Descobri este blog e achei-o muito interessante. Os textos que reproduzo em baixo são excelentes na conceptualização dos problemas que temos discutido na última semana. A discussão é cada vez mais urgente, veja-se o caso do arrastão de ontem na praia de Carcavelos.
Encontro em cada texto deste blog uma ideia de cidade com um humanismo raro e cada vez mais importante de ser divulgado e aplicado às nossas cidades. Mesmo que não queiramos pensar ainda nas causas da delinquência e criminalidade, mesmo que queiramos adiar as soluções (talvez ainda desconhecidas e/ou impossíveis de aplicar), podemos organizar, no mínimo, as nossas cidades de modo a que se tornem locais mais agradáveis de viver. Talvez isso, só por si, atenue alguma da violência social crescente.
Este blog dedica-se ao urbanismo da Alta de Lisboa, mas pretende também encontrar na Alta de Lisboa características que a tornem num paradigma de cidade humanizada, saudável. Para identificar estas características como diferenças para o sucesso social do projecto, há que comparar com outros bairros de Lisboa.
E talvez encontrar algumas razões para o fenómeno do gueto. Que famílias de classe média aceitam viver em bairros sem acessibilidades, sem cuidados nos pormenores dos arruamentos? Como pretender então um tecido social heterogéneo?
Aqui vão os textos.
Começar pela comunidade
Um dos aspectos mais negativos da sociedade urbana é a tendência para produzir não-lugares. O fenómeno de não-lugar (placeless-ness) é uma definição criada para realidades fisicamente descaracterizadas sem traços de comunidade ou vizinhança e por isso hostis à vida humana. Um exemplo disto são as estradas suburbanas de vias múltiplas que conduzem a grandes superfícies comerciais ou a zonas residenciais periféricas. Outro aspecto igualmente importante é a irrelevância do indivíduo no contexto das grandes concentrações populacionais: a solidão no meio da multidão.
À medida que a qualidade de vida nestas zonas se vai deteriorando com a congestão rodoviária, a criminalidade ou o aumento do custo de vida, as cidades pequenas ou de média dimensão começam a ser vistas como alternativas desejáveis, ainda que esse ímpeto seja motivado por uma visão culturalmente idealizada da vida fora da grande cidade.As cidades pequenas podem oferecer uma alternativa real à vida dos grandes centros. Mas a realidade é que, para as pequenas comunidades, se levantam os mesmos problemas das cidades maiores. Independentemente do seu tamanho, ela tem de providenciar os mesmos serviços e equipamentos para promover a segurança e a saúde dos seus cidadãos, e tem de desenvolver recursos económicos para suportar esses serviços e estruturas.As cidades pequenas podem parecer ter menos problemas, mas também têm menores recursos para lidar com eles: menos pessoal, menor orçamento, menos capacidade técnica; que afectam principalmente as áreas financeiras e de planeamento.
Para fazer frente a essas desvantagens, elas têm de procurar canalizar as capacidades da comunidade para promover o dinamismo social e económico. Para isso é preciso interiorizar que o mais importante recurso local são, na verdade, os seus próprios residentes.
Construir comunidades
A nossa sociedade tem a capacidade tecnológica e financeira para promover a urbanização de vastas áreas em curtos períodos de tempo. Conseguimos hoje urbanizar em dez anos áreas equivalentes às que antes demoravam séculos a crescer.
A compreensão deste facto devia incutir-nos uma grande responsabilidade. Desejamos que as novas extensões de cidade retenham o mesmo sentido de humanidade, de vivência, de comunidade, que aquelas partes de cidade que se foram consolidando lentamente. Mas isso não acontece por acaso. Para que a cidade nova crie novas centralidades, mantenha carácter e coesividade, é necessário que exista uma intenção que a promova desde o início.
O nosso modelo de planeamento urbano assenta no carácter centralizador do Estado. Independentemente do facto de isto trazer aspectos positivos e outros negativos, a realidade é que esta é a nossa referência de como se produz espaço urbano em Portugal. Um dos problemas que resultam deste sistema é que, em grande parte, ao privado cabe apenas o papel de ser um optimizador do seu espaço particular, e quase sempre essa optimização é financeira e nada mais. O Estado pode queixar-se disso, mas a verdade é que o sistema que criou (legislativamente e no seu modo de operar) deixa pouco espaço à participação do privado e é pouco aberto à interacção com as diferentes forças vivas da comunidade.
Apesar de tudo, existem movimentos que tentam contrariar esta falta de dinâmica. Os processos da Agenda Local (para o desenvolvimento sustentável, ou Agenda 21) são exemplos de novas doutrinas e novas mentalidades na forma de actuar na gestão dos diversos assuntos importantes para a colectividade. Mas esses processos são ainda minoritários e por vezes usados apenas para promover a ideia de que se está a fazer algo, do que para o fazer realmente. Ao nível do urbanismo, a metodologia das agendas locais ou a participação cívica não só não tem tradição em Portugal como se conhecem poucos exemplos de boas práticas que daí tenham resultado.
O tecido da cidade é assim produzido à medida das obrigações legais e não resultado de uma visão planeadora com finalidade global. A doutrina que resulta desta mentalidade é que a legislação definida para os mínimos aceitáveis se torna uma norma de projectar. Se a rua mínima é de 6 metros, a rua será de 6 metros. Se o passeio mínimo é de 2.25 metros, o passeio será 2.25 metros. Promove-se assim um urbanismo e uma arquitectura dos mínimos, e não da qualidade e da excelência.
É necessário romper com esta mentalidade, e fazê-lo de uma forma assertiva. É necessário dramatizar este problema, que o urbanismo tem de resultar de uma visão que o sustente. Que deve promover o sentido da comunidade. O território da cidade não é um lugar abstracto que resulta da aplicação de determinados índices de ocupação. É antes o tecido de uma realidade sociológica que deve ser valorizada e protegida.
Para que a comunidade possa, de facto, acontecer.
Encontro em cada texto deste blog uma ideia de cidade com um humanismo raro e cada vez mais importante de ser divulgado e aplicado às nossas cidades. Mesmo que não queiramos pensar ainda nas causas da delinquência e criminalidade, mesmo que queiramos adiar as soluções (talvez ainda desconhecidas e/ou impossíveis de aplicar), podemos organizar, no mínimo, as nossas cidades de modo a que se tornem locais mais agradáveis de viver. Talvez isso, só por si, atenue alguma da violência social crescente.
Este blog dedica-se ao urbanismo da Alta de Lisboa, mas pretende também encontrar na Alta de Lisboa características que a tornem num paradigma de cidade humanizada, saudável. Para identificar estas características como diferenças para o sucesso social do projecto, há que comparar com outros bairros de Lisboa.
E talvez encontrar algumas razões para o fenómeno do gueto. Que famílias de classe média aceitam viver em bairros sem acessibilidades, sem cuidados nos pormenores dos arruamentos? Como pretender então um tecido social heterogéneo?
Aqui vão os textos.
Começar pela comunidade
Um dos aspectos mais negativos da sociedade urbana é a tendência para produzir não-lugares. O fenómeno de não-lugar (placeless-ness) é uma definição criada para realidades fisicamente descaracterizadas sem traços de comunidade ou vizinhança e por isso hostis à vida humana. Um exemplo disto são as estradas suburbanas de vias múltiplas que conduzem a grandes superfícies comerciais ou a zonas residenciais periféricas. Outro aspecto igualmente importante é a irrelevância do indivíduo no contexto das grandes concentrações populacionais: a solidão no meio da multidão.
À medida que a qualidade de vida nestas zonas se vai deteriorando com a congestão rodoviária, a criminalidade ou o aumento do custo de vida, as cidades pequenas ou de média dimensão começam a ser vistas como alternativas desejáveis, ainda que esse ímpeto seja motivado por uma visão culturalmente idealizada da vida fora da grande cidade.As cidades pequenas podem oferecer uma alternativa real à vida dos grandes centros. Mas a realidade é que, para as pequenas comunidades, se levantam os mesmos problemas das cidades maiores. Independentemente do seu tamanho, ela tem de providenciar os mesmos serviços e equipamentos para promover a segurança e a saúde dos seus cidadãos, e tem de desenvolver recursos económicos para suportar esses serviços e estruturas.As cidades pequenas podem parecer ter menos problemas, mas também têm menores recursos para lidar com eles: menos pessoal, menor orçamento, menos capacidade técnica; que afectam principalmente as áreas financeiras e de planeamento.
Para fazer frente a essas desvantagens, elas têm de procurar canalizar as capacidades da comunidade para promover o dinamismo social e económico. Para isso é preciso interiorizar que o mais importante recurso local são, na verdade, os seus próprios residentes.
Construir comunidades
A nossa sociedade tem a capacidade tecnológica e financeira para promover a urbanização de vastas áreas em curtos períodos de tempo. Conseguimos hoje urbanizar em dez anos áreas equivalentes às que antes demoravam séculos a crescer.
A compreensão deste facto devia incutir-nos uma grande responsabilidade. Desejamos que as novas extensões de cidade retenham o mesmo sentido de humanidade, de vivência, de comunidade, que aquelas partes de cidade que se foram consolidando lentamente. Mas isso não acontece por acaso. Para que a cidade nova crie novas centralidades, mantenha carácter e coesividade, é necessário que exista uma intenção que a promova desde o início.
O nosso modelo de planeamento urbano assenta no carácter centralizador do Estado. Independentemente do facto de isto trazer aspectos positivos e outros negativos, a realidade é que esta é a nossa referência de como se produz espaço urbano em Portugal. Um dos problemas que resultam deste sistema é que, em grande parte, ao privado cabe apenas o papel de ser um optimizador do seu espaço particular, e quase sempre essa optimização é financeira e nada mais. O Estado pode queixar-se disso, mas a verdade é que o sistema que criou (legislativamente e no seu modo de operar) deixa pouco espaço à participação do privado e é pouco aberto à interacção com as diferentes forças vivas da comunidade.
Apesar de tudo, existem movimentos que tentam contrariar esta falta de dinâmica. Os processos da Agenda Local (para o desenvolvimento sustentável, ou Agenda 21) são exemplos de novas doutrinas e novas mentalidades na forma de actuar na gestão dos diversos assuntos importantes para a colectividade. Mas esses processos são ainda minoritários e por vezes usados apenas para promover a ideia de que se está a fazer algo, do que para o fazer realmente. Ao nível do urbanismo, a metodologia das agendas locais ou a participação cívica não só não tem tradição em Portugal como se conhecem poucos exemplos de boas práticas que daí tenham resultado.
O tecido da cidade é assim produzido à medida das obrigações legais e não resultado de uma visão planeadora com finalidade global. A doutrina que resulta desta mentalidade é que a legislação definida para os mínimos aceitáveis se torna uma norma de projectar. Se a rua mínima é de 6 metros, a rua será de 6 metros. Se o passeio mínimo é de 2.25 metros, o passeio será 2.25 metros. Promove-se assim um urbanismo e uma arquitectura dos mínimos, e não da qualidade e da excelência.
É necessário romper com esta mentalidade, e fazê-lo de uma forma assertiva. É necessário dramatizar este problema, que o urbanismo tem de resultar de uma visão que o sustente. Que deve promover o sentido da comunidade. O território da cidade não é um lugar abstracto que resulta da aplicação de determinados índices de ocupação. É antes o tecido de uma realidade sociológica que deve ser valorizada e protegida.
Para que a comunidade possa, de facto, acontecer.
2 comentários:
Também já tinha descoberto este blog que é de facto muito interessante!
nunca se pode viver bem na Alta de Lisboa com tipos do perfil e comportamento como o Anónio Gouveia
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