quinta-feira, 6 de abril de 2006

Bairro Alto e Príncipe Real



Bairro Alto. Aqui não há leis do urbanismo modernista. Não há esquadros que determinem a largura das ruas em função da altura dos prédios. Tudo foi construído muito tempo antes de se pensar nessas coisas. As ruas são estreitas, dá para passar apenas um carro. A certa altura, o trânsito era tanto que a CML decidiu vedar o trânsito nalgumas ruas. Pôs também pilaretes para impedir o estacionamento em cima dos passeios.

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Com todos os defeitos que o Bairro Alto possa ter, como ter bares nocturnos a funcionar até às duas da manhã a coexistir com os moradores, existe uma vida extraordinária durante o dia. Parece-me que não é alheio a este facto a existência de comércio tradicional de loja e as características de rua que fazem com que as pessoas tenham de se deslocar a pé. É uma das coisas que mais me assuta na Alta de Lisboa. A facilidade com que as pessoas podem viver sem por um pé na rua, saíndo de carro da garagem até a um hipermercado, voltado hermeticamente de volta para subir de elevador aos seu condomínios com segurança privada para evitar o contacto com "estranhos". Precisamente por isto, por esta vivência inexistente da rua, o comércio tardará a desenvolver-se.



Mudamos de assunto. Perto do Bairro Alto existe também um jardim secular, o Príncipe Real.



É um jardim muito frequentado pelos reformados do bairro. Estes estão sentados, chateadíssimos com o arquitecto paisagista que ali pôs os bancos.



E estes jogam à "sueca".




Na rua da Escola Politécnica, que liga o Largo do Rato à Rua D. Pedro V, com dois sentidos, um para cada lado, pode observar-se o trânsito espesso que passa à hora de almoço. Ao fundo vê-se um autocarro a andar lentamente, à velocidade de escoamento possível para tantos automóveis. Pára, arranca, pára, arranca.

18 comentários:

susana disse...

É verdade!
Eu não reconheço o Bairro Alto de dia e o Bairro Alto de noite.
Perco-me facilmente, não sei onde são as coisas.

Quanto à falta de preocupação com o afastamento das ruas e passeios, ou muito me engano, ou o Bairro Alto não era mesmo suposto ser um bairro de luxo, se desceres mais um bocado descobres a diferença na zona da Bica.

Tiago disse...

Como assim? Estava a referir-me àquela regra da rua ter no mínimo a mesma largura que a altura máxima do prédio. Mas não estou a ver as diferenças na Bica. Para além de o relevo ser mais acentuado com o vale por onde passa o elevador, as ruas continuam estreitas e a maioria da população é do mesmo estrato económico do do Bairro Alto.

Tiago disse...

Bem, não estás a falar naquele fenómeno que irrita tanta gente ainda não percebi muito bem porquê, o da gentrificação? (palavra cara que só aprendi quando comecei a ler estes blogs.)

É que parece-me que isso é geral em todos os bairros históricos de Lisboa, e parece-me saudável para o rejuvenescimento dos bairros não só a nível da população como nas próprias casas com as recuperações entretanto feitas. Aliás, se vires na primeira fotografia aparece um dos casais responsáveis por essa gentrificação.

Unknown disse...

gentrificação? ainda nao me tinha cruzado com essa palavra... explica, por favor.

susana disse...

Essa regra acho que não era suposto ser aplicada no BA pq se tratava de uma bairro social.

Se desceres mais em direcção à E.S. Música percebes a diferença.
Os edificios são bem diferentes...

Tiago disse...

Pois são, é verdade. Mas tenho que passar por lá com outros olhos.

Joana, gentrificação diz-se de um processo de de rejuvenesciemnto de um bairro histórico marcadamente pobre. É visto negativamente por muitos porque está conotoada com uma certa "limpeza social", trazendo gente de maiores posses para as zonas históricas e alegadamente afastando a população pobre que sempre lá residiu para outras paragens. Mas em Lisboa, com o fenómeno do envelheciemnto das casa pela estagnação da leia das rendas e pelo "boom" dos subúrbios, os bairros históricos foram perdendo cada vez mais habitantes, e tendo tam,bém uma população cada vez mais envelhecida. A gentrificação, neste caso, se não implicar mandar um casa de velhotes que habita o 2º andar de um prédio há 60 anos para um apartamento algures no Cacém, como infelizemnte às vezes acontece, parece-me uma solução inevitável e positiva para a cidade.

Ana disse...

Gentrificacao e tambem muitas vezes associada a uma descaracterizacao cultural e historica do bairro.

Por isso as criticas negativas.
Na Alta nao temos esse problema. E um bairro novo!

Pedro Cruz Gomes disse...

Sem querer falar de cátedra (porque, obviamente, a não tenho) vocês estão a misturar muitas coisas.
Tiago, só um pormenor - não são as ruas que têm de ter como largura a altura dos prédios mas vice-versa: é a altura dos prédios que se tem de acomodar à largura da rua existente (o que faz algma diferença).
Tem... ou teria porque há urbanizações (loteamentos?) recentes em Lisboa que esquecem a (mais conhecida por) "regra dos 45º". Veja-se por exemplo, a ponta de Telheiras junto ao Carrefour, as zonas que já não são das responsabilidade da EPUL.
Quanto ao Bairro Alto, a Susana tem razão no que refere que, na sua génese, não estaria o objectivo de servir ricos (claro que não - esses moravam em palacetes... que foram construídos na rua nobre, em frente ao jardim de S. Pedro de Alcântara). É por isso que as ruas são estreitas - não havendo necessidade de acomodar a passagem de carruagens... podiam os mafarricos dos promotores imobiliários seiscentistas apôr mais uns lotes na geometria do bairro. Estás a ver, Tiago, como já na altura eram o lucro e o trânsito "automóvel" que determinavam as urbanizações?
E quanto à "gentrificação", palavra sagrada da extinta Direcção Municipal de Reabilitação Urbana, é talvez o maior dos demónios de sociólogos "bem intencionados" quando chamados a perorar sobre a reabilitação de bairros ditos históricos. "É imprescindível manter as populações autóctones!" dizia muitas vezes o senhor ex- director municipal da dita RU e os seus assistentes acenavam com a cabeça. Esqueciam-se que a população que defendiam não era a original: não eram mouros, não eram cristãos imigrantes nem judeus, seriam talvez descendentes da leva de imigrantes internos que chegaram para as lides da pesca no rio.
Tirando o folclore há, no entanto, algo que está nas entrelinhas deste discurso e que é o mais importante e que, ele sim, deverá ser respeitado: a manutenção da vivência e dos hábitos de convívio entre o privado (a casa) e o público (a rua) que se constroem com o chamado comércio de proximidade, com a facilidade de estar "cá fora", com as relações que se estabelecem entre vizinhos (muito por causa dessa vivência de rua). No fundo, o que acontecia também (apesar de muitas situações "hard core" que por lá aconteciam) na Musgueira e que, provavelmente, será erradicado nos PER que a substituiram.
Como dizes, Tiago, na Alta não se verifica esta "intimidade urbana" e isto por duas razões:
- É um bairro extremamente recente e as relações precisam de sedimentação, sendo o tempo um dos factores imprescindíveis para tal acontecer;
- É um bairro que não permite a permanência dos seus habitantes durante o dia.
(Repara nos exemplos que deste no teu texto: quem são as pessoas que aparecem no jardim? Quem constitui a maioria dos habitantes do BAlto - reformados, pessoas que permanecem em casa todo o dia).
Não será só com a obrigatoriedade de considerar lojas no r/chão dos edifícios que se resolve o problema. De lojas falidas e por vender, resultado de bem intencionadas e burocráticas intenções camarárias, está o país cheio! Se não houver clientes para as ditas, como é que elas vão funcionar - com subsídios?
Qual a solução? A mim parece-me, se não óbvia, pelo menos aceitável: olhar para trás e perceber porque é que, antigamente, este modelo funcionava. E se eu sei olhar alguma coisa, parece que funcionava porque as pessoas estavam perto: os percursos casa-emprego-casa eram reduzidos, em muitos casos permitiam almoçar em casa, muito menos mulheres trabalhavam (o que também ajudava: metade da população ficava mesmo por perto). Ah, e não havia hipermercados.
Ora, não se podendo acabar com eles e não querendo mudar de religião, parece-me que a única solução será misturar as funções num bairro de modo a ter uma boa ocupação diurna e nocturna, assim se viabilizando a componente comercial. De outro modo... bom, de outro modo, só nos resta glorificar Corbusier e vir para os relvados desertos apanhar sol. Com o doberman ao lado, just in case...

Unknown disse...

Um aparte sobre outro assunto recorrente:

reparem como os bancos têm encosto e 2 frentes, reolvendo com simplicidade aquele "argumento" de que o encosto é uma imposição do arquitecto em relação ao lado para onde estamos virados.

Pedro Cruz Gomes disse...

Sim, Joana. E, para não se dizer que aquele exemplo não conta porque o desenho dos bancos está ultrapassado, o projectista da última renovação do Rossio também lá colocou uns paralelipípedos com a largura dupla da habitual e costas no meio, de modo a que o passante escolha uma das quatro exposições solares (as costas não vão até à ponta)para se sentar.

Tiago disse...

Por acaso não acho estes bancos nada confortáveis. Prefiro os outros, que estão mais ou longe, mais ergonómicos.

Ana Louro disse...

E o eléctrico?. Nem vê-lo. Acho que abordaste (abordaram) o mais importante. E o BA tem um mercado biológico aos sábados (linha amarela até ao Rato), o fado vadio da tasca do Chico e o Jamaica (desculpem-me mas lembrei-me das razões que me lá levam, ou levaram, além das idas ao Hospital).

Leonor Areal disse...

Os bancos são bastantes confortáveis. Mas há variantes no mesmo jardim, todos com costas, claro.

Ana Louro disse...

Entretanto lembrei-me da livraria Ler Devagar (http://www.lerdevagar.com/), outra razão de visita ao BA e mais um exemplo (mau) do que fazem os interesses imobiliários.

http://dn.sapo.pt/2005/09/19/artes/o_adeus_temporario_ler_devagar.html

Tiago disse...

Tens razão, Leonor, estes até são confortáveis. Os que não acho confortáveis, mas pode ser ser um problema das minhas helénicas costas, são outros mais a direito.

J. disse...

olá

apesar do plano do BA estar ainda longe do iluminismo que iria racionalizar o plano pombalino, dois séculos de distãncia, pode-se dizer que este plano também seguiu uma regra e esquadro e uma ideia de urbanismo. Ver textos do Arq. Helder Carita.

A ideia da largura das ruas dever corresponder à altura dos edifícios foi um mecanismo de prevenção pós.terramoto na reconstrução da cidade, teve-se em conta a recente e dramática experiência e resolveu precaver-se que a queda de um edifício não destruisse por efeito dominó todos os que se seguiam. Claro que ao mesmo tempo se descobriu que a iluminação permitida e o espaço para a circulação do ar melhoravam enormemente a higienização e a qualidade ambiental.

ps. Os coches andavam por toda a cidade (ruas estreitas de Alfama inclusive).

Pedro Cruz Gomes disse...

Na maior parte das ruas de Alfama, só se fossem dobráveis como a bicicleta da Joana.

Anónimo disse...

Há aqui alguns equívocos:

Primeiro, o BA não é de modo nenhum, na sua origem, um bairro popular (cf. o livro do H. Carita que alguém citou): pelo contrário, foi um bairro habitado desde o princípio pelas classes altas (e não só, é verdade), e basta ver a quantidade de palácios que lá existem para confirmá-lo. O que aconteceu foi que depois do terramoto de 1755 a nobreza debandou, com medo de mais terramotos, apesar do BA ter sido pouco atingido, e esses palácios foram divididos e arrendados para habitação popular e/ou instalações industriais, e o bairro 'popularizou-se'. Hoje é preciso ter atenção para saber onde estão os palácios, porque estão muito degradados, mas lá continuam. O edifício onde está a ZDB é um bom exemplo: umm palácio enorme (onde viveu o Almeida Garrett e tudo!) duns nobres quaisquer que não me lembro, mais tarde funcionou lá o jornal Correio da Manhã nos seus primórdios, e depois foi a fábrica dos Móveis Olaio, até que foi penhorado e depois ocupado pela ZDB. Não tenho aqui o livro do Carita, mas é impressionante a quantidade de palácios que ele menciona, quase todos ainda existentes.

Segundo, o BA é mesmo um dos primeiros, ou talvez o primeiro, exemplo de bairro planeado em Portugal. Foi loteado e urbanizado por ordem do rei D. Manuel I. Daí o traçado regular que contrasta com o dos outros bairros históricos.
Em relação à relação altura dos prédios/largura da rua, deve dizer-se que o plano original contemplava prédios de 2/3 pisos e portanto se a famosa regra dos 45º não existia, andava lá perto.

Quanto à famosa 'gentrificação': eu diria que é mais rejuvenescimento e diversificação social. O que está a acontecer desde há uns 20 anos é a vinda de pessoas, que não são propriamente ricas (como eu), mas que são bastante diferentes dos habitantes bastante envelhecidos 'tradicionais'. Acho que se distinguem mais pelas profissões 'intelectuais', pelo estilo de vida e por uma escolarização maior do que propriamente pelo dinheiro. É simplesmente um sinal dos tempos -- os portugueses de hoje são de um modo geral mais escolarizados que os de há 50 anos. Isso é bom ou mau? Para mim é bom
Infelizmente não há estudos sérios sobre isto, mas eu arriscaria dizer, pelo que conheço, que entre os 'novos' habitantes do BA há muita gente de profissões tipo jornalistas, professores, artistas, designers, enfim, pessoas que por uma razão ou outra gostam de estar ali. Por outro lado, não sei se os 'tradicionais' gostam assim tanto do bairro - dá-me a impressão que trocavam de bom grado um casa em Meleças pela bela casinha típica.

Descaracterizado, o BA? Em relação a que época? Até há uns 30 anos era um bairro conhecido pelas casas de fado, pelos jornais e tipografias, e também pela prostituição em grande escala. Agora é mais conhecido pela vida nocturna (que era desde há muito uma característica do bairro, só que agora com cada vez menos prostituição e sem os jornalistas, tipógrafos e ardinas que faziam tanto ou mais barulho), mas está longe de ser só isso. Há um comércio florescente, novos habitantes, e uma vida de bairro entre esses novos habitantes que tomara outros bairros terem. Eu confesso que fico um bocado incomodado com essa história da gentrificação, até parece que cometi algum pecado em ir viver para um sítio cheio de gabirus, putas reformadas, operários retirados e sei lá mais o quê. Devia ter ido para onde?

O BA parece-me um exemplo de bairro com uma capacidade admirável de resistência e evolução, ao contrário p.ex. de Alfama que é muito típico e bom para visitar aos fins de semana. Eu vivi lá dois anos e não gostei. Os inconvenientes do BA superam o desconforto de Alfama.