quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Demonstração por Redução ao Absurdo

O que sou? Que existência? O que penso? O que faço? Do que é que gosto? Que valores tenho? Em que acredito? Sou filho de quem? O que quero para os meus filhos? Tenho vontade? Tenho vergonha de ser quem sou? Estou arrependido de ter nascido? Peço desculpa por existir? Quando morrer? Minha coragem? Não me assumo? Minha identidade? Como me chamo?




Não sou!

Não existo.
Não penso! Não existo, logo não penso; não penso, logo não existo.

Não faço! Se fizesse, faria “zapping” adormecendo, repastelar-me-ia espreguiçando-me. Também diria coisas fazendo de conta que seriam opiniões. Outras vezes ofenderia fingindo ser sério. Na maior parte do tempo seria um “voyeur” nada fazendo.

Existisse eu, nada apreciaria e não teria preferências nem critérios de apreciação.
Se valores tivesse ou defendesse, de dinheiro estaria pensando, caso pensasse.
Se fosse filho, meus pais ter-me-iam dado o que não deram e eu não seria o que sou não sendo.
Desejasse ter filhos, quereria dar-lhes nada de tudo porque ainda que tudo fossem, de nada seriam para quem é nada que sou não sendo. Nada de não sei o quê, de entre não sei que mais, de tudo de que nada sei.
Não tenho vontade de coisa alguma porque muito trabalho daria.
Absurdamente existisse e teria de pedir desculpa por existir, pois que não fui convidado a estar nem me sei apresentar.

Absurdamente tivesse iniciado existência e logo me teria arrependido, já que existência e o que sou não sendo são incompatíveis.

Mas já se sabe que não sou. Não tenho culpa de ser assim não sendo. Os culpados seriam sempre, por absurdo, outros que existem, pensam e fazem.
Não sabendo, sei que sempre se esquecerão de mim, pois nada faço para ser lembrado ou esquecido.
Em nome de nada, nada proponho; atrás da nada, nada confronto; se fosse gente confrontaria sem coragem que é coisa de gente que é, diria se existisse.
Não assumo porque não sou, porque me falta a opinião e não tenho a vontade e, ainda que a tivesse, me daria trabalho que não posso assumir.

Não sou: logo - se pudesse afirmar - não existo, não tenho alma, não tenho nome.

No mundo do absurdo, se fosse 007 meu nome seria Nónimo, Anónimo. Se fosse marca, seria branca. Na adição seria 0. Na multiplicação, 1. Em democracia, seria uma abstenção. Se fosse um mamífero, um papagaio; uma cor, incolor. Se fosse uma proposição, seria falsa; uma equação, impossível. Apenas no mundo do absurdo.

6 comentários:

Tiago disse...

Bem escrito. Bom sentido de oportunidade, Luís. Parabéns.

Ana B. disse...

Há muitas maneiras de dizer as coisas. Gostei muito desta, Luis. O Absurdo é, por vezes, uma boa fotografia da realidade.

Luís Lucena disse...

Obrigado Tiago. Obrigado Ana.
Na minha opinião o tema será sempre oportuno. Por todo o absurdo que representa e que não quero na minha vida, nos que me estiverem próximos, no meu bairro.

Mas o que é que isto tem a ver com o Viver?

Anónimo disse...

Parábens por este post!
Filosoficamente falando é claro.
Parece-me pertinente a apologia da questão. Aliás, há demasiados dogmas e todos os obstáculos epistemológicos devem ser sem qualquer pejo apontados a dedo por quem os comete! Mas esta conversa é demasiado elevada, filosoficamente falando é claro!
Cumps.

Anónimo disse...

só faltou, é claro, a referência bibliográfica, filosoficamente falando!
Cumps.

Luís Lucena disse...

Se os dois comentários anteriores o fossem, o que é absurdo, responderia que eram muito à frente, filosoficamente é claro.