Parque Oeste, Maio de 2006
Não sei se dura sempre esse teu beijo
Ou apenas o que resta desta noite
O vento, enfim, parou
Já mal o vejo
Por sobre o Tejo
E já tudo pode ser
Tudo aquilo que parece
Na Lisboa que amanhece
Sérgio Godinho (Lisboa que amanhece)
Saio de casa com a luz do sol da manhã a incidir sobre todas as superfícies e objectos. É urgente colocar os óculos escuros para enfrentar a Avenida Sérgio Vieira de Mello com a luz do Sol pela frente. “Fruticarla”, “Talho d’Avó”, “Peixaria Estrela Dourada”, são alguns dos nomes do comércio local que anima as ruas áridas desta parte nova de Lisboa. Esta Lisboa não é a Lisboa dos nossos poetas. Falta o Tejo com os seus reflexos, falta a densidade da vida nas ruas, faltam os ecos de uma cidade em movimento. É ainda e só uma Lisboa de promessas adiadas, com muitas ruas e passeios por acabar, cheia de pó no Verão e de lama no Inverno.
A Alta de Lisboa é um território de “suturas sociais” delineadas pela geografia dos empreendimentos. A norte do Parque Oeste (ou do Vale Grande) a convivência entre diferentes classes sociais é, aparentemente, nula. Dificilmente um morador das habitações de venda livre frequenta um estabelecimento comercial inserido num bloco de andares de realojamento. Ao andar pelas ruas sente-se bem esta clivagem entre estratos sociais. Uma rua que serve as habitações de realojamento está sempre animada ao longo do dia; pelo contrário, uma rua que serve um condomínio de venda livre está sempre deserta ou quase deserta a todas as horas. Os escassos metros que separam um condomínio vendido a preços de luxo de um outro destinado ao realojamento são percorridos por crianças agitadas, às vezes demasiadamente agitadas. Os resultados estão à vista e não poupam os equipamentos públicos nem as fachadas que rapidamente perdem o brilho próprio do que é novo. Na praceta de acesso ao meu apartamento metade dos candeeiros públicos não tem luz, as paredes estão a ficar muito pintalgadas com aqueles feios rabiscos, alguns dos vidros duplos estão a ceder às investidas constantes de pés muito enérgicos, as pedrinhas dos canteiros estão cada vez mais dispersas pela calçada, o parque infantil é constantemente martelado com vários objectos, o lixo acumula-se nos cantos mais resguardados, etc., etc.
Porquê então a opção de vir morar para uma zona tão problemática?
Porque acredito no planeamento urbano, nas promessas feitas pelas entidades envolvidas no desenvolvimento do Alto do Lumiar. Todavia, a preocupação pelo bom desenvolvimento desta grande urbanização vai aumentando porque continuam a existir muitos desequilíbrios por corrigir. Distribuir habitantes por “ilhas” urbanas não é uma boa solução.
Ficam no ar algumas questões pertinentes ainda sem resposta:
Será que a crise do imobiliário impedirá o desenvolvimento harmonioso do Alto do Lumiar? Com tanta oferta e com a procura em baixa existe o risco de esta urbanização se tornar sobredimensionada.
Existem então planos alternativos que possam evitar a construção em excesso? Por exemplo, alargando espaços verdes e construindo mais equipamentos.
Por que razão não são feitos esforços convincentes para melhorar as ligações entre o Alto do Lumiar e as áreas mais antigas? Existe um investimento muito grande nas grandes vias rodoviárias, contudo as ligações mais simples com as áreas urbanas circundantes são muito más.
Para quando a construção do eixo central? Esta é a via estruturante de todo o Alto do Lumiar.
Por que razão é que a construção caótica continua a dominar nas zonas de fronteira do Alto do Lumiar? Veja-se o exemplo da Ameixoeira.
Espero que a fome pelo lucro fácil dos negócios imobiliários não mate “o segredo que Lisboa guardou para o fim”. Ainda não percebi o significado do “fim” nesta frase publicitária da SGAL. Será o fim de Lisboa? Espero bem que não, porque apesar de todo o caos urbanístico Lisboa ainda se reflecte nas águas do Tejo.
Lisboa (entre o Alto do Lumiar e a 7.ª colina), 31 de Maio de 2006
Parabéns blog "Viver na Alta de Lisboa"!
Há 2 meses
1 comentário:
Eu quero acreditar que as coisas melhorem, o que não me tira a preocupação com as questões pertinentes que colocas, que são um pouco as de todos nós. E algumas respostas que precisamos (respostas verbais ou escritas, mesmo, e algumas soluções implementadas na prática) até seriam simples de ser facultadas pela UPAL e SGAL se houvesse, no mínimo, consideração pelos clientes e pelos munícipes. Apesar de tudo respondi à sondagem do blog assinalando a opção "voltaria a comprar casa na Alta de Lisboa" porque prefiro vir a arrepender-me das escolhas que fiz (e já aconteceu em diversas ocasiões deste processo) do que arrepender-me de não o ter feito sequer e porque até há coisas positivas por aqui a "contabilizar". Mas por que raio não existe ainda passadeira na Helena Vaz da Silva (2 anos não são 2 meses). Nem branca, nem amarela nem de cor nenhuma. Será assim tão difícil pintar umas riscas no chão. No topo da Vieira da Silva (a outra Helena) vi ontem novas passadeiras amarelas. Espero que a tinta ainda cheque aqui para os do "fim".
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