APARTAMENTO letra A, quinto andar de um prédio no Alto do Lumiar, Lisboa, a 50 metros do campo do Águias da Musgueira, onde antes ficava um dos mais problemáticos bairros de lata do país. Os prédios novos, com seis anos, não afastam a tensão nos ombros, nem os olhares desconfiados para os estranhos que chegam. Mas na casa da dona Maria Amélia, angolana que sabe o que é jinguba, vê-se que a Musgueira já não é o que era.
Jinguba é um aperitivo típico angolano, amendoim que se compra cru e se torra na frigideira. É bom. Além da senhora Maria Amélia, que trabalha como recepcionista num escritório, angolana em Portugal desde 1976, estavam também na letra A do quinto andar o filho Valter Manaia, português, guarda-redes do Oeiras. E foram chegando amigos. Os angolanos Ivo e Paulo e ainda o Lito, este um lisboeta de ascendência cabo-verdiana. «Se Angola perder há festa, se ganhar há escândalo!», avisa Ivo. Paulo confirma. Todos os outros estão por Portugal, mesmo a dona Maria Amélia. «São muitos anos cá, mais dos que aqueles que passei em Angola. Tenho dois países, gosto de ambos. Não é tão difícil quanto possa parecer conviver com esta ideia», explica a dona da casa, que traz cerveja, aperitivos, tarte e sorrisos na cara.
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André Macanga joga na televisão com um penso rápido na cara. «Aposto que é para o estilo, para o focarem. Nós angolanos temos destas coisas», desconfia Paulo. Ivo confirma. Valter recebe um telefonema do pai, que está em Angola, exactamente durante o hino. Emociona-se, prefere que ganhe Portugal, mas há algo no sangue que lhe dá uma reprimenda. Ver um jogo sem poder torcer por uma equipa é como ter de comer sem ter fome, não sabe tão bem. Golo de Pauleta. Ivo confessa que de repente sente vontade de ir para a sua casa, fica danado. Mas não vai. De repente, começa a tarde da má-língua. O Figo que está velho, o Cristiano Ronaldo que não passa a bola, o Oliveira Gonçalves que deve pensar que é o Mourinho de África e por aí fora. «Zé Kalanga... esse nome dá-me vontade de rir. Mas é bom jogador», diz Lito. «Kalanga é osga num dialecto de lá», ensina Maria Amélia.
Acaba o jogo, não há escândalo mas confirma-se a festa. Lá fora, na rua, onde a paixão angolana se dilui no ar e Portugal ganha exclusividade, fica o aeroporto, ali ao lado. Dá para ver, parado, um avião da TAAG. Demora apenas sete horas a voar para Luanda. Afinal está tudo tão ligado e próximo que se fundem dois países dentro de um só apartamento. No local que antes era a Musgueira e hoje é onde mora a dona Maria Amélia.
Jinguba é um aperitivo típico angolano, amendoim que se compra cru e se torra na frigideira. É bom. Além da senhora Maria Amélia, que trabalha como recepcionista num escritório, angolana em Portugal desde 1976, estavam também na letra A do quinto andar o filho Valter Manaia, português, guarda-redes do Oeiras. E foram chegando amigos. Os angolanos Ivo e Paulo e ainda o Lito, este um lisboeta de ascendência cabo-verdiana. «Se Angola perder há festa, se ganhar há escândalo!», avisa Ivo. Paulo confirma. Todos os outros estão por Portugal, mesmo a dona Maria Amélia. «São muitos anos cá, mais dos que aqueles que passei em Angola. Tenho dois países, gosto de ambos. Não é tão difícil quanto possa parecer conviver com esta ideia», explica a dona da casa, que traz cerveja, aperitivos, tarte e sorrisos na cara.
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André Macanga joga na televisão com um penso rápido na cara. «Aposto que é para o estilo, para o focarem. Nós angolanos temos destas coisas», desconfia Paulo. Ivo confirma. Valter recebe um telefonema do pai, que está em Angola, exactamente durante o hino. Emociona-se, prefere que ganhe Portugal, mas há algo no sangue que lhe dá uma reprimenda. Ver um jogo sem poder torcer por uma equipa é como ter de comer sem ter fome, não sabe tão bem. Golo de Pauleta. Ivo confessa que de repente sente vontade de ir para a sua casa, fica danado. Mas não vai. De repente, começa a tarde da má-língua. O Figo que está velho, o Cristiano Ronaldo que não passa a bola, o Oliveira Gonçalves que deve pensar que é o Mourinho de África e por aí fora. «Zé Kalanga... esse nome dá-me vontade de rir. Mas é bom jogador», diz Lito. «Kalanga é osga num dialecto de lá», ensina Maria Amélia.
Acaba o jogo, não há escândalo mas confirma-se a festa. Lá fora, na rua, onde a paixão angolana se dilui no ar e Portugal ganha exclusividade, fica o aeroporto, ali ao lado. Dá para ver, parado, um avião da TAAG. Demora apenas sete horas a voar para Luanda. Afinal está tudo tão ligado e próximo que se fundem dois países dentro de um só apartamento. No local que antes era a Musgueira e hoje é onde mora a dona Maria Amélia.
in Jornal A Bola, dia 12 de Junho de 2006
2 comentários:
Texto muito bom e gente fantástica (não nasci em Angola, mas nasci em África). E porque eu que não leio A Bola, obrigada Tiago. O jornal não refere o jornalista?
Não refere, não. É pena.
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