Lisboa a duas rodas tem chave no Parque Eduardo VII
Tese de mestrado descobre pistas para tornar Lisboa mais ciclável
22.03.2008, Catarina Prelhaz [PÚBLICO, Local Lisboa]
Serviço Lx Porta-a-Porta poderia, a custo zero, abrir portas a uma cidade efectivamente ciclável, diz especialista
Do Príncipe Real ao Cais do Sodré é sempre a descer. Seis de Junho de 2007. O candidato à Câmara de Lisboa António Costa usa as duas rodas em mais uma acção de pré-campanha. Faltam-lhe 25 dias para ser eleito presidente da autarquia, mas o passeio de bicicleta granjeia-lhe críticas. O social--democrata Marcelo Rebelo de Sousa é um deles. "Descer do Príncipe Real para o Cais do Sodré, isso também eu, queria vê-lo era a subir do Cais do Sodré para o Príncipe Real. Se há cidade em que não faz sentido defender a bicicleta é em Lisboa".
Teoricamente, na prática e "totalmente absurda" é a tirada do professor de Direito, explica o engenheiro civil Paulo Santos, que desde 1 de Janeiro embarcou no projecto Cem dias de bicicleta em Lisboa, no âmbito de uma tese de mestrado. Agora, 526 quilómetros depois, faz as contas. Primeiro, o dinheiro: ter e usar carro próprio custa ao ano cerca de 3440 euros ("com mil euros líquidos andamos a trabalhar três meses e meio por ano só para sustentar o automóvel e isto sem contar com portagens, danos e inspecções"), o passe "leva-nos à volta de 30 euros por mês", ter bicicleta ("das boas") faz sair dos bolsos de uma vez 300 euros "e acabou". Depois, o tempo: metade das viagens de automóvel em meio urbano fazem-se em trajectos com menos de cinco quilómetros (30 por cento são inferiores a três), a velocidade média de um carro na cidade nas horas de ponta ("e é a estas horas que todos nós andamos") é inferior a 20 km/h ("no centro da cidade nesse horário é ainda menor"), "eu de bicicleta ando a 13, 14", o autocarro "a 12" ("melhor só o metro, que faz em média 30 km/h").
E que dizer das colinas? "Das sete? Lisboa tem mais", atira o engenheiro, para logo cozinhar a solução. "E se lhe dissesse que o Parque Eduardo VII é a chave do problema? E se acrescentar que a câmara pode resolvê-lo acusto zero?" A ideia é que pegue numa das carrinhas do serviço Lx Porta-a-Porta, criado em 2004 para colmatar o défice de transportes nos bairros históricos, e lhe implante um dos atrelados de bicicletas igual aos utilizados no ciclismo ["que a câmara tem algures nos seus armazéns"] para levar os utilizadores do Rossio ao topo do Parque Eduardo VII, que, por estar 100 metros acima do nível do mar, "permite ir a qualquer ponto da cidade e sempre a descer" ao estilo Príncipe Real-Cais do Sodré.
"Claro que ir da Baixa ao Castelo seria muito difícil, mas também que percentagem de pessoas necessitaria de fazê-lo? Os estudos mostram que grande parte do fluxo de pessoas na cidade [80 por cento] ocorre na âncora desenhada pela marginal e pela Avenida da Liberdade e transversais e é aí que temos de nos concentrar". Alvo a abater é o "mito" de que as bicicletas são ainda "aquelas pasteleiras antigas que pareciam arrastar o peso do mundo", alerta Paulo Santos, especialista em vias de comunicação e transportes. "Elas já evoluíram e as mudanças permitem pedalar quase sem esforço nas subidas".
Já para o presidente da Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicletas (FPCUB), José Caetano, a arma para vencer a orografia da cidade está na complementaridade bicicleta/autocarros da Carris. "Basta equipar a frota da Carris com grelhas para bicicletas que já não há colinas que resistam a este tipo de transporte", argumenta.
Corredores são mais baratos
O respeito pelo ambiente é outra dasmais-valias do uso da bicicleta, explica Caetano, para quem a câmara deve apostar em medidas cirúrgicas de baixo custo para a promoção deste meio de transporte. Num documento entregue à autarquia na terça-feira, a federação invoca o caso paradigmático da segunda maior cidade austríaca, Graz, onde uma política de incentivo à utilização da bicicleta resultou numa redução de 25 por cento da poluição, segundo dados da Comissão Europeia.
Tal como a FPCUB, Paulo Santos considera "impensável" munir de ciclovias de 50 mil euros por quilómetro ("verdadeiras auto-estradas que nenhum cidadão aceitaria custear", garante José Caetano) uma Lisboa em "dramática situação financeira". Contudo, é possível reservar corredores para os utilizadores destes veículos em estradas e passeios mais largos, investindo apenas em sinalização vertical e horizontal. As laterais da Av. da Liberdade ("são demasiado largas para um carro e demasiado estreitas para dois") e a Av. Fontes Pereira de Melo ("o estacionamento lateral que havia foi trancado por pilaretes, mas o espaço está lá, sem uso") são disso exemplo. A construção de mais parques de estacionamento para bicicletas (sobretudo em articulação com os bus), a repavimentação das estradas, a remoção de carris desactivados e a criação de um serviço de requisição de bicicletas são outros dos caminhos apontados pela federação.
"Há quem diga que não se deve investir porque não há utilizadores suficientes. Mas se não os há é porque não estão criadas condições para isso. A câmara tem estado muito receptiva a soluções e basta-lhe apenas quebrar o ciclo", remata Paulo Santos.
Meio de transporte inteligente e complementar
Os cidadãos finlandeses e também os alemães pedalam na rua a temperaturas negativas, mas, diz o engenheiro Paulo Guerra dos Santos, que o clima - "essa velha e falsa desculpa" - é um dos argumentos mais apontados contra o uso da bicicleta nos meios urbanos. "Este ano ainda só houve seis ou sete dias em que não utilizei bicicleta por causa da chuva", contesta. "Eu sou um automobilista e vivo dos carros, porque faço projectos para estradas, mas é preciso saber dosear o seu uso. A bicicleta tem de afirmar-se, acima de tudo, como um meio de transporte complementar ao automóvel e aos transportes públicos". A FPCUB concorda: "A bicicleta tem de ser um meio de transporte inteligente, para usar em complementaridade, de forma a optimizar as deslocações", sublinha José Caetano.
22.03.2008, Catarina Prelhaz [PÚBLICO, Local Lisboa]
Serviço Lx Porta-a-Porta poderia, a custo zero, abrir portas a uma cidade efectivamente ciclável, diz especialista
Do Príncipe Real ao Cais do Sodré é sempre a descer. Seis de Junho de 2007. O candidato à Câmara de Lisboa António Costa usa as duas rodas em mais uma acção de pré-campanha. Faltam-lhe 25 dias para ser eleito presidente da autarquia, mas o passeio de bicicleta granjeia-lhe críticas. O social--democrata Marcelo Rebelo de Sousa é um deles. "Descer do Príncipe Real para o Cais do Sodré, isso também eu, queria vê-lo era a subir do Cais do Sodré para o Príncipe Real. Se há cidade em que não faz sentido defender a bicicleta é em Lisboa".
Teoricamente, na prática e "totalmente absurda" é a tirada do professor de Direito, explica o engenheiro civil Paulo Santos, que desde 1 de Janeiro embarcou no projecto Cem dias de bicicleta em Lisboa, no âmbito de uma tese de mestrado. Agora, 526 quilómetros depois, faz as contas. Primeiro, o dinheiro: ter e usar carro próprio custa ao ano cerca de 3440 euros ("com mil euros líquidos andamos a trabalhar três meses e meio por ano só para sustentar o automóvel e isto sem contar com portagens, danos e inspecções"), o passe "leva-nos à volta de 30 euros por mês", ter bicicleta ("das boas") faz sair dos bolsos de uma vez 300 euros "e acabou". Depois, o tempo: metade das viagens de automóvel em meio urbano fazem-se em trajectos com menos de cinco quilómetros (30 por cento são inferiores a três), a velocidade média de um carro na cidade nas horas de ponta ("e é a estas horas que todos nós andamos") é inferior a 20 km/h ("no centro da cidade nesse horário é ainda menor"), "eu de bicicleta ando a 13, 14", o autocarro "a 12" ("melhor só o metro, que faz em média 30 km/h").
E que dizer das colinas? "Das sete? Lisboa tem mais", atira o engenheiro, para logo cozinhar a solução. "E se lhe dissesse que o Parque Eduardo VII é a chave do problema? E se acrescentar que a câmara pode resolvê-lo acusto zero?" A ideia é que pegue numa das carrinhas do serviço Lx Porta-a-Porta, criado em 2004 para colmatar o défice de transportes nos bairros históricos, e lhe implante um dos atrelados de bicicletas igual aos utilizados no ciclismo ["que a câmara tem algures nos seus armazéns"] para levar os utilizadores do Rossio ao topo do Parque Eduardo VII, que, por estar 100 metros acima do nível do mar, "permite ir a qualquer ponto da cidade e sempre a descer" ao estilo Príncipe Real-Cais do Sodré.
"Claro que ir da Baixa ao Castelo seria muito difícil, mas também que percentagem de pessoas necessitaria de fazê-lo? Os estudos mostram que grande parte do fluxo de pessoas na cidade [80 por cento] ocorre na âncora desenhada pela marginal e pela Avenida da Liberdade e transversais e é aí que temos de nos concentrar". Alvo a abater é o "mito" de que as bicicletas são ainda "aquelas pasteleiras antigas que pareciam arrastar o peso do mundo", alerta Paulo Santos, especialista em vias de comunicação e transportes. "Elas já evoluíram e as mudanças permitem pedalar quase sem esforço nas subidas".
Já para o presidente da Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicletas (FPCUB), José Caetano, a arma para vencer a orografia da cidade está na complementaridade bicicleta/autocarros da Carris. "Basta equipar a frota da Carris com grelhas para bicicletas que já não há colinas que resistam a este tipo de transporte", argumenta.
Corredores são mais baratos
O respeito pelo ambiente é outra dasmais-valias do uso da bicicleta, explica Caetano, para quem a câmara deve apostar em medidas cirúrgicas de baixo custo para a promoção deste meio de transporte. Num documento entregue à autarquia na terça-feira, a federação invoca o caso paradigmático da segunda maior cidade austríaca, Graz, onde uma política de incentivo à utilização da bicicleta resultou numa redução de 25 por cento da poluição, segundo dados da Comissão Europeia.
Tal como a FPCUB, Paulo Santos considera "impensável" munir de ciclovias de 50 mil euros por quilómetro ("verdadeiras auto-estradas que nenhum cidadão aceitaria custear", garante José Caetano) uma Lisboa em "dramática situação financeira". Contudo, é possível reservar corredores para os utilizadores destes veículos em estradas e passeios mais largos, investindo apenas em sinalização vertical e horizontal. As laterais da Av. da Liberdade ("são demasiado largas para um carro e demasiado estreitas para dois") e a Av. Fontes Pereira de Melo ("o estacionamento lateral que havia foi trancado por pilaretes, mas o espaço está lá, sem uso") são disso exemplo. A construção de mais parques de estacionamento para bicicletas (sobretudo em articulação com os bus), a repavimentação das estradas, a remoção de carris desactivados e a criação de um serviço de requisição de bicicletas são outros dos caminhos apontados pela federação.
"Há quem diga que não se deve investir porque não há utilizadores suficientes. Mas se não os há é porque não estão criadas condições para isso. A câmara tem estado muito receptiva a soluções e basta-lhe apenas quebrar o ciclo", remata Paulo Santos.
Meio de transporte inteligente e complementar
Os cidadãos finlandeses e também os alemães pedalam na rua a temperaturas negativas, mas, diz o engenheiro Paulo Guerra dos Santos, que o clima - "essa velha e falsa desculpa" - é um dos argumentos mais apontados contra o uso da bicicleta nos meios urbanos. "Este ano ainda só houve seis ou sete dias em que não utilizei bicicleta por causa da chuva", contesta. "Eu sou um automobilista e vivo dos carros, porque faço projectos para estradas, mas é preciso saber dosear o seu uso. A bicicleta tem de afirmar-se, acima de tudo, como um meio de transporte complementar ao automóvel e aos transportes públicos". A FPCUB concorda: "A bicicleta tem de ser um meio de transporte inteligente, para usar em complementaridade, de forma a optimizar as deslocações", sublinha José Caetano.
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