segunda-feira, 19 de março de 2007

A alegria de trabalhar em companhia



O Centro Social da Musgueira sempre foi um projecto de muitos... Desde a sua génese em 1963, quando um grupo de muitos voluntários impulsionados pelo Pe. José Manuel da Rocha e Melo s.j. decide “deitar mãos à obra” e apoiar a população do que viria a ser o Bairro da Musgueira Norte, não mais parou de conquistar simpatizantes e amigos, pessoas conhecidas e anónimas, que têm mantido de pé um ideal e sobretudo, o têm tornado realidade.

A zona da Musgueira integrava, na altura, uma grande área periférica da cidade de Lisboa, deixada livre de construções por constituir zona de protecção ao aeroporto da Portela.

Esta circunstância possibilitou a fixação desde 1961 de um elevado número de famílias provenientes de locais diferenciados. Todas elas vinham de um desalojamento imposto que se prendia com catástrofes naturais (aluimento de terras, incêndios) ou por necessidades urbanísticas (população oriunda da Av. de Ceuta e do Alvito devido à construção dos acessos à Ponte sobre o Tejo). A migração sobretudo do interior centro e norte do país foi também elevada. A ocupação teve sempre um carácter provisório.

As precárias condições de habitabilidade, as carências sociais dos novos residentes e a dificuldade da CML em assegurar a essas famílias condições minimamente aceitáveis, determinou a intervenção de outras entidades, nomeadamente, a do Centro Social da Musgueira.


O Pe. José Manuel Rocha e Melo conseguiu seduzir um grupo de jovens voluntários e juntamente com eles, dedicou-se a ajudar os mais necessitados nas formas mais variadas, desde a reparação de barracas, o fornecimento de refeições, a implementação de Salas de Estudo, a organização de uma Cooperativa de Consumo, até aos mais diversos trabalhos de apoio.

Em 1981, segundo o XII Recenseamento Geral da População, a população residente na Musgueira Norte (bairro com aproximadamente 20 ha) era de 5219 indivíduos, correspondendo a 1364 famílias, das quais 47,5% viviam em barracas. O bairro mostrava elevados valores de densidade populacional e apresentava problemáticas referentes aos actuais flagelos sociais marcados pela pobreza e exclusão social: toxicodependência, baixo nível de escolaridade e qualificação profissional, trabalho precário, agregados sem qualquer ocupação, entre outros.


O Centro Social centrou-se não só na construção e viabilização de alguns equipamentos mas também na mobilização de esforços para sensibilizar as entidades competentes para a necessidade de criar infra-estruturas no bairro. A sua acção nos campos da habitação, saúde, educação, nas actividades sócio-culturais, económicas e religiosas, moldaram profundamente o bairro.

A promoção do trabalho entre as instituições do Bairro, o encontro de parcerias, foi sempre uma tónica presente no dia a dia.

Nunca foi um trabalho isolado. Os primeiros pavilhões de lusalite deram lugar aos actuais edifícios, construídos com a ajuda da população. Os serviços prestados pelo Centro Social foram progressivamente adaptados às necessidades dos moradores, acompanhando a sua evolução. Assim surgiram o A.T.L., as Colónias de Férias, o Convívio para a 3ª idade, a Associação de Cultura e Recreio (com actividades muito variadas), as Actividades de “Porta Aberta”, os Campos de Férias, os Campos de Férias Familiares, o Atendimento Social e a Catequese (década de 60). Depois surgiu o Jardim de Infância, e mais tarde o Centro de Dia para os idosos (1985) e o Serviço de Apoio Domiciliário aos acamados ou dependentes (1989). Em 1987, funcionaram cursos de formação profissional subsidiados pelo Fundo Social Europeu. O Centro Social proporcionava ainda, reuniões de moradores, com representantes de cada uma das ruas e dos lotes, onde eram discutidas as necessidades mais prementes de cada um e os moradores se envolviam activamente na sua resolução.


Foi também com muitos moradores que começou a ser criado o corpo de funcionários de uma grande equipa que diariamente e até hoje, continua a trabalhar para servir. Para servir bem, com qualidade e com regras, com muito respeito por quem solicita os seus serviços. Sem nunca deixar de contar com o apoio de voluntários e do generoso auxílio financeiro de muitos particulares, o Centro foi-se progressivamente dotando de uma estrutura técnica profissionalizada. Mais uma vez, são muitos braços. Esforçados, dedicados, com a devoção daquele que sente que é uma peça valiosa numa grande engrenagem. Mas como quem corre por gosto não cansa, são conhecidos e reconhecidos pela sua alegria no trabalho.

A missão continua a ser a mesma: a promoção social e humana, a capacitação, o desenvolvimento, a aprendizagem em conjunto, a integração.

A realidade é que felizmente mudou. A Musgueira, sinónimo muitas vezes de degradação e marginalidade, já não existe. Deu lugar a condições dignas de habitabilidade, a uma cidade nova que obedece a um plano urbanístico, e que quando finalizada, será ela própria uma referência. Os seus antigos moradores têm hoje outras oportunidades e enfrentam desafios novos. Certamente as mudanças são muitas e requerem algum tempo de treino, mas têm a oportunidade de tentar... O Centro Social da Musgueira continua apostado nessa tentativa de desenvolvimento, de integração. Assim, continuará a adaptar as suas respostas sociais às necessidades de cada momento, dirigidas agora a uma população, não da Musgueira, mas da Alta de Lisboa.

Actualmente, e desde 1987, é presidido pelo Pe. Afonso Herédia, s.j.. Conta com 100 crianças no Jardim de Infância e 20 no ATL. O Centro de Dia acolhe diariamente 60 idosos e o Serviço de Apoio Domiciliário apoia 50 dependentes. No trabalho com os jovens, dinamiza uma Mediateca com múltiplas actividades de educação não formal dirigidas a cerca de 200 jovens e proporciona Salas de Estudo a 50 jovens que encontram um apoio escolar do 5º ao 12º ano. O Centro mantém também, um serviço de atendimento social à Comunidade e promove campos de férias, acções de formação e inúmeros projectos.

Todas as actividades em curso são comparticipadas pelos utentes, à medida das suas possibilidades. Este factor, além de uma questão de sobrevivência, corresponde desde a primeira hora a uma filosofia e pedagogia da Instituição.

O Centro Social da Musgueira enquanto Instituição que se quer ao serviço de uma comunidade, vive no momento um desafio e uma esperança: a de vir a ter as condições que lhe possibilitem dar continuidade ao seu projecto de promoção e apoio social a uma Comunidade, seja ela mais a norte ou mais a sul.

Prolongam-se desde 1995 as negociações do realojamento da Instituição. Apenas as valências de Centro de Dia e de Serviço de Apoio Domiciliário se encontram a funcionar em novas instalações no Bº da Cruz Vermelha desde 2001.


Esta semana foram finalmente colocadas as primeiras estacas que delimitam o terreno onde serão construídas as novas instalações do Centro Social da Musgueira que acomodarão as crianças e jovens. É um momento histórico. E dá a todos, funcionários e utentes, alento para suportar mais um ano o abandono a que foi votado, e as dificuldades no acesso ao Centro que, com verdadeira heroicidade, diariamente têm que ultrapassar.

O futuro será moderno, desafiante, adaptado à nova realidade humana, de integração e desenvolvimento. Um espaço onde todos são convidados a pensar, propor, dinamizar e participar.

E mais uma vez... hoje, tal como ontem, somos muitos. E com muita vontade de fazer bem.

Hoje, 19 de Março de 2007, o Centro Social da Musgueira faz 44 anos.
Muitos Parabéns!

10 comentários:

Anónimo disse...

Congratulations for the great post. Fantastic photos and brilliant story. I feel a lot more respect for the old Musgueira as a result. Thanks.
(ps congratulations for also for bringing back to life the blog... I was about to stop visiting due to prolonged silence)

Pedro Veiga disse...

Muitos parabéns ao centro pelos seus 44 anos! Belo texto que mostra a importância deste centro no apoio social às pessoas e famílias carenciadas.
Parabéns Ana B.!

João Tito Basto disse...

Parabéns ao Centro Social da Musgueira! Que bom um texto teu Ana, que seja o primeiro de muitos!

Anónimo disse...

Para quem "vive" nesta realidade há 7 anos é optimo relembrar outros tempos e ler boas novas... Muitos Parabens CSMN!!! E especialmente PARABENS a todos quantos tornam este projecto uma realidade diária.

Anónimo disse...

***** Estrelas pelo texto.

Parabéns a todos aqueles que desenvolvem o projecto do Centro Social da Musgueira.

Obrigada pelo carinho, atenção educação e instrução que a minha filha recebe todos os dias pelas educadoras e restante pessoal auxiliar.

Espero que a Junta de Freguesia do Lumiar tenha atenção ao actual acesso e reponha as condições normal de circulação.

João Carlos Beça Antunes

Anónimo disse...

Ana, obrigada também pela alegria de poder trabalhar contigo e em companhia.
Hoje, particularmente, estou ainda mais feliz é que, na visita à exposição, dizia-me uma mãe: Se aqui neste local que mais parece um barracão, apesar de estar bem arranjadinho por dentro, vocês fazem este trabalho não sei que lhe diga quando passarem para as novas instalações... vocês, todos que aqui trabalham, estão de parabéns.
De momento que posso eu dizer? Só me ocorre agradecer em nome de todos e acrescentar que é um privilégio fazer parte desta equipa e lembrar que sem os utentes e suas famílias este reconhecimento não seria de todo possível.
Estamos, pois, todos de parabéns. Que venham mais outros 44 anos, claro, na casa nova. Até sempre...
Helena Viana (educadora)

Anónimo disse...

Podemos ter defeitos, viver ansiosos, por vezes mesmo frustados, mas não podemos esquecer que a nossa vida é a maior empresa deste mundo. Só de nós depende o reconhecer que vale a pena viver e aceitar todos os desafios e momentos de crise.
É este o espirito que se respira ao trabalhar nesta Instituição, na qual me orgulho de trabalhar há já largos anos...
Obrigada Ana pela força e o carisma que ajudas a criar e a manter em todos os momentos.
Bem haja a todos os que trabalham no Centro Social da Musgueira!
MJ

Cininha disse...

Vou aproveitar este 'cantinho' para perguntar à Ana B. que, pelo excelente texto que colocou, presumo esteja totalmente envolvida nas actividades do Centro Social da Musgueira, como fazer para aceder ao espólio usado para uma exposição que foi, em tempos, montada no Parque da Quinta das Conchas e dos Liláses. Gostaria de reeditar a exposição, mas desta feita na internet. Isto implicaria digitalizar o dito material... Com quem posso falar?

Ana B. disse...

A exposição chamava-se "Memórias ComVida" e foi montada no passado mês de Junho na Quinta das Conchas. Foi o resultado de um trabalho conjunto do Grupo de Parceiros da Alta de Lisboa. Este grupo é constituído por 18 instituições ou entidades que actuam na Alta em áreas muito diversas e que junta a autarquia, a saúde, a educação, a Misericórdia, Instituições Particulares de Solidariedade Social, ONGs, Fundações e Associações, à mesma mesa, para pensar e discutir a Alta de Lisboa e agir de uma forma integrada. Foi nesse âmbito que surgiu o Projecto de Recolha de Memórias da Alta de Lisboa que deu origem àquela exposição. Pretendia-se mostrar os aspectos mais positivos e gratificantes da zona, a História dos Bairros e Quintas pré-existentes, as suas memórias, tudo o que de bom tinham e continuam a ter, as suas potencialidades. Conhecer melhor as raízes, as origens, como um bom ponto de partida para apreciar o subsequente crescimento e desenvolvimento. A iniciativa seria também uma forma de novos e antigos moradores se conhecerem melhor, combater eventuais receios e encontrar interesses comuns. A recolha foi feita pelas instituições juntamente com os moradores, obedecendo a uma dinâmica de pesquisa, e consubstanciou-se na recolha de fotografias, testemunhos, histórias de vida, construções de maquetas e videos, entre outros. Cada instituição participou da forma como se sentiu mais confortável e os materiais que foram objecto da exposição permanecem em cada uma dessas instituições. Posso dizer também, Cininha, que este projecto não está terminado... O próprio Grupo de Parceiros vai disponibilizar todo este material on-line num Site que se encontra actualmente em construção e que em breve estará acessível. Também está agendada para breve outra iniciativa relacionada com as memórias da Alta, com mais espólio e mais novidades.

Anónimo disse...

Ana B.
PARABÉNS! Adorei ler o teu texto e adorei ver as fotos mais antigas, momentos que não conheci.
O Centro fez e continua a fazer um excelente trabalho. Sinto-me orgulhosa de poder colaborar um pouquito que seja nesta obra.
Beijos e continuação de um óptimo trabalho.
PBS