terça-feira, 30 de janeiro de 2007

Mais Babel


Junho de 2006, Alta de Lisboa, Parque Oeste. O edifício dos Jardins de S. Bartolomeu espera ansiosamente os futuros moradores. O tapume que separou a obra da rua durante anos foi já substituído por uma rede metálica, quadriculada, dando ao espaço uma imagem nunca antes vista, mais respirável e próxima da final, apetecível à fotografia. Apanho o edifício de vários pontos, subo um pouco a Av. Krus Abecassis para incluir também a Rua Tito Morais. Do outro lado da rua, na esquina, um jovem com ar de poucos amigos grita-me: “Pá!”, agitando o indicador direito como se fosse um limpa pára-brisas. “Aqui não tiras fotografias! Os prédios dos ricos podes, mas a rua e a estes não podes.”, acrescentou apontando agora para o bloco de habitação social atrás de si.



Dezembro de 2006, estação de metro da Ameixoeira. Espantado com a dimensão de uma estação onde nunca antes tinha estado, procuro avidamente um plano que sintetize toda aquela grandiosidade impossível de caber num fotograma. Alguns disparos depois sou interrompido com um inquisidor “Boa tarde.”. Era o segurança da estação, subcontratado pela securitas ou prosegur, não me recordo agora nem interessa. “O senhor tem autorização para fotografar aqui dentro?”, perguntou. “Autorização?”, “Sim, é necessária uma credencial passada pela Administração do Metro para fotografar aqui dentro.”, “Erh… Pois, olhe, não sabia. Fiquei tão deslumbrado com esta arquitectura que comecei a fotografar. Por acaso não sabe quem é o arquitecto?”, “Não. Mas sem credencial não pode fotografar.”



Kiev, 1980. Um jovem português que se licenciava em cinema na antiga URSS, percorre as ruas da agora capital da Ucrânia, fotografando pessoas, monumentos, pormenores. Um monte de entulho encostado a uma parede suscita-lhe curiosidade, levando-o a espreitar pela máquina. Um transeunte, civil, aborda-o dizendo-lhe que não pode fotografar. O jovem hesita, mas não acata. Parte em seguida para a avenida principal, procurando diluir-se na multidão. Uns passos mais à frente é interrompido por um polícia que o faz acompanhar à esquadra. Aqui, levam-no para uma sala, tiram-lhe a máquina fotográfica, e fazem-no esperar várias horas. Quando regressam, perguntam quem é, o que faz em Kiev, e porque tirou aquela última fotografia, “só por curiosidade”. Depois de uma breve discussão retórica sobre arte contemporânea e objectos de estudo para um aspirante a cineasta, foi devolvida a máquina e o estudante devolvido à liberdade. Surpreendentemente, o rolo foi também entregue, ainda dentro da máquina. Chegado a casa, foi imediatamente para a câmara escura revelar o negativo. Estava totalmente em branco.

8 comentários:

Pedro Cruz Gomes disse...

Não percebi, Tiago. Suspeitas que o jovem que tão civilmente te proibiu de tirar a fotografia é, como o securitas do Metro, um funcionário da SGAL mandatado para impedir de fotografar quem não tem autorização para tal? Que os espaços públicos portugueses - designadamente a Alta de Lisboa pretendem ser - como a gloriosa URSS - tão perfeitos, tão perfeitos que qualquer tentativa de retratar o seu quotidiano é encarada como um acto de difamação e como tal deve ser tratada? Que, como no filme, nós somos um país subdesenvolvido? Que somos cada vez mais (ou ainda) um estado policiado por mesquinhos tiranetes civis que vivem na porta ao lado da nossa e a quem ninguém encomendou o encargo? E que indirecta é essa aos ucranianos?
Repito, não percebi. É que nada disto é verdade!
E já agora: considero de muito mau gosto o título do post. Compreendo que tenhas ficado mal-disposto com a indisponibilidade do Metro e o dia não te tenha corrido bem mas -francamente! - chamares Babel a este bairro! Já não bastava o outro com os poetas, vens agora tu com o cinema! Não havia necessidade.

João Tito Basto disse...

Já me aconteceu o mesmo, é uma daquelas proibições completamente sem sentido.

Anónimo disse...

Estação da Ameixoeira - autora Irene Buarque. Uma brasileira. Já agora não seria assim, não fosse a urgência da visita do primeiro ministro, que obrigou a fazer tudo a correr.
Os círculos que se podem ver na primeira descida deviam estar na posição oposta (onde se podem ver quadrados na seguinte descida). Os círculos ocorreram à artista da leitura e apreciação da obra de Fernando Pessoa... são os planetas. A senhora ficou um pouco triste pela troca que desvirtua a sua intensão.

Unknown disse...

Eu por acaso acho que vivemos num estado policiado por mesquinhos tiranetes civis que vivem na porta ao lado da nossa, cada vez mais.

Anónimo disse...

Que surpresa esta história em Kiev! Não que os factos sejam surpreendentes, aconteceram coisas semelhantes a milhares de pessoas. Como a mim. O mais surpreendente foi que também estava em Kiev, em 1980!!! E também trouxe histórias parecidas. Mas a questão dos limites do fotografável devia ser mais discutida e esclarecida...principalmente agora nesta época de "explosão" fotográfica.

Anónimo disse...

1º aspecto - não percebo o facto de alguém se manifestar indignado em relação a um comportamento hbitual do nosso vizinhos xungas...eu próprio já tentei tirar fotos de um prédio PER em que as viaturas estacionadas à porta eram "só" Mercedes SLK, Classes C e Audi Tdi's e fui abordado por esses "vizinhos" a questionarem-me sobre os motivos das fotos q pretendia tirar...só quem não vive aqui ou no mindo da lua é q pode ficar surpreendido...

2º aspecto - a comparação entre a situação ocorrida no Metro da Ameixoeira e em Kiev parece-me perfeita na medida em que revela o atraso de mentaliddade dominante em determinadas áreas da sociedade portuguesa, só comparavél ao exemplo apresentado. Faz-me lembrar a legislação retrógada constante nos bilhetes de espectáculos que refere a proibição de captar imagens e som de espectáculos e depois constatamos que na assistência todos os espectadores sacam do telemóvel e tiram fotografias a torto e a direito...estes senhores não compreendem que os tempos evoluiram e actualmente é impossível controlar certas situações que no passado eram impensáveis. exemplo disso: a batalha downloads ilegal de mp3 vs. industria fonográfica.... alguém tem dúvidas do vencedor deste processo ???

Anónimo disse...

Há tempos ia tirar uma fotografia no nova passagem subterrânea para peões do Terreiro do Paço (deserta, por acaso) e apareceu logo um segurança a dizer a mesma coisa. Uma passagem de peões! Acho que este assunto devia ser debatido. Não vejo porque raio não se há-de poder fotografar em qualquer lugar público, incluindo transportes públicos, museus e edifícios.

Em relação ao Metro, a coisa é particularmente irritante. Suponho que a preocupação deles é que alguém fotografe alguma coisa que não funciona. Bom, mas a mim não surpreende dado que estou convencido a administração daquilo é um bando de crime organizado e hão-de ir um dia todos presos se Zeus quiser.

Eu tiro sempre fotos em locais desse como se fosse um delito.

Anónimo disse...

sobre esta questão dos direitos do fotógrafo e do fotografado há um post interessante no blog da Magnum http://blog.magnumphotos.com/2007/02/a_faked_portrait_of_my_generation.html