hipótese está fora de questão por não contribuir para o aumento da população da cidade, do mesmo modo que, a terceira parece de todo em todo recusável. Resta assim dirigir os esforços de captação de nova população para aquela que já na cidade habitou.

Como criar então atractividade suficiente nos Bairros Históricos para que nos mesmo se verifica uma inversão da procura actual? Pela conjugação de dois factores: o económico e o emocional.


Porque é que as gentes fugiram de Lisboa? Porque lhes desgostava viver na cidade onde nasceram? Porque a perspectiva de passar entre duas a três horas nos percursos entre casa e o emprego lhes era atraente? Porque a desumanidade das cidades dormitório lhes era indiferente? Ou porque simplesmente não tinham dinheiro para viver na Lisboa que queriam?

Repare-se no tipo de produto imobiliário disponível nos bairros históricos para preços por metro quadrado equivalentes aos da periferia: apartamentos de áreas reduzidas, inferiores muitas vezes aos mínimos sociais definidos na legislação, em prédios antigos a necessitar de obras, sem garantias de resistência sísmica, sem garantias de estanqueidade, sem elevador, em zonas de difícil acesso automóvel e quase impossível estacionamento.




Como é possível acreditar-se verdadeiramente que, apesar destes elementos desfavoráveis (que constituem o fulcro de toda a decisão de escolha de uma casa), ainda haverá uma população suficientemente numerosa que escolha morar nos bairros históricos?

Só alterando profundamente estas condições se inverterão os fluxos habitacionais actuais. Acrescentando à parte afectiva que existe – as vistas do rio, a cultura própria dos sítios, a patine histórica, a luz – razões mínimas de conforto suportadas por preços concorrenciais.

A nível arquitectónico escolhendo criteriosamente – por razões arquitectónicas, históricas, culturais – quais os poucos quarteirões a preservar e demolindo e recriando, em condições regulamentares e em coerência com o existente, novos espaços de habitação numa lógica de intervenção quarteirão a quarteirão, aproveitando a economia de escala e – factor fundamental – criando condições de resistência a sismos (o que, diga-se frontalmente, é quase impossível de garantir em intervenções individuais). Recorde-se que a reabilitação, em condições regulamentares, de um edifício em Alfama ou Mouraria atinge, sem grandes descontrolos orçamentais, valores que são duplos a triplos dos valores definidos por lei para habitação social – é esta a principal razão porque, apesar das boas intenções, a maioria dos projectos de intervenção da CML não foi concluída.

A nível urbano, aproveitar alguns desses quarteirões para instalação de silos de estacionamento. Deixar quarteirões vazios de habitação e criar espaços de fuga para o Tejo para os olhares e de fruição para os sentidos. Acautelar a manutenção das carreiras de eléctricos existentes e criar transportes públicos interiores (não existem já os transportes sociais pagos pela CML?) em veículos ecológicos com dimensão adequada à dimensão das ruas. E – porque não? – reestruturar circulações, criando ou alargando algumas ruas de modo a racionalizar circuitos de acesso aos edifícios (e não para trânsito automóvel) acabando de vez com a mentira da proibição ao trânsito automóvel em vigor em alguns bairros.

É arrepiante pensar na demolição de muitos dos prédios destes bairros?

Arrepiante é pensar que, no estado em que estão as coisas, alguém ainda possa acreditar que muitos deles terão à sua frente uma vida longa. Muitos vêm morrendo há décadas, corroídos por múltiplas infiltrações derivadas da ausência de obras de manutenção e reabilitação; muitos degradam-se fruto de intervenções casuísticas efectuadas por moradores pouco esclarecidos ou empreiteiros ignorantes; quase todos não têm um mínimo de condições de resistência a um sismo de intensidade semelhante à dos que atingiram Lisboa no passado.

Arrepiante é acreditar na bondade das intenções da autarquia que garante todos pretender reabilitar. Como, se lhe faltam as verbas? Como se são as verbas no passado aplicadas na reabilitação de um ínfimo da área existente que tanto pesam na dívida de hoje, a ponto de paralisarem a acção da Câmara?

O presente exige realismo, pragmatismo e inteligência. Para se aceitar que as teorias do passado foram as responsáveis pelo presente, para compreender que, para além dos gostos estão as necessidades da cidade. E para se evitar cair em tentações de sinal contrário em que o camartelo é rei e o progresso fazendo tábua rasa de tudo. Porque se é tempo de acabar com uma Lisboa antiga, miserável e moribunda, nunca o será da construção de uma alta coimbrã ou de uma ceausesquiana Bucareste.

2 comentários:

Tiago disse...

Ora aí está o Viver a marcar pontos na corrida autárquica. Gostava de ver se alguma candidatura teria lucidez para falar assim dos assuntos, sem se limitar a mandar palavras para o ar.

Parabéns, Pedro, pelo teu esforço para credibilizar este blog.

Pedro Veiga disse...

Muito lúcido este texto. Gostava de de saber o que pensam sobre isto os actuais candidatos à autarquia.
Lisboa tem estado entregue às mãos dos especuladores que procuram construir condomínios a preços de luxo que ajudam a expulsar da cidade quem vive do rendimento do seu trabalho. Graças a esta política (ou ausência dela) Lisboa está a ficar cheia desses condomínios fechados rodeados por muros e grades. A pouco e pouco a insegurança aumenta porque a verdadeira vida de cidade desapareceu ao migrar para os arredores da cidade.
Pedro, parabéns pelo texto.