sexta-feira, 28 de abril de 2006

O Viver vai ao CCAL - Rachmaninoff

Continuando os posts sobre música, no âmbito da nova rubrica "O Viver vai ao Centro Cultural da Alta de Lisboa", mostramos hoje um bocadinho da música de Sergei Rachmaninoff, um compositor russo nascido em 1873 e que foi também um dos grandes pianistas do séc. XX.



Rachmaninoff revelou desde cedo uma aptidão extraordinária para a música e para o piano, o que o levou, apesar dos parcos recurso financeiros da família, a ter como professores os melhores mestres da altura. Aos 19 anos compôs um prelúdio que ouvimos aqui pelas suas próprias mãos.


Prelúdio em Dó# m, opus 3, nº2 - Sergei Rachmaninoff

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O estilo de composição de Sergei Rachmaninoff está muito mais próximo do romantismo do séc. XIX do que das novas correntes estéticas do séc. XX, o que vale a Rachmaninoff algum desprezo junto de críticos mais eruditos que não lhe perdoam o anacronismo.

Essa repulsa não é só de agora. Após a estreia da sua 1ª sinfonia em 1897, Rachmaninoff, então com 24 anos, mergulhou numa profunda depressão e crise de auto-confiança com as críticas cruéis feitas na altura. Reza a História que o insucesso se deveu mais à direcção desajeitada do maestro do que à falta de qualidade da obra, mas isso pouco peso teve na rudeza dos cronistas.

Na esperança de o animar, alguns amigos levaram-no a visitar Leon Tolstoi, já um consagrado escritor. Este, ao ouvir o jovem compositor tocar algumas das suas peças no piano, perguntou, desagradado: "Haverá necessidade de compor música dessa?" o que afundou ainda mais Sergei na tristeza e reclusão.

Rachmaninoff saiu finalmente desse estado letárgico depois de ser tratado por hipnose pelo Dr. Nikolai Dahl. Durante as sessões o Dr. Dahl repetia incessantemente "Vais compor um concerto de piano, ser-te-á muito fácil compor, o concerto terá excelente qualidade".

Aparentemente a terapia resultou e Rachmaninoff escreveu o seu 2º concerto, que dedicou ao Dr. Nikolai Dahl.




Rachmaninoff tocando o seu 2º concerto para piano e orquestra

Sem as técnicas modernas de gravação, muita da riqueza e clareza do som perde-se, mas é impressionante ouvir os arpejos vigorosos e confiantes a sobreporem-se ao tutti da orquestra, na apresentação do primeiro tema, depois dos acordes iniciais do piano. Depois vem uma forma de tocar plena de lirismo e naturalidade, como se a música estivesse a nascer naquele preciso momento. Uma das coisas que mais me fascina é o maravilhoso fraseado da mão esquerda, que a torna tão independente da mão direita como se estivessemos a ouvir uma ópera com várias personagens.


A segunda sinfonia, composta entre 1906 e 1907, revela já uma grande evolução no domínio da orquestração e da criação de texturas mais densas. A introdução desta sinfonia resume na perfeição uma característica em que Rachmaninoff é exímo: a construção de clímaxes. Uma construção feita por camadas, por patamares, por tentativas goradas até à escalada final da montanha. E, logo a seguir, uma descida inevitável até ao sopé.

A introdução começa num fio musical, numa melodia apenas nas cordas graves, violoncelos e contrabaixos. Depois uma longa construção com avanços e recuos até ao clímax. O crescendo é feito não só na intensidade sonora como também num movimento melódico divergente entre instrumentos agudos (violinos) e graves (contrabaixos e tuba) que dão espaço para a entrada das trompas no ponto culminante.

Depois de atingido esse máximo, a música recolhe novamente, exausta, esvaíndo-se outra vez numa melodia só, agora feita pelo corne inglês. É assim como uma chegada ao ponto de partida


Sinfonia nº2 em Mi m, opus 27 - Orquestra Filarmónica de Roterdão sob a direcção de Edo de Waart


Rachmaninoff abandona a Rússia em 1917, em consequência da revolução bolchevique, estabelecendo-se nos Estados Unidos onde recolhia grande admiração fruto do grande sucesso que obtivera na digressão realizada em 1909 para a qual compôs propositadamente o seu 3º concerto para piano, considerado uma das mais difíceis obras da literatura pianística.


3º concerto para piano e orquestra em Ré m, op.30
Arcadi Volodos, piano
Orquestra Filarmónica de Berlim dirigida por James Levine


Rachmaninoff não mais tornou à sua pátria, deixando gradualmente de compor, por nostalgia, por lhe faltar a ligação à terra onde nasceu.



Acabou por falecer em Beverly Hills, em 1943, e foi sepultado em Nova York, no Kensico Cemetery.

10 comentários:

susana disse...

Obrigada por mais este alimento matinal.

Pedro Veiga disse...

Muito bonito Tiago! Tenho pena de não saber como colocar ficheiros de som no blog.

Tiago disse...

Cara bolotavoadora, o link vai já a seguir.

Susana, obrigado também pelo agradecimento.

Pedro, quando quiseres explico-te como se põe música em blogs. Levei muito tempo a conseguir e não vale a pena perderes esse tempo todo.

Unknown disse...

Não posso comentar a música. Aqui não consigo ouvir :-( Mas gostei da história. E fiquei a saber que a sensibilidade do Tolstoi deixava a desejar.

Sem tem nada a ver (a haver? nunca percebi qual é) com o post, gostei muito da saudação da bolotavoadora assim com quele "Amigo" logo de caras. Soa bem! Vou passar a usar em vez do meu habitual "Viva".

Pedro Cruz Gomes disse...

Gente, temos de ver o que se passa com o template deste blog. A minha versão XP ou as firewalls que este PC tem crasham-me a entrada no blog a maior parte das vezes. Há controlos Active X que não deveriam estar por aqui e que são porta para eventuais acessos malévolos aos nossos computadores. Alguém consegue resolver o problema?

Tiago disse...

Pois, a página leva muito tempo a carregar desde que comecei a por ficheiros de som. Não sei se são virus, mas acho que não.

Vou mudar o leitor de das faixas, pode ser que mude alguma coisa.

Margarida C. disse...

Que maravilha, Tiago!

João Tito Basto disse...

Só agora consegui ler e principalmente ouvir este post sobre Rachmaninoff. Conhecia-o como um virtuoso do piano com obras muito dificeis de executar mas pouco mais sabia à cerca dele. A música é verdadeiramente magnifica e o teu post também!

Anónimo disse...

Parabens por este post!
Foram 20 minutos extremamente interssantes e agradáveis.

Anónimo disse...

Estou emocionada. Há anos não ouvia Rachmaninoff, o meu preferido na adolescência.
Ficou com gostinho de quero mais.
Tks :)
vou colocar seu enderço no meu blog.
Abs, Laura